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302 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 26

aos e parasitas, dominados por forças místico-irracionais, por impulsos e «moções, sem espírito racionalista e científico, afectos ao transitório, mas a produtores, a técnicos, a homens de alta cultura. O contrário, quase diríamos, seria como se, para curar da sua saúde, os doentes tivessem à sua cabeceira, não médicos, mas curandeiros, não clínicos, mas simples entendidos.
Para além dos exageros da tese saint-simoniana e da maior ou menor dose de incoerência que informa o delineamento das instituições por meio das quais entendia dar-lhe realização, ficou apontado o sentido de uma crítica à democracia representativa individualista, que seria depois retomada, ao longo do século XIX e do nosso próprio século, quer para a condenar em bloco, quer para a corrigir e aperfeiçoar.
Sr. Presidente: as críticas e objecções à democracia representativa individualista e territorial não surgiram, porém, apenas do lado da concepção tecnocrática saint-simoniana. Não consistiram, pois, tão-sòmente em pôr em evidência a pretendida antinomia entre democracia e razão objectiva, entre democracia e ciência. De outro quadrante do pensamento e da cultura argumentou-se contra a democracia liberal com o arsenal de ideias e de conclusões das novas e florescentes ciências sociais, designadamente a sociologia, a ciência e história do direito e a economia política.
A sociologia, a ciência jurídica e a história do direito, por um lado, punham em relevo a existência, dentro do agregado nacional, dentro da nação, de um sem número de sociedades menores, de grupos sociais, em que os indivíduos integram a sua personalidade e realizam os seus interesses. São estes grupos personalizados que, naturalmente associados, compõem a nação, não os indivíduos directamente. Os indivíduos, fora dele, não são mais do que uma abstracção, uma criação do pensamento. O indivíduo é essencialmente social, vive integrado em grupos - e são estes que constituem a nação. A nação é uma associação necessária de grupos, uma corporação de corporações, uma federação natural de sociedades, uma communitas communitatum.
Sobre estes dados, uma corrente do pensamento político conclui assim: se cada grupo tem os seus interesses, a sua vontade e a sua opinião, distintos dos interesses, da vontade e da opinião dos indivíduos quo nele se integram, deve ser através da representação destes grupos aio plano legislativo que há-de chegar ao Estado a vontade real da nação, a qual, portanto, não é a vontade média dos indivíduos, mas a vontade média dos grupos sociais em que todos os aspectos da actividade individual se entrelaçam.
Por seu turno, do lado da economia política veio a verificação de que a uma economia de indivíduos sucedera, com o andar do século XIX, uma economia de grupos, uma economia de sindicatos. O sindicalismo difundiu-se, universalizou-se, abrangendo sucessivamente a mão-de-obra, o patronato e a produção industrial. Os sindicatos operários, os sindicatos patronais e os sindicatos de empresas são justamente grupos ou centros de interesses homogéneos.
Ora bem: todos os grupos daqueles que oferecem trabalho e que dão trabalho, bem como todos os que detêm meios de produção idênticos, diz-se, têm um interesse comum mais vivo, mais intenso do que o interesse que aproxima as pessoas que residem em certa circunscrição eleitoral. Este interesse comum de cada um dos grandes grupos profissionais pretende-se que seja, para todos os participantes desses grupos, um interesse mais relevante do que o interesse a que consegue dar-se, representação em regime de democracia política. A comunidade territorial perdeu muito da sua unidade em confronto com a comunidade profissional.
A integração dos produtores (trabalhadores, patrões e empresas) na vida política «Ó se consegue pela sua representação nessa sua qualidade de produtores. O sindicalismo tem de ter uma dimensão política ou não realizará a sua missão. O sindicato terá atribuições legislativas. Em vez, irais, de uma democracia política, uma democracia económica; em vez de uma representação formalista, uma representação real. O poder económico precede o poder político.
Nesta orientação sobressaiu, na esteira de Proudhon, a escola sindicalista francesa (com Paul Boncour, Georges Sorel, Hubert Lagardelle e Maxime Leroy, além de um jurista como Duguit, dando todos especial importância à representação profissional operária) e o guild socialism inglês, cujos nomes mais salientes são talvez Russel e Cole.
Ambas as correntes, mas especialmente o sindicalismo revolucionário francês, manifestaram a maior desconfiança pela autenticidade da representação política em sentido estrito. Quanto ao guild socialism, não acreditava, nem no plano da teoria, nem no plano da prática, na possibilidade de uma representação geral e omnicompreensiva dos cidadãos, como é a representação individualista por circunscrições territoriais. Só uma representação funcional, específica de certos interesses e de certos indivíduos, é viável - só é, pois, verdadeira representação uma representação dos interesses comuns os elementos de cada grupo profissional pelo próprio grupo. Estes grupos ou guilds autónomos coordenarão a sua acção e formarão, pelo debate entre si, a vontade comum dos produtores da nação.
Não diverge desta orientação doutrinal, no que toca à sua desconfiança na democracia territorial, uma outra corrente - justamente o corporativismo económico, stricto sensu. Simplesmente, as corporações económicas, ao contrário dos sindicatos e das guildas, embora também organismos só de produtores, não seriam unilaterais como eles - seriam organismos mistos de patrões patrões e trabalhadores, associados e guiados pelo interesse comum da produção. Estas corporações encontrar-se-iam umas com as outras numa câmara legislativa e aí tomariam as decisões políticas mais importantes à vida do País.
Entre os partidários de uma representação das corporações económicas numa ou mais câmaras legislativas, representação tendo por base o sufrágio profissional ou concebida por qualquer forma menos democrática (pode, efectivamente, falar-se de um corporativismo democrático e de um corporativismo autoritário) - entre os partidários dessa representação, dizia-mos, podem, com mais ou menos rigor, apontar-se, na Itália, de um modo geral, os teóricos do corporativismo fascista, os quais denunciam bem, com tal, a filiação sindicalista do fascismo. «O sufrágio universal, escrevia um deles, é a consequência imediata da concepção liberal, atomística. individualista, da vida e, tomo tal, não pode corresponder às novas exigências sociais». Em sua vez, institui-se o chamado sufrágio corporativo, que leva as corporações ao parlamento. Dentro deste se harmonização as eventuais divergências das várias corporações. As leis serão a expressão da vontade concorde de todas elas.
Em dado momento, imediatamente após o seu triunfo na Rússia, o marxismo expressou-se também, no campo das realizações constitucionais, entre outras fórmulas, pela representação exclusivamente profissional, desaparecendo a representação individual ou territorial. O Congresso Panrusso dos Sovietes, autoridade legislativa suprema da federação russa, assentou, efectivamente, com a primeira Constituição bolchevista, numa base profissional. Esse parlamento sindical, chamemos-lhe assim, ora composto pelos representantes dos so-