306 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 26
Recordo que o Grupo de Estudos Democráticos, dirigido pelos Drs. Dias Pereira e Sá Nogueira, julgava «necessária a criação (são as suas próprias palavras) de um conselho económico eleito pêlos produtores e trabalhadores, que organizaria todos os planos a adoptar, os quais seriam submetidos a deliberação do poder legislativo». O Integralismo Lusitano procurava, como é sabido, pôr uma câmara corporativa como auxiliar do monarca. Quanto ao Prof. Oliveira Salazar, no seu discurso de 30 de Julho de 1930, aludia à necessidade de dar representação no Estado à nação organizada, que é como quem diz, aos grupos naturais necessários à vida individual e de que se constitui realmente a sociedade política - a família, as corporações morais e económicas e as autarquias locais. Estas sociedades colocadas entre o indivíduo e o Estado designariam os membros das câmaras legislativas. Não é seguro, porém, a partir das suas palavras, se esta representação da Nação, que considerava a mais fiel do que qualquer outras, seria uma representação exclusiva, ou se se combinaria, por qualquer modo, com a representação individualista-territorial.
A avaliar pela sua responsabilidade na elaboração do texto constitucional que em 1933 foi submetido a plebiscito nacional, o seu pensamento não seria tão ousado como se depreendia da letra do discurso de 30, pois se consagrou aí um sistema unicamaral, em que o órgão legislativo era simplesmente assistido da consulta de uma câmara corporativa, que funcionaria junto dele. Essa câmara era composta de representantes das autarquias locais o dos interesses sociais considerados nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica, de acordo com as sugestões do Prof. Salazar em 1930.
Na ausência de corporações em sentido técnico, os interesses são representados na Câmara Corporativa por várias formas, que vão da designação pelo Conselho Corporativo à eleição. Quanto as autarquias locais e aos interesses de ordem administrativa, a fórmula actual deve ser a definitiva.
Do 1933 para cá não houve alterações fundamentais na orgânica da Câmara e a sua índole permanece a mesma: de órgão consultivo. Simplesmente, em 1930, passou a ser também órgão consultivo do próprio Governo, enquanto órgão legislativo e instância regulamentar. Em consequência disso o funciona mento da Câmara deixou de sincronizar-se rigorosamente pelo da Assembleia.
Em 1951, à Câmara foi expressamente atribuída competência para fazer recomendações ao Governo.
Sr. Presidente: como se vê, a missa Câmara, sem ser um parlamento corporativo, também não é um simples conselho económico, como os que existem hoje em França, na Itália e na Bélgica. A nossa concepção deste órgão auxiliar do legislador à mais ampla do que a consagrada nestes países, na medida em que se pretende dar representação não só aos interesses económicos, mas também aos outros interesses sociais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Simplesmente, e ao contrário do Conselho Económico da França, a representação dos consumidores não existe aqui. Bem como não existe uma representação dos interesses ultramarinos em termos adequados.
De um modo geral, no futuro, a grande tarefa do legislador, no que respeita a esta Câmara, é a de alargar a representação nela a interesses e valores sociais tão variados quanto possível, sem mesquinhas preocupações financeiras. O quadro dos seus técnicos deverá também, por seu turno, ser ampliado.
Por outro lado - dico aperte - creio que seria necessário obrigar mais estritamente o Governo a enviar os seus projectos de decretos-leis a esta Câmara, já que nem sempre se socorre do seu parecer quando se impõe. Inclusivamente, chega a não o fazer quando se permite revogar por decreto-lei leis da Assembleia Nacional. Desta forma se daria uma cooperação ao Governo de que ele muitas vezes bem precisa. Lembro-me, a propósito, do recente Código da Estrada, um dos diplomas tecnicamente mais mal feitos dos últimos tempos, que, parti mais, consagra soluções jurídicas aberrantes. Quando esta Câmara não é ouvida e sobre a legislação preparada pelo Governo ou, como é corrente, por funcionários, em seu nome, corre-se o grave risco de não se terem era couta interesses que conviria satisfazer, contrariar ou, de qualquer mudo, considerar diferentemente.
E julgo ainda que, na primeira oportunidade, será útil reparar nas leis orgânicas das assembleias estrangeiras idênticas para se melhorar a da nossa.
Sr. Presidente: no seu discurso do 20 de Outubro do 1949, o Prof. Oliveira Salazar, posto, uma vez mais, perante o problema do alcance da representação corporativa, reconheceu que «não parece certo que o interesse nacional seja apenas constituído pela combinação dos diversos interesses materiais ou morais ou que, pelo menos, não haja, além destes interesses específicos e particulares de grupos, um interesse político geral, relativo à Nação como ser e unidade moral. Há conceitos - acrescentou - que informam e orientam a vida da Nação em conjunto». Qual o intérprete autorizado das aspirações e tendências que o corpo social revela? Uma assembleia de representação individualista? Uma câmara corporativa?
Vinte anos volvidos dobre a sua entrada em funções, a Câmara Corporativa consolidou progressivamente o seu prestígio, quer perante a opinião pública indiferenciada, quer perante todas as camadas cultas do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, para isso, não teve necessidade de mais do que manter-se substancialmente como câmara de exame das invenções (para retomar a linguagem de Saint-Simon), isto é, das propostas e projectos de lei do Governo e da Assembleia, trabalhando discreta e silenciosamente, reunindo, nos seus pareceres, a voz dos interesses nela representados, o saber dos seus procuradores dos interesses c dos seus técnicos e elevando-se, na média dos seus votos, ao nível do bem comum. Postos frente a frente, na Câmara, os procuradores década ramo de interesses ou dos interesses especializados confrontam pontos de vista, preocupações, aspirações, pesam necessidades, discutem problemas livremente c som constrangimentos. Este contacto como que obriga a objectividade e a compreensão, à conciliação, à síntese, à compensação dos interesses e das opiniões.
Todavia, continuo convencido de que não deve considerar-se, no futuro, esta Câmara, qualquer que venha a ser a evolução da organização corporativa, como o órgão a que, em definitivo, compete ser intérprete final e autorizado do bem comum, palas razões já atrás resumidas, válidas de um modo geral para todas as assembleias de representação técnica, profissional, económica ou corporativa que aspirem à categoria parlamentar ou deliberativa. Além da razão fundamental, que perfeitamente traduzem as palavras, que há pouco reproduzi, do Prof. Salazar, há a considerar, em especial, o que há de arbitrário, quer na definição dos interesses especializados, quer no número dos representantes que se lhe atribuam. Considere-se ainda que na Câmara não