17 DE MARÇO DE 1960 961
Não parece que a função de comissário do Governo, e ainda menos a de delegado do Governo - colocado, este último, par inter pares, no seio dos corpos gerentes -, se compatibilize, na prática, com o género de fiscalização previsto na projectada disposição transcrita.
Referem-se a essas funções, no tocante aos comissários do Governo, o artigo 178.º do Código Comercial e legislação complementar: o Regulamento de 10 de Outubro de 1901 (que criou a designação comissários), o Regulamento de 13 de Abril de 1911, a lei orçamental de 30 de Junho de 1913, o Decreto n.º 24, de 7 de Julho de 1913; no relativo aos delegados do Governo, o Decreto-Lei n.º 40 833, de 29 de Outubro de 1956. Se bem que os preceitos legais nestes diplomas contidos admitam o género de fiscalização de que se trata, tal fiscalização tornar-se-ia decerto susceptível de carecer de eficiência.
Acresce que o âmbito das empresas visadas pelo regime a criar é, como adiante se verificará pelas bases propostas, mais dilatado do que o hoje demarcado para a presença necessária de comissários ou delegados do Governo. E se é certo que a projectada disposição, acima transcrita, prevê a falta desses agentes e a ela pretende prover, certo é também que daí resultaria uma prolixidade de regimes de fiscalização, sempre atentatória da simplicidade e boa ordem, que importa manter.
Para mais, e agora no relativo a sociedades por acções, a Lei n.º 1995, de 17 de Maio de 1943 (que veio a suceder à Lei n.º 1936, de 18 de Março de 1936), criou um novo regime de fiscalização a que, não há muito, o Governo fez referência quando, no Decreto-Lei n.º 41 403, de 27 de Novembro de 1957 (artigo 68.º), atribuiu ao Ministério das Finanças o estudo das condições em que poderão ter execução os princípios directores do mesmo regime.
Já, de certo modo, um diploma recente, o Decreto n.º 42 501, de 9 de Setembro de 1959, limitado ao ultramar, estabeleceu para quaisquer empresas que pretendam obter concessões de utilidade pública ou beneficiárias de idênticas concessões em cuja actividade venham a intervir dinheiros públicos, um sistema condicionador que oferece relevância, neste aspecto. Trata-se, além da determinação, quando julgado necessário, de o conselho fiscal ser coadjuvado por auditores (à semelhança do previsto na Lei n.º 1995, antes citada), de submeter à aprovação os respectivos estatutos e sujeitar esta aprovação a registo na conservatória do registo comercial.
Já antes se fez menção, a propósito de limites de remunerações dos membros dos corpos gerentes das empresas, à possibilidade de os fixar através da aprovação dos estatutos, como uma das alternativas a encarar e a emparceirar com outras, como a da aprovação das deliberações das assembleias gerais, comissões de vencimentos ou outros órgãos encarregados, segundo os estatutos, de fixar aquelas remunerações - e isto salvo se a referida limitação não dimanasse de regras fixadas em diplomas especiais.
Parece, assim, que não há vantagem, e de certo modo se tornaria vicioso prever, na lei, a atribuição da função fiscalizadora expressa em novos moldes, divergentes, porventura, daqueles que o Governo está encarando no estudo referido no Decreto n.º 41 403.
B) Artigo 8.º (§ único)
41. Segue-se no projecto o § único do artigo 3.º, do seguinte teor:
§ único, ficam a constituir encargo da sociedade, companhia ou empresa quaisquer despesas efectuadas ou gratificações que o Ministro das Finanças entenda dever atribuir pelo exercício da fiscalização.
Tendo em vista o que se disse no número anterior sobre a projectada fiscalização e sobre a solução sugerida, perde cabimento a matéria contida neste parágrafo. De resto, a ideia nele preconizada de fazer suportar por cada empresa os gastos com a fiscalização que sobre ela incide não parece das mais consentâneas com as realidades. Em primeiro lugar, prestar-se-ia sempre à crítica, por parte das empresas, de supostas arbitrariedades do Poder Público, concedendo gratificações ou autorizando despesas reputadas por elas excessivas ou inúteis; depois, não constitui boa regra administrativa fazer pagar directamente o elemento fiscal pela entidade fiscalizada.
Veja-se, a propósito, o princípio consignado na base XXI da Lei n.º 1995, segundo o qual cada empresa contribui para os encargos globais da fiscalização com uma percentagem sobre a importância da sua contribuição industrial ou sobre o capital nominal.
F) Artigo 4.º
42. O artigo 4.º do projecto apresenta-se nos seguintes termos:
Art. 4.º A acumulação de cargos nos corpos gerentes das sociedades, companhias ou empresas abrangidas pelos artigos 1.º e 2.º desta lei e, bem assim, com os de quaisquer outras sociedades civis ou comerciais só será consentida quando a remuneração, nos termos da alínea b) do § único do artigo 1.º, em cada um for inferior ao vencimento dos Subsecretários de Estado, mas em qualquer caso o conjunto das remunerações totais não poderá exceder a atribuída aos Ministros de Estado.
Trata-se de disposição semelhante à do artigo 1.º do projecto no aspecto de limitação de remunerações, mas agora dirigida as acumulações e com gravame dos inconvenientes já apontados a propósito, quando da análise daquele artigo, por se prever limitação dúplice: a da remuneração de cada um dos cargos e a da totalidade das remunerações.
O objectivo, aqui, é dificultar acumulações de cargos em empresas privadas, fim expressamente visado, no artigo 40;º da Constituição, e, por consequência, em absoluto pertinente. Os meios, consignados para o atingir é que não parecem ser recomendáveis.
Dilata-se, em larga medida, a acção interventiva do Estado, pois se ultrapassa o âmbito das empresas indicadas no artigo 1.º, para a estender a qualquer sociedade, civil ou comercial. Todos os inconvenientes referidos na apreciação genérica e na apreciação especial se encontram assim fortemente agravados.
Acresce que a disposição proposta criaria um condicionalismo gerador de situações chocantes, como a que resultaria de um indivíduo membro dos corpos gerentes de duas sociedades, uma abrangida pelo artigo 1.º ou 2.º e a outra não abrangida por qualquer destes artigos, perceber pelas funções exercidas em qualquer delas remunerações inferiores às dos seus colegas de uma ou de outra que não acumulassem. Mais frisante ainda seria o contraste entre a situação, desse mesmo indivíduo ou de qualquer outro que acumulasse cargos nos corpos gerentes de duas ou mais sociedades, todas abrangidas pelo artigo 1.º ou 2.º, e cujas remunerações, portanto, estavam sujeitas a limite, com aquele indivíduo que acumulasse, como membro dos corpos gerentes, funções apenas em sociedades não abrangidas pelo artigo 1.º ou 2.º, em relação