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17 DE MARÇO DE 1960 969

assim que este vencimento lhes é devido, quer haja lucros, quer não.
Mas, repito, é ilegítimo equiparar este trabalho, esta actividade dos gerentes ou administradores, ao trabalho puramente executivo do pessoal.
Não pode abstrair-se de que os corpos gerentes da sociedade (a administração) são os órgãos constitucionais da pessoa colectiva. A vontade por eles manifestada tem-se como sendo a vontade da própria pessoa colectiva, sujeito de direito. Costuma, por isso, dizer-se que os elementos componentes- destes órgãos emprestam a sua vontade à pessoa colectiva, criação artificial do direito, que, como tal, não é provida de vontade própria, como a pessoa física.
Isto nos mostra já como a actividade ou trabalho dos membros dos corpos gerentes - os administradores - se destaca do trabalho que presta o pessoal. Ao trabalho de direcção e orientação que realizam se devem essencialmente os lucros da exploração social; e suo os administradores os verdadeiros responsáveis pelos resultados desfavoráveis, quando os não tenham determinado circunstâncias exteriores, que excedem as suas possibilidades de previsão e de defesa.
Tão especial é a sua posição no complexo económico da empresa que, como já acentuámos, essas funções são por princípio apanágio dos sócios. E ao referir-se a elas á lei fala na «faculdade de administrar», atribuída aos sócios, que tanto pode ser conferida no próprio pacto social como por acto posterior. Além disso, quanto às sociedades anónimas, a lei exige dos directores a prestação de caução, sem o que não poderão entrar em exercício, o que tudo concorre para distinguir esta actividade da do pessoal.
Tão evidente é a índole particular da actividade dos membros dos corpos gerentes que, quando se consideram como assalariados, se lhes á correntemente na linguagem económica a designação de assalariados de circunstância, também usada no parecer desta Câmara. E neste aparece bem vincada a diferença existente entre os «assalariados de circunstancia» e os outros assalariados, cuja retribuição apresenta características especiais, sendo formada tanto pelo salário directo como pelo salário indirecto, que, nas suas diversas formas, mal se conceberia que fosse aplicável aos primeiros (v. n.ºs 11 e 12 do parecer).
Compreende-se, pois, perfeitamente que se arbitre uma pequena percentagem nos lucros aos administradores (corpos gerentes) sem que igual vantagem seja concedida aos trabalhadores em geral. Trata-se de uma forma de premiar o acerto da sua obra de gestão, a forma feliz por que souberam orientar a exploração. Se considerarmos que os administradores são sócios dotados da faculdade peculiar de administrar, a concessão de uma percentagem nos lucros pode estabelecer-se até a partir da ideia de que estes, podem, por determinação especial dos estatutos, ser atribuídos aos sócios por critério diverso da proporcionalidade com as suas quotas no capital.
O que, portanto, tem para mim de chocante o princípio enunciado na base IV é a colocação em pé de igualdade, no que toca à participação nos lucros, de duas classes inteiramente diversas de prestadores de actividade de trabalho e, consequentemente, de actividades de índole inteiramente diversa. Uns, sócios da empresa, revestidos da faculdade de administrar esta; outros, estranhos à empresa, simples prestadores de trabalho executivo. A actividade dos primeiros é de direcção e superior orientação da exploração social; a dos segundos é de pura execução da tarefa que por aqueles lhes foi cometida, ainda, que alguns deles sejam dotados de aptidões especializadas, que nem todos possuem.
O princípio contido na base IV está, pois, em contradição com a doutrina do parecer, quando nele se assinala a diferença que destaca os assalariados de circunstância» dos demais assalariados.
A equiparação destes dois termos, no que respeita à participação nos lucros, reflecte de algum modo a tendência, que se vai infelizmente acentuando, no sentido do que podemos chamar a hipertrofia do valor do factor produtivo - trabalho, no complexo económico da empresa. Considerando-se em tempos remotos os trabalhadores vítimas da ambição e do egoísmo do capital, desencadeou-se um vigoroso e intenso movimento no sentido de proteger aqueles contra os abusos dos detentores do capital. Nessa corrente marca uma posição relevante a encíclica Rerum Novarum, inspirada por admiráveis princípios de boa moral cristã.
Mas dessa corrente, dominada por sãos princípios de justiça social, quiseram apoderar-se certos elementos exaltados que procuram subverter os dados do problema, exacerbando num ambiente de ódios a chamada luta de classes. Foram assim levados ao exagero de sobreestimar o valor do trabalho, do mesmo passo que procuram aviltar o do elemento «capital». A própria organização política da sociedade humana passa nesta orientação a configurar-se como «a república dos trabalhadores». Não é outra a visão política do comunismo.
Como reacção contra este erro altamente prejudicial surge a política de coordenação e colaboração de capital e de trabalho, inspiradora do nosso Estatuto do Trabalho Nacional. Esta se nos afigura a orientação razoável. Mas é necessário preservá-la de todas as infiltrações mais ou menos directas e aparentes do exagero que deixámos assinalado da valoração do factor trabalho, que tem como reverso o aviltamento do capital.
Tão-pouco posso dar a minha concordância aos princípios que informam, no contraprojecto, os disposições sobre acumulações e incompatibilidades.
Nessas disposições, como, aliás, nas que respeitam à limitação das remunerações, abstrai-se aptidão ou competência das pessoas para o exercício de funções nos corpos gerentes - mais especialmente na direcção ou administração - das empresas. Vê-se no investimento num cargo social apenas a conquista de uma fonte de receita, de um rendimento. E isto depois de se reconhecer, como se reconhece no parecer, que escasseiam os valores no nosso meio social e que se torna por vezes difícil encontrar nas classes de elite as competências necessárias para orientar o dirigir certas empresas. A preocupação dominante, que faz esquecer tudo o mais, é impedir que alguns acumulem grandes ganhos, embora estes provenham do seu trabalho e do reconhecimento dos seus especiais merecimentos,