298 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 26
Contra esta solução pode objectar-se que haverá necessidade de proceder a correcções e ajustamentos, conforme os dados da experiência e as imposições de certos condícionalismos, nem sempre previsíveis; e que essas correcções e ajustamentos podem operar-se mais facilmente em duas ou três corporações primeiramente constituídas do que na sua totalidade, e quando todas elas já se encontram articuladas entre si.
Este facto parece ser um argumento valioso em favor duma instauração gradual e sucessiva de corporações, ao qual pode acrescentar-se, ainda, que este processo oferece maior viabilidade prática e responde melhor à urgência política de lançar o empreendimento. Isto porque, não se excluindo o imperativo dum plano de conjunto, contudo a sua realização ir-se-ia forjando gradualmente, permitindo o escalonamento dos problemas e da sua resolução.
Quer dizer: para além da fixação dos princípios genéricos concernentes à estrutura, competência e funcionamento da corporação em geral, há depois todo um mundo de problemas específicos de cada corporação em particular, que se torna imprescindível pôr em equação, estudar, resolver. Mas estes últimos, que constituem tarefa necessariamente demorada, não teriam de ser equacionados todos de uma vez, antes se iriam estudando uns, depois de resolvidos outros. E esta circunstância atribui, desde logo, maior viabilidade ao processo que agora está em causa.
Em tudo isto se antolham razões judiciosas; e, por certo, seria rematada imprudência não contar com um período inicial de adaptação, em que a presença concreta das dificuldades e o realismo dos factos hão-de requerer providências conducentes a alterações de pormenor ou, até, a reforma de estrutura. Nesse período, as hesitações não vão ser poucas; e será veleidade supor-se provável uma definição, prévia e precisa, de todas as minúcias da orgânica e do funcionamento da corporação.
Mas tal não significa, só por si, que o processo de instauração total seja incompatível com as circunstâncias apontadas, por não poder satisfazer aos seus requisitos.
Pode, sem dúvida, este processo simultâneo ajustar-se ao condicionalismo próprio de um período experimental, bem como à possibilidade de correcções ou ajustamentos. E a única diferença, em inferioridade, relativamente ao processo da criação gradual e sucessiva de corporações, reduz-se à maior dificuldade de realização, facto que não e despiciendo.
Resta saber, contudo, se q que se perde em mais pesado encargo e dificuldades não tem suficiente compensação em vantagens de outra ordem. E a verdade é que as tem, talvez mesmo de sobejo.
Primeiro que tudo, o método da criação em bloco é inegavelmente mais perfeito e mais harmónico, por abarcar a realização completa do sistema corporativo. Depois, e por esse simples facto, revela-se imediatamente portador de um são critério de igualdade e de justiça, quando submete todas as actividades sociais ao mesmo regime de disciplina e coordenação. Criar só lima ou duas corporações, sujeitando apenas as respectivas funções sociais a determinado conjunto de normas, para deixar outros sectores de actividade regidos por modo diferente, é praticar uma desigualdade que provoca o desequilíbrio e pode ter nefastas consequências.
Este um grave defeito do sistema escalonado e, em contrapartida, uma virtude apreciável da criação em bloco. Mas, muito acima disso e se relembrarmos as considerações feitas atrás, encontramos pela frente uma razão que parece decisiva.
Trata-se, como vimos, de a vencer a inércia» e, para o conseguir, seria preciso um «grande acontecimento», estimulante e galvanizador. Ora, criar hoje uma corporação, outra ao cabo de alguns meses, e assim sucessivamente, não constitui mudança radical de ambiente, nem constitui motor bastante para sacudir o País e fazer vibrar os espíritos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O arranque, como ,se disse já, tem de «ser feito em termos que não consintam hesitações, reticências ou incredulidades. Seria erro político, talvez irremediável, provocar ou permitir a ideia de se estar fazendo apenas uma tentativa, à guisa de ensaio, contra a qual não seria difícil desenvolver-se, insidiosa, mas pertinazmente e com êxito, toda a surda campanha dos interesses feridos, aplaudida e acrescentada pelas hostes políticas descontentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que se impõe - parece-me - é colocar a consciência social, iniludìvelmente, perante um facto maciço e gigantesco, que não possa minar-se ou destruir-se, mercê de arremetidas inconfessáveis. O que se impõe, é colocar o País perante aquilo a que chamei em outra altura uma «viragem histórica», porque de autêntica viragem se trata.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este imperativo do nosso condicionalismo político social, na presente Conjuntura, tem força, tamanha, e tal evidência, que bastam para arredar a hipótese de uma criação gradual e sucessiva de corporações. Mas não deve omitir-se, além disso, um outro perigo sério que dessa hipótese adviria e se refere a probabilidade de novas «paragens» do regime, como aquela em que vivemos há muito e donde só poderemos sair com porfiado esforço. Os obstáculos, as dificuldades e as surpresas bem poderiam arrastar, por alguns anos, aquilo que se havia previsto apenas para alguns meses. E porventura nunca mais se alcançaria o fim almejado de completar o regime, de termos um sistema acabado.
Em resumo, o fulcro das considerações anteriores, quanto a este ponto fundamental, pode condensar-se como segue: se vivêssemos o período inicial da organização, tudo indicava que a fórmula mais aconselhável, pela sua maior viabilidade prática e por não estar sujeita às graves contingências actuais, seria a criação escalonada de corporações; agora, decorridos vinte anos, os riscos dessa atitude seriam tão sérios que, muito embora à custa de maiores energias ou dificuldades, só se antolha admissível a hipótese de uma instauração total de corporações. A conjuntura da vida portuguesa parece ter reduzido praticamente a unia só aquelas duas soluções.
E passemos de seguida a uma outra questão prévia, que com esta intimamente se prende e se reporta ao número e qualidade das futuras corporações.
Quantas corporações se deverão instituir, e quais?
A resposta a semelhante pergunta envolve a escolha de um critério para a determinação das futuras corporações. E, se nos restringirmos ao extenso campo das actividades económicas, onde o problema reveste maior acuidade, é sabido que se têm preconizado fundamentalmente quatro critérios distintos: da função económica ou das grandes actividades económicas, dos grandes ramos da produção, do produto e da categoria.
A ordem por que se enunciaram estes critérios é sensivelmente em sentido crescente quanto ao número de corporações.