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606 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 49

As naturais discrepâncias e dissídios ideológicos, como o confronto de pontos de vista sobre a orientação geral do Estado em todos os planos, hão-de ter outro fórum para se apresentarem e debaterem, nomeadamente o que lhes é proporcionado na altura das eleições de Deputados à Assembleia Nacional. É que o Chefe do Estado há-de ser o mais possível e apesar de tudo, além de um chefe da Nação, uma entidade indiscutida e indiscutível, grandeza neutral, moderadora e apartidária - aquela espécie do pouvoir neutre, de que, como se sabe, falava Benjamim Constant.
Desta sorte, colhida esta lição, a Câmara Corporativa já não pode hoje sustentar a tese para que se inclinou (sem unanimidade, aliás) em 1951, no seu parecer n.º 15/V (Diário das Sessões n.º 74, de 24 de Fevereiro desse ano).
Quanto a pretender-se, como na altura se pretendeu, que o sufrágio universal e directo é a única forma de- tornar electiva e de fazer assentar numa base sólida de legitimidade a posição proeminente e independente do Chefe do Estado, e que ele é ainda nos regimes republicanos a melhor forma que até hoje se descobriu de assegurar a intervenção popular na determinação do rumo do Estado, ver-se-á, no seguimento das presentes considerações, que semelhante tese é muito discutível, justamente ante o facto de estar hoje muito longe de se admitir sem discrepância que o sufrágio universal e directo seja o único processo de apurar a vontade real da Nação. Reclama-se um sufrágio dualista, um sufrágio universal e um sufrágio social - e é justamente, como veremos, nesta orientação que a proposta do Governo se situa.
Não antecipemos, porém, as conclusões da Câmara, e dediquemo-nos, desde agora, a desbravar o terreno onde se há-de construir o caminho que nos leve justamente a essas conclusões.

2. Consinta-se-nos que façamos anteceder a tomada de posição desta Câmara sobre o problema em aberto de algumas noções muito simples- e geralmente conhecidas, mas que convém lembrar, que mais não seja por uma questão de ordem no tratamento do assunto.
Todos sabemos, para começar, que a forma republicana de governo (que não está posta em discussão na presente proposta de lei) requer que o órgão que desempenha as funções de Chefe do Estado - normalmente um indivíduo, excepcionalmente um colégio - seja eleito, em intervalos regulares e relativamente curtos, pela colectividade nacional, por via directa ou indirecta.
Simplesmente, variaram até hoje e divergem no plano do direito constitucional comparado, os modos, formas, processos ou sistemas de eleição dos Chefes do Estado na forma republicana de governo. Prescindindo de escusadas pormenorizações e especificações, podemos talvez reduzir a quatro os tipos ou categorias de sistemas de eleição presidencial: eleição directa pelo povo ou pela nação; eleição indirecta pelo povo ou pela nação, que elege um número limitado de eleitores presidenciais ou eleitores de segundo grau; eleição pela assembleia ou pelas assembleias legislativas; finalmente, eleição por um colégio mais amplo, abrangendo o Parlamento e um certo número de eleitores presidenciais de segundo grau.
O primeiro sistema, da eleição directa, foi consagrado, com já se deixou atrás entrever, pela Constituição alemã de Weimar, e foi essa consagração que chamou para ele a atenção da opinião pública europeia e o interesse dos constitucionalistas continentais. Deve, porm, dizer-se, em abono da verdade, que não se tratou e nenhuma originalidade. Não querendo recordar que o sistema está vai para dois séculos (1787) consagrado na América, no que toca à designação dos governadores dos estados membros da federação norte-americana, lembremo-nos da Constituição da II República Francesa (1848) e da generalidade das constituições das repúblicas presidencialistas da América Latina. A Constituição irlandesa de 1937, a Constituição lituana e, finalmente, a nossa própria Constituição de 1933 perfilharam-no depois.
O sistema da eleição indirecta do Chefe do Estado, por parte de eleitores de segundo grau, é o velho sistema perfilhado pela Constituição dos Estados Unidos da América. O colégio de eleição do Presidente é aí constituído pelos eleitores presidenciais, eleitos, por sua vez, por cada estado da federação norte-americana em número igual ao dos senadores e representantes que envia ao Congresso. Identicamente, na Finlândia, nos termos da Constituição de 1919, o Presidente é escolhido por trezentos eleitores de segundo grau, eleitos, por seu turno, por sufrágio directo.
O terceiro sistema comporta duas modalidades. Na primeira, à eleição do Presidente da República procede exclusivamente uma câmara legislativa. Assim se praticou, por exemplo, na Letónia depois da primeira grande guerra e assim se procede hoje na Turquia, segundo a Constituição de 1945. Na segunda modalidade, que é a mais seguida, o Presidente é eleito pelas duas Câmaras. O paradigma deste sistema foi a Constituição francesa da III República: esta consagrava o clássico sistema da eleição pela Assembleia Nacional (Senado e Câmara dos Deputados), reunida para o efeito em Versalhes. Manteve-se-lhe fiel a Constituição francesa de 28 de Setembro de 1946, ou seja a Constituição da IV República, segundo a qual o Presidente da República era eleito pelo Parlamento, constituído pela Assembleia Nacional e pelo Conselho da República. Foi este também o sistema consagrado, como é de todos bem sabido, pela Constituição portuguesa de 1911, e ainda pela Constituição austríaca de 1920, por algumas, poucas, constituições da América Latina, etc. Por último, o quarto sistema talvez tenha tido a sua primeira e original consagração na Constituição espanhola de 1931, segundo a qual o Presidente da República era eleito pelas Cortes e por um número de eleitores de segundo grau, eleitos por sufrágio directo, igual ao número dos membros das Cortes. Esses eleitores de segundo grau reuniam-se com os membros das Cortes para proceder à eleição presidencial. Na Constituição italiana de 1947 de algum modo se prestou também culto a este sistema, na medida em que o Presidente da República é eleito por uma assembleia especial, composta do Parlamento e de três delegados de cada uma das Regiões, eleitos pelo respectivo conselho regional, de modo a que se assegure a representação da ú minorias. Veio esta orientação de princípio a ser retomada pela Constituição da República Federal da Alemanha, conforme a qual o Presidente Federal é eleito pela Convenção Federal, que é constituída por todos os membros do Bundestag e por um número igual de membros eleitos pelos corpos populares representativos dos Lãnder, de harmonia, com os princípios da representação proporcional. A Constituição da V República francesa (de 4 de Outubro de 1958) situa-se também por último nesta orientação geral. O Presidente da República é eleito por um colégio eleitoral constituído pelos membros do Parlamento (Assembleia Nacional e Senado), pelos membros dos conselhos gerais (isto é, dos órgãos deliberativos dos departamentos) e pelos membros das assembleias doa territórios ultramarinos, bem como por representantes eleitos dos conselhos municipais (órgãos deliberativos das comunas), em número que varia em função da população de cada comuna, estabelecendo-se escalões desde as comunas com uma po-