806 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 75
Desde então tenho-me esforçado por denunciar os graves erros de que enferma a nossa educação, quer familiar, quer pública, erros que, todavia, subsistiram e nos arrastaram a uma situação que não importaria tanto ser deprimente se não fosse perigosíssima.
O pouco eco que, além de reduzidos sectores dos meios clubistas, encontraram as minhas palavras talvez agora consiga maior amplitude, não pela qualidade em que de novo as pronuncio, mas por entretanto ter surgido a apoiá-las a experiência alheia, como sempre acolhida com maior confiança e admiração do que o que fazem e dizem os santos de casa...
Refiro-me à experiência escolar de Vanves, realizada em França pelo professor Tanon. Essa experiência de que hoje toda a gente fala entre nós e seria, portanto, supérfluo explanar aqui, embora, quanto a num, apresente alguns pontos e interpretações bastante discutíveis, teve para nós o extraordinário mérito de ser um exemplo de seriedade incontroversa a invocarmos nos nossos argumentos e em apoio da especial feição que pretendemos seja imprimida à nossa educação física, tanto oficial como privada.
Sempre me tem admirado, Sr. Presidente, a obstinação com que nos recusamos a aceitar a evolução que os processos de educação física têm experimentado mais ou menos por toda a parte, e, sobretudo, no caís que supomos seguir como modelo, ou seja a Suécia.
Não nos apercebemos do nosso atraso, diremos mesmo do nosso retrocesso, visto que neste campo parar e retroceder podem considerar-se sinónimos; fazemos descabido alarde de hipotéticos sucessos obtidos lá fora pelas nossas representações; tentamos iludir-nos a nós próprios atribuindo-nos um nível prático e teórico que estamos muito longe de possuir.
Pergunto se à Digma. Câmara, cujo dever e superior encargo é esclarecer o Governo, não repugnará contemporizar por mais tempo com esta perigosa ilusão, que há-de ter como funesto desenlace condenar à inferioridade física numerosas gerações!...
E é muito para temer que neste declínio progressivo de faculdades físicas nos faltem um dia alento e dureza para cumprir, sem desfalecimentos, à altura dos nossos elevados desígnios, a nossa missão ultramarina e muitas outras tarefas gigantescas para que há mister aos próprios dirigentes e técnicos possuírem resistência e robustez.
Nem quero falar das forças armadas, cuja complicada, exaustiva e esgotante instrução que exige a táctica moderna excede já hoje a capacidade física de grande número de mancebos em idade militar.
O aumento das profissões burocráticas, a mecanização crescente de todas as actividades humanas trouxeram às sociedades actuais, para não descerem a um definhamento físico incompatível com o desempenho de qualquer cargo social útil, a necessidade imperiosa da prática de exercícios ginástico-desportivos.
Esta situação faz que não possamos contemporizar por mais tempo com deficiências e condutas educativas que, se há 30 ou 40 anos, dados outros hábitos de vida, não afectavam grandemente o nível de robustez física da população, hoje exercem uma assustadora influência negativa, de ano para ano mais evidente.
O único processo de reagir implica uma reforma radical dos nossos hábitos educativos nos estabelecimentos públicos, na vida caseira e até em grande parte das colectividades desportivas.
Mas quem tenha perfeita consciência das reacções psicológicas do nosso meio deve reconhecer que é impraticável pôr em execução bruscamente, de uma só vez, tudo o que neste capítulo é necessário fazer.
Por isso me parecem duvidosos os resultados de quaisquer reformas que pretendam de um momento para o outro remover a inércia sedimentada em muitos anos de rotina e incompreensão e suponho ser muito mais seguro caminhar por etapas, cujas vantagens se venham sucessivamente impondo à aceitação geral.
E dentro dessas fases ou etapas será lógico dar a primazia àquelas que se afiguram de influência mais rápida e que, concomitantemente, não exijam somas avultadas, tantas vezes pretexto para abandono ou real impedimento de iniciativas de maior utilidade.
O problema que abordamos é mais de organização do que de investimentos, embora se nos depare sistematicamente a falta de verbas como rótulo da inacção...
E não é pelo facto de sermos representantes das colectividades de educação física que o nosso projecto visa principalmente renovar e facilitar primeiro que tudo a sua actividade. A conclusão lógica a que chega quem fizer o exame atento do panorama ginástico-desportivo português é que essas colectividades, apesar das numerosas deficiências e dificuldades com que lutam, reúnem as condições básicas donde pode partir o mais rápido e eficaz impulso à nossa educação física.
Factores de ordem técnica, factores de ordem social, factores psicológicos, sobretudo, fazem desses meios o ambiente mais propício aos ensaios de novos métodos de ensino e orientação.
Assim tem sido sempre e parece-me de toda a vantagem não regatear a essas instituições o apoio de que precisam para que o seu exemplo se divulgue e se desenvolva a sua acção.
Desde Luís da Costa Monteiro que o Ginásio Clube Português, por ele fundado, tem exercido no nosso meio essa missão divulgadora de novas técnicas de educação física. Outros organismos congéneres se lhe juntaram depois, ampliando-lhe os resultados.
O facto de a criação do Instituto Nacional de Educação Física transferir para uma instituição oficial o encargo e responsabilidade de manter actualizados os métodos de ensino da ginástica não diminuiu absolutamente nada o valor dessas colectividades como instrumentos de progresso educativo.
Se ninguém contesta esse mérito, temos, todavia, que reconhecer que pouco se tem feito em apoio de uma obra que só à custa de prodigiosos esforços se mantém por si própria.
Mantém, sim, mas não progride no ritmo em que o aumento gradual da população e as exigências da vida moderna o faziam desejar.
Acudir às colectividades de educação física, auxiliando-as materialmente nas suas aspirações, ou pelo menos com regalias que favoreçam o desenvolvimento da sua acção utilíssima, parece-me ser a forma mais rápida e mais directa de abordar o grave problema que nos preocupa.
Mas a sua tarefa está de tal forma dependente do que no ensino secundário se passe que teremos de encarar, concomitantemente, no que a este se refere, certo número de disposições basilares, aliás de fácil aplicação, sem as quais os resultados não terão, nem amplitude, nem consistência.
E esta a razão pela qual proponho uma remodelação imediata do ensino oficial, se bem que profunda, todavia quase que requerendo só o acordo e boa vontade dos responsáveis.
Sr. Presidente: sei que as minhas palavras de pouco valem, mas deixo à consciência desta Digma. Câmara a apreciação do grave problema que elas patriòticamente tentaram agitar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!