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608 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 49

Chefe de Estado parlamentar, as que pareceu necessário conferir-lhe para assegurar, «par son arbitrage, le fonctionnement regulier des pouvoirs publics aussi que la continuité de l'Etat» (artigo 5.º da Constituição) (1).
Sucede, porém, que o sistema de eleição consagrado na proposta do Governo se tem de considerar substancialmente associado à concepção corporativa do Estado, na forma em que esta se encontra perfilhada aia Constituição, e naturalmente requerido pelo grau de desenvolvimento já atingido pela organização corporativa da Nação, de que a organização municipal se pode, em certo sentido, considerar como fazendo parte. O município é, em sentido lato, uma corporação, um corpo social de espontânea formação.
Simplesmente, a concepção corporativa consagrada na Constituição portuguesa não é a de um corporativismo estrito ou estreme, em cujos termos o indivíduo se integra, todo ele, na corporação: é antes um corporativismo personalista, compatível com a autonomia individual, um corporativismo que faz do indivíduo; ao lado das corporações, um elemento estrutural da comunidade nacional.
A Nação Portuguesa aparecerá, nesta concepção, a participar na eleição do Chefe do Estado através dos seus Deputados ao Parlamento, designados por sufrágio territorial e individualista, através dos Procuradores das corporações económicas, morais e culturais e, finalmente, através dos representantes dos municípios de aquém e de além-mar. Aliam-se, neste modo de eleição, a representação territorial-individualista e a representação orgânico-corporativa, na intenção de reproduzir a vontade da Nação, cujos elementos estruturais são, não apenas os indivíduos, mas também as instituições ou entes sociais em que eles vivem integrados e cujos interesses e sentimentos não se identificam necessariamente com os interesses e sentimentos da massa dos eleitores no quadro territorial.
Se a Constituição de 1933 perfilha uma concepção corporativa da Nação o do Estado, deverá mesmo dizer-se que o sistema agora proposto para a eleição do Chefe do Estado está mais de harmonia com essa concepção do que o anterior, porque o anterior, como se disse, tinha apenas em conta a vontade de um dos elementos, estruturais da Nação - o indivíduo, o cidadão. Em boas contas, portanto, o valor representativo do Chefe do Estado, adoptado o novo sistema e considerada válida a concepção corporativa, não pode considerar-se diminuído.
O resultado que especialmente se pretende alcançar com o sistema, proposto - o de preservar a autoridade do Chefe do Estado ao longo do seu mandato - conseguir-se-á com probabilidade, até porque a eleição não será naturalmente precedida de debate, ocupando--se o colégio eleitoral exclusivamente da eleição. E de admitir que as eleições para a Assembleia Nacional, e de um modo geral as demais eleições que directa ou indirectamente concorrem para a designação dos restantes eleitores presidenciais, passem talvez a ter um renovado interesse político. Simplesmente, esse interesse não se traduzirá em disputas acerca de uma' personalidade que seja proposta como candidato à Presidência da Republica, uma vez que tais eleições terão, por via de regra, lugar fora do período em que se processa a eleição presidencial. O sistema não tem, portanto, os defeitos do anterior e mantém-se não erramos - as vantagens que a este de início se atribuíram e que em 1933 se tiveram em mente no consagrá-lo na Constituição.

3. Não cause estranheza o facto de os municípios surgirem, por assim dizer, duas vezes ou sob duas formas a participar na eleição presidencial: através dos seus Procuradores à Câmara Corporativa e pelos seus representantes no âmbito distrital. Pense-se no que sucede com o vigente sistema francês, para se concluir que se tem por vezes neste campo de aceitar duplicações. O caso não é talvez para lamentar. Thomas Hardy lembra que por vezes sucede as constituições deverem o seu sucesso na prática às suas inconsistências no domínio dos princípios ... Ora na prática não deve haver inconveniente nenhum e. só pode mesmo haver vantagem em reforçar a representação municipal na eleição do Chefe do Estado.

4. A Camará entende que no corpo do artigo 72.º poderia continuar, a dizer-se, como até aqui, que' o Chefe do Estado é o Presidente da República eleito pela Nação, acrescentando: «por intermédio de um colégio eleitoral ...». É que, na verdade, segundo se depreende do que atrás dissemos, é ainda a Nação que continua a eleger o Chefe do Estado - e, se a visão ou concepção corporativa da Nação é exacta, elege-o em termos de maior autenticidade.
Esta sugestão teria, aliás, a vantagem de pôr a letra do artigo 72.º de acordo com a letra e a doutrina do artigo 78.º

5. Será talvez preferível empregar no corpo do artigo 72.º a fórmula «membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa em efectividade de funções», que é, em relação aos membros da Assembleia, a expressão já hoje usada no § único do artigo 98.º A fórmula da proposta («membros em exercício efectivo») é também, em boa verdade, usada na Constituição - mas parece-nos menos harmoniosa e expressiva.
Por outro lado, para evitar a repetição da expressão «província ultramarina», ainda no corpo do artigo, poderá dizer-se «de cada distrito, ou de cada província ultramarina não dividida em distritos».

6. A segunda parte do corpo do artigo 72.º consigna a doutrina, que merece inteiro aplauso, de que os eleitores presidenciais que reunirão com os Deputados e Procuradores à Câmara Corporativa serão designados apenas pelos vereadores eleitos, 'excluindo-se, portanto, os presidentes e vice-presidentes das câmaras, que, entrando também na composição destas, são em todo o caso de designação governamental. Solução diferente corresponderia a facultar ao Governo participação indirecta na eleição presidencial.

7. A proposta não se pronuncia sobre o número de representantes municipais que caberá a cada distrito (ou província ultramarina), nem, portanto, sobre a relação quantitativa entre estes e os eleitores parlamentares - e nisto se afasta da orientação seguida em qualquer das constituições que, do nosso conhecimento, consagraram até hoje este sistema de eleição presidencial. Na Constituição espanhola de 9 de Dezembro de 1931 os eleitores presidenciais ad hoc eram em número igual ao dos Deputados. Na Alemanha, a Convenção Federal - o colégio que elegerá o Presidente - é constituída pelos membros do Bundestag e por um número igual de eleitores presidenciais. Quanto à França, a própria Constituição fixa, de um modo geral, os critérios para a determinação do número desses eleitores especiais, que - não é preciso acentuá-lo - resulta ser muitíssimo mais elevado que o dos Deputados e Senadores.
O sistema do número igual de parlamentares e de eleitores presidenciais escolhidos ad hoc significou na Ale-

(1) Cf. A. Mathiot, «De la IV à la V République», in Il Politico, ano XXIII (1958), n.º 4, p. 565.