304 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 26
Isto parece-me o essencial a opor à ideia de uma câmara corporativa com funções deliberativas, sem embargo de considerar também mais ou menos pertinentes outros argumentos voltados mais para o lado técnico da organização de um sufrágio corporativo capaz de dar adequada expressão a cada um dos interesses sociais.
Como, na verdade, distribuir com justiça entre os grupos sociais os representantes à câmara? Noutras palavras: qual o critério suficientemente preciso, não arbitrário, que permitiria repartir entre os grupos sociais os lugares da câmara? O critério do número dos seus elementos? Mas este número não é permanente, não é estável e, por outro lado, o valor social de uma função não depende sempre « necessariamente do número dos que a exercem.
Por outro lado e finalmente (nem devo abusar indefinidamente da vossa paciência com a preocupação de nada esquecer que possa servir ao esclarecimento do assunto), consideráveis dificuldades surgem à actuação da representação corporativa pelo lado da delimitação reciproca dos interesses a representar. A vida social e a vida económica não nos fornecem o quadro de interesses entre si suficientemente delimitados, o quadro de «unidades de interesse» devidamente circunscritas. Quais são os elementos que têm interesses sociais inteiramente diversos de outros elementos sociais? É difícil responder; é, portanto, verdadeiramente difícil criar o pôr cm funcionamento as corporações, ao menos para lhes dar assento numa câmara política, com poderes deliberativos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: nada, porém, do que acabo de dizer significa nem pretende significar que não sejam válidas algumas das críticas que já desde o século XIX se fizeram, quer à doutrina da representação política de base meramente individualista e territorial, nos seus fundamentos teoréticos, quer às instituições parlamentares, às assembleias em que essa doutrina obteve melhor ou pior tradução prática.
É sobretudo pertinente, creio eu, a crítica que põe em evidência o que há de esquemático, de caricatural e do largamente fictício nu pretensão de que as assembleias saídas do sufrágio representem realmente a nação na multiplicidade dos interesses e dos valores sociais e que é justo reconhecer o direito de intervir no exercício da função legislativa, não se dá, neste sistema, nenhuma relevância política especial aos valores espirituais (intelectuais e morais), antes se igualam no significado meramente matemático-quantitativo que é atribuído aos que os encarnam e simbolizam. «O sufrágio universal - escreveu Sismondi- que considera os homens como unidades iguais, que os conta em vez de os pesar, despoja a nação do que ela tem de mais precioso, a influência dos homens eminentes». Nem, por outro lado, se reconhece a necessidade de dar audiência, no domínio das decisões político-legislativas, aos representantes dos variados interesses congregados nas diferentes sociedades naturais e artificiais, interesses que, por não serem comuns aos cidadãos em geral, não podem ser representados através do sufrágio territorial.
Impossível é desenvolver aqui este ponto, como conviria se me não dirigisse a um auditório que perfeitamente domina a problemática da representação política.
Tirando lição da crítica ao sufrágio universal e à democracia representativa individualista, considerando as suas insuficiências, resultou que, sem negar os seus aspectos positivos, ou seja, o seu activo, se advogaram desde cedo, ainda no século XIX, mas sobretudo no século XX, várias fórmulas de correcção de base tecnocrática ou profissionalista.
Ahrens, von Mohl, Bluntschli, Sismondi, Schaeftle, Prins, Duthoit, Deslandrés, Martin Saint Léon, Salisbury, Disraeli, Hugh Cairns, Renet Hubert, Hector Denis, De Greef, Hauriou, Lavergne, Perroux e tantos outros sustentaram a necessidade de dar maior capacidade representativa ao parlamento com a participação nele, na mesma câmara ou em câmara separada, em pé de igualdade com os deputados eleitos pelo sufrágio clássico, de representantes das grandes actividades nacionais e dos valores sociais mais eminentes; ou, pelo menos, a necessidade de instituir, ao lado do parlamento propriamente dito, escolhido pelo sufrágio universal, assembleias auxiliares do parlamento (ou do pá ri ti mento e do governo como órgão legislativo, quando este, nas últimas décadas, em vários países, foi forcado a exercer competência legislativa sob a forma de decretos-leis ou correspondente), assembleias auxiliares em que justamente passaram a ter assento os representantes das actividades e dos interesses c técnicos qualificados.
Para só falar das traduções práticas destas três orientações, deixando, portanto, de lado os projectos teóricos, evoco, quanto à primeira, alguns casos mais recentes como o do Senado belga, em que, ao lado dos senadores eleitos pelo sufrágio universal, temos os senadores eleitos pelos conselhos provinciais e os eleitos pêlos grupos definidos em lei especial; e o caso do Senado grego, previsto na Constituição de 1927, mas hoje suprimido, que era composto de senadores eleitos pelo sufrágio universal e pelas associações profissionais.
A segunda orientação tem tido também certo número de concretizações. Recordarei, sem pretender ser completo na enumeração, uma das suas expressões mais características, a da Constituição irlandesa, que prevê uma segunda câmara, de que fazem parte, além de 11 membros nomeados, 6 eleitos pelas universidades e 43 segundo o sistema da representação proporcional, sobre listas de candidatos contendo nomes de pessoas que possuam conhecimentos e experiência prática do» seguintes interesses e serviços: língua e cultura nacionais, literatura, arte, educação e interesses profissionais definidos em lei ordinária, agricultura e interesses conexos, pesca, trabalho organizado ou não, indústria e comércio, banca, finança, contabilidade e as profissões do engenheiro e de arquitecto, administração pública e serviços sociais, compreendendo-se nestes as actividades sociais voluntárias.
Outro exemplo muito interessante é o da Áustria, cuja Constituição prevê uma segunda câmara, o Länder-und Ständerat ou Conselho dos Estados e das Profissões, que agrupa os representantes dos estados federados e os representantes das profissões. O Conselho das Profissões reúne os representantes dos agrupamentos profissionais da população da federação austríaca, de acordo com uma lei constitucional especial.
Outro caso deste tipo é o da Constituição do Estado Livre da Baviera, de 1946, que prevê a existência de um senado, definido, no seu artigo 34.º, como «a representação dos corpos sociais, económicos, culturais e comunais». E constituído por 60 membros, assim distribuídos: 11 representantes da agricultura e da silvicultura, 5 representantes da indústria e do comércio, 5 representantes de artesanato, 11 representantes dos sindicatos operários, 4 representantes das profissões liberais, 5 representantes das cooperativas, 5 representantes das comunidades religiosas, 5 representantes das organizações de caridade, 3 representantes do ensino superior o das universidades e 6 representantes das autarquias locais e suas federações.
Por último, a recente Constituição jugoslava, de 1903, prevê também uma segunda câmara, a Câmara dos Produtores, que exprime, não uma representação