953 17 DE MARÇO DE 1960
Este é o sentido, nítido e claro, da nossa legislação, de que ficam apontados apenas alguns excertos.
20. Perante este conspecto não parece que assuma significado o projecto, nos termos em que foi apresentado e no tocante à limitação das remunerações dos corpos gerentes, como forma de oposição a eventuais abusos de poderio económico.
Em primeiro lugar, a aplicação generalizada de uma providência rigidamente uniforme nem concede eficiência repressiva, nem permite a distribuição de justiça. Os casos que em cada momento podem deparar-se assumem, tal diferenciação, tão profundas dessemelhanças, tão variados efeitos, que a justiça na repressão, a ser esta tempestiva, assim como a eficiência da mesma repressão, só poderão alcançar-se pela perquisição e julgamento de cada um. Bem se diz no relatório que precede o projecto de lei contra o abuso dó poderio económico apresentado às Câmaras Legislativas da Bélgica em Junho de 1959 não ser aconselhável tomar atitude apriorística a favor ou contra as- potências económicas; o Governo, lê-se no mesmo relatório, não condena os agrupamentos empresariais, antes se limita a reconhecer a sua existência e por ela o perigo do poder económico. Provada que seja a realidade de abuso, e só em tal caso, procedem então as penalidades. É que, como aí se diz - e acima já se fez menção desta nota -, o fenómeno do agrupamento de empresas, tantas vexes criticado, não deve ser sistematicamente considerado como um mal no estado presente da economia europeia: procede, em tantos casos, de uma evolução inelutável. Além disso, apresenta muitas vezes vantagens importantes que, ainda aio dizer do mesmo relatório, a doutrina económica e a experiência tem tornado evidentes: redução de custos, pela racionalização da produção; estudo colectivo e completo dos mercados, para corrigiu- certos inconvenientes da concorrência desregrada; adaptação exacta dos investimentos às necessidades ditadas pelos mercados; especialização de empresas; organização e distribuição de mercados e consequente- redução dos custos de venda; prevenção das flutuações exageradas dos preços, do produto e do emprego, etc. Com fundamento nestas considerações, o projecto de lei citado prescreve penalidades, mas sem lhes emprestar precisão: providências julgadas oportunas para pôr termo ao abuso verificado. Só nos, casos de não cumprimento das penalidades impostas ou de reincidência, o projecto de lei belga adopta maior concretização: interdição de, em prazo determinado, ser chamada a funções do administração pessoa ja titular do mandato análogo em sociedade concorrente no mercado visado, etc.
Por outro lado, o projecto de lei em apreciação, nos termos em que foi concebido, e como antes já se notou, destituía rendimentos-salários, para os titular rendimentos-lucros. A concentração de (rendimento no sector empresarial, desta forma produzida, militaria com efeitos contraproducentes, contribuindo porventura para o acréscimo do poderio económico, caso ele já se desenhasse, e revigorando a eventualidade do abuso desse poderio.
E assim, na hipótese de se julgar que o Governo deve no momento actual usar de maior energia na afirmação dos princípios consignados na lei e relativos à defesa do sistema económico contra os malefícios do abuso do poderio de algumas unidades privadas, não seria o projecto era exame, pela forma que lhe foi imprimida, o instrumento de colmatação dessa possível lacuna. Na sua formulação teria que presidir outro sentido e deveria ser atribuída ao Governo mais vasta latitude de julgamento e de acção.
§ 7.º A limitação das remunerações e a moralização da administração pública
21. Finalmente, dos pressupostos admitidos como eventualmente inspiradores da proposta em análise, na parte relativa à limitação de remunerações, resta considerar o do imperativo da moralização da administração pública.
Os pressupostos anteriores implicam, pelo menos em parte, e directa ou indirectamente, atitudes do Governo. Estas atitudes, por princípio apriorístico, hão--de emergir de um sentido de moralização e eficiência. Algumas das considerações que vão seguir-se constituem forçosamente repetição, em termos diversos embora, de algo do que atrás fica dito.
A época actual postula a existência de um Estado forte. E este postulado distingue-se pela universalidade da sua aceitação: os sistemas políticos das mais opostas tendências aceitam-no incondicionalmente.
Para ser forte, o Estado necessita usufruir de poder de constrangimento. Mas este poder de constrangimento pode ser violência -e é nalgumas comunidades -ou pode ser força- como exigem os nossos princípios constitucionais.
Tal força há-de dimanai- da autoridade que só a moral empresta. E para que esta não seja maculada, o Estado tem de garantir e conservai- a essência da unidade nacional pelos laços da paz, da solidariedade, da coordenação de todos os elementos que compõem o complexo de energias e de interesses nacionais, de forma a conservar-se sempre fora e acima de todos esses interesses; se neles se enleia, neles se corrompe.
22. O Estado Corporativo generalizou a descentralização institucional. Facultou a organização de instituições representativas de certos interesses - ou promoveu-a, a título transitório, quando a iniciativa privada ainda não se manifestara - e deixou a tais instituições a autodirecção dos interesses representados, reconhecendo-lhes até a qualidade de entidades de direito público e atribuindo-lhes funções inerentes, como a celebração de contratos colectivos de trabalho. Os sindicatos, Casas do Povo e dos Pescadores (estas, organismos de cooperação social) e grémios, como órgãos primários, as federações e uniões, como órgãos secundários, e as corporações, como órgãos superiores, constituem a expressão orgânica dessa institucionalização.
Esta ordenação, que não afoga a actividade privada nem a iniciativa individual, tem de representai- a solidariedade e a cooperação, dirigidas ao interesse supremo que é o da Nação e com o mérito de a actividade de cada um não ser funcionalizada sob a égide do Estado. Desta solidariedade e cooperação haverá de resultar a criação do ambiente moral propício à não existência de factos condenáveis, tornando desnecessária a intervenção correctora do Estado.
23. Mas se a corporação é um órgão social distinto do Estado, ao qual cabe tornar efectiva a subordinação do interesse individual ao interesse colectivo, tal não significa que o Estado permaneça abúlico, como simples espectador, ou, quando muito, como agente garante da ordem. A moralização da administração pública e da vida do País é matéria da competência específica do Estado. A este pertence também a coordenação da acção corporativa e a sua fiscalização; incumbe-lhe ainda, sempre em plano superior, estimular, incitar, orientar, animar, auxiliar a iniciativa privada, seja qual for a forma legítima por que ela se revele, e manter condições indispensáveis -e variáveis no tempo - a esta revelação. Assim, o Estado, para colaborar na prosperidade de todos e de cada um, impli-