11 DE JANEIRO DE 1955 299
Assim, enquanto pelo primeiro critério - «das grandes actividades económicas» - as corporações ficariam reduzidas a cinco, se nos cingirmos à classificação tradicionalmente aceita - agricultura, indústria, comércio, transportes e crédito - já por qualquer dos dois últimos critérios - do produto, por exemplo - o seu número, variável por excelência, poderia ascender a bastantes dezenas, conforme a quantidade de produtos a que fosse reconhecida importância bastante.
Estamos aqui na presença de critérios limite, digamos critérios extremos, apresentando incontestáveis vantagens para alguns casos, mas revelando-se inoperantes em relação a outros. E não surpreenderá, pois, que a maioria dos autores vá aproveitar, do critério da função económica, as duas corporações -transportes e crédito-, rejeitando, para o «feito, os restantes termos da classificação das grandes actividades. E não surpreenderia, outrossim, que em Portugal, Espanha, França ou Itália ninguém contestasse a vantagem de ir buscar ao critério do produto uma corporação do vinho, mas já repugnasse instituir corporações distintas para o milho ou para o arroz.
Pode isto significar que todos os critérios apontados são válidos em certa medida e nunca em toda a sua rigidez e extensão. Mas, embora num exame superficial seja lícito ajuizar por tal modo das particularidades mencionadas, uma análise mais aprofundada pode revelar-nos que os aludidos critérios não podem considerar-se válidos, tão simplesmente porque só o seriam, na sua estrita, qualidade de critérios, se os princípios sobre que assentam operassem em toda a gama das actividades económicas e não apenas em casos restritos.
E realmente parece esta a conclusão verdadeira, dado que, ao elegerem-se para base de corporações os exemplo citados -transportes, crédito e vinho-, não foi mercê dos critérios da função económica ou do produto que o fizemos, mas antes escolhemo-los em atenção a um outro índice mais genérico que os abrange a todos simultaneamente - o seu carácter de «grandes ramos de produção».
Efectivamente, só por serem grandes ramos de produção - e «produção» tomada aqui num significado económico extensivo - é que, tanto os transportes como o crédito ou o vinho, têm qualidade para constituírem corporações; e o mesmo acontece, nomeadamente, com a pesca, a indústria metalúrgica, a indústria têxtil e os cereais, além de outras actividades.
Há-de notar-se que não foi por uma razão meramente teórica que valeu a pena, nesta altura, fazer a análise dos critérios mais comummente propostos. A vantagem que daí pode colher-se é principalmente a de demonstrar que tem de existir um critério único, pelo menos um critério-base, como linha de orientação para determinar o número e qualidade das corporações.
Ora, para servir a tal objectivo -para servir como critério-base - de entre os quatro índices preconizados, só o dos grandes ramos da produção parece oferecer a garantia de enquadrar num sistema de forças equilibrado todo o complexo das actividades económicas.
Dir-se-ia que não seria impossível adoptar pura e simplesmente qualquer dos outros critérios de integração -, o das grandes actividades económicas ou o critério do produto. Possível, sim, mas com certeza inconveniente; e isto porque, ou o número de corporações havia de ser tão reduzido que se limitava apenas a cinco, ou esse número tomava proporções consideráveis.
Não basta afirmar, no entanto, que qualquer das duas situações extremas se mostra inconveniente; é preciso demonstrá-lo.
Compreende-se que, reduzir a cinco compartimentos a enorme multiplicidade e variedade dos interesses económicos, equivale a integrar em cada um deles actividades diversas, que são «afins» entre si, mas cujo grau de afinidade nem sempre poderá ser suficientemente estreito e directo. Para exemplificar, atente-se no caso frisante de uma corporação da indústria, onde se reuniriam, lado a lado, actividades ligadas por vínculos mais de ordem teórica do que prática, como as conservas, a metalurgia, os têxteis ou a construção civil, dando lugar a um verdadeiro amálgama, cuja utilidade seria manifestamente precária.
E o mais grave ainda é que, para respeitar esse traço de união meramente formal - o exercício da função-indústria -, haveria que desprezar toda uma rede de afinidades reais e profundas, como, por exemplo, as que existem entre certas actividades industriais, agrícolas e mercantis. Ou seja, não se entraria em linha de conta com as íntimas relações de instrumentalidade e de complementaridade que ligam as empresas umas às outras, numa dependência e solidariedade que salta à vista de qualquer observador, desprevenido que seja.
Acresce, ainda - agora em plano diferente - que, sendo tão poucas as corporações, a multiplicidade e variedade dos interesses que em cada uma se concentra prejudica necessariamente a disciplina dos mesmos interesses, não proporciona a sua perfeita coordenação, e dificulta notoriamente a representação da respectiva categoria económica. Além de que a corporação tem de ser um organismo tecnicamente especializado, e não se vislumbra a possibilidade de satisfação a este imperioso requisito, quando se instituam corporações hipertrofiadas.
Mas, se a escassez do número se figura desvantajosa, a sua superabundância não o será em menor escola.
Percebe-se bem que, dividir o campo económico em secções tão apertadas que separem o milho do trigo, o ferro do cobre, ou a lã do algodão, é cair em defeito porventura mais grave que o anterior. Verificar-se-ia, agora, uma nefasta dispersão de actividades congéneres e fortemente solidárias entre si, com todos os prejuízos para o efeito da sua necessária harmonia e duma benéfica regulamentação de conjunto, que são pedras de toque num regime corporativo. E não deve ignorar-se, também, que uma exagerada cifra de corporações, só pelo facto do número, diminui logo a categoria de cada corporação como organismo nacional, pois que a sua banalidade e pulverização na órbita do Estado retira-lhe o prestígio próprio duma grande instituição de carácter público.
Como em outra ocasião já disse: «As corporações nem devem ser tantas que se diluam na comunidade nacional, nem tão poucas que possam comprometer o equilíbrio de forças no seio do Estado».
Mais uma vez, é no meio que está a virtude, porque a integração corporativa, segundo o critério dos grandes ramos da produção, situa-se inegavelmente entre os dois extremos analisados e permite, como já se asseverou, enquadrar num sistema de forças equilibrado todo o complexo das actividades económicas.
Por certo que o processo não é inteiramente isento de defeitos. Basta dizer que para certo número de casos, não haverá possibilidade de respeitar simultaneamente todas as relações de instrumentalidade e de complementaridade que ligam as diversas empresas participantes num grande ramo da produção. O segredo, aí, residirá na sábia mensuração do valor das afinidades que se chocam, para só depois nos decidirmos por umas em detrimento de outras.
Mas o critério integrador dos grandes ramos da produção é também suficientemente elástico e maleável para facilitar os ajustamentos indispensáveis, circunstância que atenua os inconvenientes mencionados. E nisto se mostra em inteiro acordo com o sistema corporativo, essencialmente respeitador dessa patente