17 DE MARÇO DE 1960 957
E assim é que, basilarmente, tem de se considerar como essencial para o crescimento se processar em termos salutares ser ele dotado de equilíbrio. Só este equilíbrio afastará a eventualidade dos estrangulamentos de alguns sectores do sistema económico e garantirá quer a eficiência do investimento como fonte de produção, quer a eficiência da produção como estímulo ao consumo. O equilíbrio é atingido se o investimento for simultaneamente dirigido a grande número de sectores e se à escolha destes sectores e à determinação do grau da intensidade do investimento em cada um deles presidir o critério ditado pelas preferências dos consumidores.
28. Não é tarefa fácil para os governos imprimir aos investimentos as- direcções mais convenientes e graduá-los nos limites aconselhados, mormente se o complexo económico funciona em sistema de economia de mercado, ou até mesmo predominantemente de mercado. No domínio restrito do imposto, usado este como instrumento da política do crescimento económico, a fiscalidade deve prosseguir objectivos que se situam além dos simples resultados globais; assim, importa actuar sobre a afectação dos recursos produtivos, de modo a favorecer as actividades susceptíveis de melhor induzirem ao crescimento e, mais, desfavorecer as outras. Desde a isenção do imposto concedida às novas actividades desejáveis, o estímulo ao autofinanciamento, ou seja ao reinvestimento dos lucros, na medida em que ele se não tornar danoso ao processo de crescimento, o incitamento a ritmos acelerados de reintegração de capitais, até ao castigo do entesouramento e dos jogos especulativos dos detentores de capitais, vai uma gama de providências atinentes a consecução do objectivo almejado. Simplesmente, determinar o momento da sua adopção, o alcance a conceder a cada uma delas, o grau de intensidade que lhes deve ser atribuído, é problema eriçado de enormes dificuldades, tanto maiores quanto é certo não poder estar o julgamento isento de grande dose do critério subjectivo do julgador.
Por outro lado, a fiscalidade pode actuar sobre o consumo, de modo a alterar o quadro das preferências dos consumidores, a modificar a estrutura do consumo. Aqui, se bem que o imposto sobre o rendimento possa ser chamado a actuar, assume maior relevância, no instrumental estratégico, o imposto indirecto, que, por intermédio da discriminação dos bens de consumo, pode, ao fim e ao cabo, fazer recair maior peso de fiscalidade sobre os fruidores de mais altos rendimentos, em benefício dos de menores rendimentos.
Mas o problema oferece alguns outros aspectos. A concretização do investimento, a formação de capital real, é função primordial de fluas variáveis: a propensão para o aforro e a propensão para o investimento - a primeira, geradora da oferta de fundos a ele destinados; a segunda, geradora da procura desses fundos.
Abstraindo do eventual entesouramento, a propensão para o aforro depende do nível de rendimento. Se o imposto vai ferir profundamente o rendimento, os efeitos reflectir-se-ão na propensão ao aforro, e, consequentemente, do lado da oferta de capital, na cadeia investimento-produção-consumo.
Por sua vez, a propensão ao investimento, geradora da procura de fundos, depende, de entre outras variáveis, da eficiência marginal do capital ou, em outros termos mais rudimentares, ainda que menos rigorosos, da remuneração mais ou menos elevada dos capitais, isto é, dos lucros. Se esta remuneração não for sensivelmente mais elevada que a taxa de juro, não interessa ao empresário, real ou potencial, procurar capitais para os investir! Se o imposto vai limitar os lucros, e portanto enfraquecer aquela remuneração, a ponto de ela em pouco superar a concedida pela taxa de juro, ficará afectada a propensão para o investimento, e, por consequência; também a cadeia investimento-producão-consumo.
Caberiam aqui considerações relativas à aplicação, por parte do Governo, das receitas originadas no imposto, bem como às aplicações que os detentores dos rendimentos lhes poderiam dar eventualmente; não se formulam, porém, para não tornar a exposição excessivamente densa.
29. Todos estes considerandos mostram à evidência a delicadeza com que deve ser utilizado o imposto sobre rendimentos e que perigos acarreta, sobretudo em países que se encontram em fases não muito adiantadas de crescimento económico, qualquer providência menos ponderada levada a efeito através desse imposto. Por eles se explica também a predominância do imposto indirecto nos sistemas fiscais dos países que se situam naquelas fases de desenvolvimento económico. Ela representa - com reserva da justiça, que se supõe sempre imperante - a forma de conciliação dos três objectivos de um sistema fiscal ideal: conseguir a arrecadação de receitas importantes; manter alto nível de aforro; conservar elevada remuneração dos investimentos.
Certo é, porém, que da parte de alguns países em pleno crescimento económico se revela tendência a imprimir aos seus sistemas fiscais feição semelhante à dos sistemas fiscais de países evoluídos, nomeadamente dos países anglo-saxões, pelo empolamento da parte do imposto directo sobre os rendimentos. Uma das invocações justificativas dessa tendência é, na realidade, ponderosa: maior justiça social, fundada na progressividade do referido imposto. Mas o reconhecimento da verdade de tal invocação não obsta a que devamos entender como essencial o balanço da vantagem apontada com a caracterização económica do mesmo imposto, à qual, em termos breves, de acabar de fazer referência.
Só uma nota mais. O actual imposto, denominado «imposto complementar», incide com peso igual sobre rendimentos provenientes do trabalho e sobre rendimentos provenientes do capital, da terra ou mistos. Existe correspondência entre o grau de desenvolvimento económico e a estrutura fiscal óptima adaptável a esse grau. Em cada fase do crescimento económico a estrutura fiscal tem de caracterizar-se pela sua adaptação à matéria tributável e aos recursos disponíveis e pela aptidão de estímulo à evolução do sistema económico para o grau superior de desenvolvimento. É evidente que este imperativo, em face da complexidade, apresentada pela realidade da vida, não pode traduzir um conceito estrito ou uma concepção de alto rigorismo. Marca, em todo o caso, um limite desejável e para o qual se deverá procurar tender tanto quanto possível.
Ora, se bem que nalguns países mais evoluídos o sistema adoptado quanto ao imposto sobre o rendimento seja o da imposição global, a técnica mais correntemente seguida, nomeadamente nos países em franco crescimento económico, é a de imposições distintas, consoante a origem dos rendimentos.
II
Exame na especialidade
§ 11.º O aspecto formal do projecto
30. O projecto de lei apresenta-se, na sua feição normativa, com a forma de articulado minucioso. Ora o artigo 92.º da Constituição determina que as leis votados pela Assembleia Nacional se devem restringir à