11 DE JANEIRO DE 1955 301
dro Teotónio Pereira - esse inconfundível pioneiro da organização corporativa e um dos mais fiéis depositários do alto pensamento de Salazar. . .
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... permiti-me, nesse momento, chamar a atenção dos Dignos Procuradores para o acto da maior transcendência política que representava a investidura do Professor Marcelo Caetano no alto cargo de Presidente desta assembleia, pelos méritos incontestados do seu muito saber do direito público e da sua acção da instauração do sistema corporativo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E lembro-me também de ter afirmado nessa ocasião que não acalentava somente uma esperança, mas que ficava com a certeza de caminharmos no rumo da pureza dos princípios da nossa organização corporativa - e de que o seu espírito - mais talvez do que a sua letra - se faria sentir através da actividade do seu órgão mais representativo: esta Câmara.
Pois bem! Comemorando-se boje o vigésimo ano da sua fundação, consinta, Sr. Presidente, quo coloque na mesma altura os prestigiosos nomes de VV. Ex.ªs, porque esses nomes representam os dois momentos mais expressivos da vida da organização corporativa: um passado, felizmente ainda não muito distante, que viu realizadas algumas das mais legítimas e entusiásticas aspirações, e o presente, que tem a garanti-lo o constante propósito de ver ampliada a missão desta Câmara pela reconhecida necessidade da sua cooperação permanente - e de forma eficaz - com a administração pública.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E com os olhos postos nessa imensa plêiade de clientes e de idelistas que formavam então a maravilhosa Ala dos Namorados do ideal corporativo - infelizmente já mortos uns e dispersos outras por motivos vários -, sinto, Sr. Presidente, que esse passado em nós se prolonga em demanda do futuro e temos que nos fortalecer aia certeza de que assim alcançaremos a plenitude da consciência da Nação.
Mas, Sr. Presidente e Dignos Procuradores, porque os infiéis da Pátria, os negadores e insultodores da História, não partilhando da nossa comunidade moral, espreitam as nossas fraquezas, os nossos erros ou os desvios de doutrina para deles se servirem como a melhor arma para vibrar um golpe decisivo na solidariedade das ideias «dos sentimentos, tentos que ter bem presente - e porá honra de nós próprios- que o magnífico património do sistema corporativo foi confiado carinhosamente pelo Chefe do Governo h guarda da Nação! E porque julgo a data de hoje, pelo seu especial significado, a mais azada para afirmações concretas, vou terminar, Sr. Presidente e Dignos Procuradores, dirigindo-me aos homens da minha terra a quem esta entregue o destino das nossas coisas para lhes dizer, cora toda a minha emoção e à laia de mestre Gil Vicente:
Senhores homens de bem.
Escutem vossas senhorios ...
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos gerais.
O Sr. Afonso Rodrigues Queiró: - Sr. Presidente, Dignos Procuradores: consenti-me que, ao completar-se um vinténio de vida e de actividade da nossa Câmara, traga à vossa consideração e à do País algumas reflexões, talvez de actualidade, justamente sobre a sua génese e o seu futuro. Nesta altura da vida da Câmara convém realmente que suspendamos por um dia o trabalho e façamos o ponto, a fim de verificai-mos onde nos encontramos e que rumo devemos seguir.
A ideia de instituir uma representação económica, uma representação profissional ou, mais amplamente, uma representação corporativa ao lado ou em vez de uma representação restritamente política não é dos nossos dias, mesmo quando consideremos, apenas o período em que na Europa se difundiu e radicou o sistema político da representação democrático-individualista. Ainda se não tinha desfeito em França o palco em que se haviam representado as grandiosas cenas revolucionárias, vivos eram ainda muitos dos actores e dos figurantes que nesse palco haviam interpretado o drama da Grande Revolução, cujo epílogo foi o triunfo do sistema da representação individualista sobre o da representação das ordens, dos estudos gerais ou de classes - e já Henri de Saint-Simon se rebelava contra este imponente movimento de ideias, designadamente contra o tipo de instituições em que ele estava em vias de se traduzir a pouco e pouco por toda a Europa. A Saint-Simon impressionava-o, sobretudo, aquele aspecto da filosofia da democracia representativa individualista, pelo qual esta se nos revela em oposição, por um lado, com o racionalismo cartesiano e euciclopedista e, por outro, com o novo poder surgido justamente na época contemporânea - o puder científico, a Ciência. A democracia individualista é, na verdade, em parte, o triunfo da subjectividade, do particular, sobre a objectividade nacional, sobre a universalidade, o triunfo do indivíduo, como ente subjectivo, sobre a rastão objectiva e transpessoal; e em parte também a supremacia da improvisação, do empirismo, ria oportunidade, sobre a ciência e a técnica que a revolução industrial pusera, entre os valores culturais, no plano mais alto.
Os únicos meios que Saint-Simon reconheceu como idóneos para instaurar, no domínio das instituições políticas, a razão e a ciência foram a abolição do sufrágio universal e sua substituição por um sufrágio técnico-profissional, a consequente supressão das câmaras de deputados, com a implantação, no seu lugar, de câmaras representativas das competências profissionais, três ao todo - la Chambre d'Invention, la Chambre d'Examen, e la Chambre des Communes ou d'Exécution. Todo o poder aos produtores, que é como quem diz, aos técnicos - aos sábios, aos artistas e aos artífices, em suma: aos produtores de ciência, de arte e de bens materiais. A primeira câmara seria aquela de que sairiam especialmente os grandes projectos de obras públicas nacionais, os grandes planos económicos ou de fomento, como diríamos hoje. A segunda teria uma competência essencialmente consultiva, examinaria estes projectos, mas poderia, por sua vez, elaborar projectos de educação pública. A última, em que predominariam os produtores económicos sobre os sábios e os artistas, teria atribuições financeiras e deliberaria sobre os projectos apresentados pelas duas anteriores.
Posta em execução, a organização saint-simoniana do poder traduzir-se-ia, como se vê, uma pura tecnocracia, a substituir a democracia, numa ditadura dos técnicos, dos competentes, a substituir o poder dos políticos. A política não se reconduz, segundo Saint-Simon, a uma simples sensibilidade do interesse público, a uma actividade que possa ser confiada àqueles que pretendem ter uma espécie de mística intuição das exigências do bem geral - a política é, para Saint-Simon, uma ciência, espécie de física, na sua própria expressão, a física social. Não deve confiar-se o seu exercício a ócio-