17 DE MARÇO DE 1960 951
§ 4.º A limitação das remunerações e os imperativos de carácter social
15. Pondere-se agora o proposto sobre limitação de remunerações, admitindo que com ele se visa uma finalidade eminentemente social.
Quase todas as considerações produzidas anteriormente são válidas e tempestivas neste particular. Na realidade, abordaram-se vários aspectos sociais, ou na sua pureza ou na sua concomitância com aspectos económicos. Só se acrescentarão, por isso, breves notas que, parece, se tornam necessárias.
O preceito proposto poderia conduzir, como já se disse, à mutação de salários em lucros, ao benefício dos prestadores de capital, em detrimento de alguns prestadores de trabalho. Decerto, com tal providência, na parte relativa à amputação dos proventos dos últimos, os assalariados de circunstância, se aborda um aspecto social - o do contraste entre altos e baixos salários. Mas parece não ser completa a solução, porque, pretendendo-se acudir a um anseio social, se vai afinal responder negativamente a outro anseio, porventura dotado de maior vigor do que o primeiro.
Na realidade, por motivos e pretextos sobejamente conhecidos, verifica-se uma tendência para o antagonismo entre capital e trabalho. Está na ética do Estado obviar a tal tendência, fazendo-a substituir pelo espírito de cooperação e solidariedade. A expressão deste princípio encontra-se bem patente na Constituição (v. g. artigos 31.º e 35.º) e no Estatuto do Trabalho Nacional (v. g. artigos 11.º, 14.º, 20.º e 32.º).
Ainda se viu recentemente, nos estatutos do Banco de Fomento Nacional (artigo 18.º, § único), admitir-se a possibilidade de a participação nos lucros, por parte do pessoal, poder revestir a forma de «títulos de trabalho», com o objectivo de associar os empregados aos interesses do Banco, objectivo, aliás, previsto também na. Constituição (artigo 36.º) e já prosseguido anteriormente por outras empresas.
Os termos do projecto, com os efeitos atrás assinalados, militam afinal contra esta orientação salutar. E, como já se disse, há o maior interesse, de todos os pontos de vista, em atenuar sucessivamente, até anular, os antagonismos de certos grupos de participantes na distribuição do rendimento, nomeadamente cedentes de. trabalho e cedentes de capital, antagonismos resultantes da rigidez das mentalidades que os animam.
Neste aspecto teria extraordinária relevância qualquer iniciativa dirigida à inspiração de providências destinadas a ampliar a aplicação do limite mínimo de salário, princípio consignado no artigo 24.º do Estatuto do Trabalho Nacional e a que acima (§ 2.º) já se fez referência.
§ 5.º A limitação das remunerações e a restrição das possibilidades de trabalho
16. A consideração do projecto sobre limitação das remunerações, agora observado do ângulo de pressuposta restrição das possibilidades de trabalho, parece não oferecer justificação suficiente.
O exame psico-sociológico - com a inevitável precariedade que lhe é peculiar - dos elementos afectados pela providência em vista leva a supor que o objectivo não seria alcançado, pelo menos totalmente. Na verdade, os assalariados superiores, ou de circunstância, não são movidos exclusivamente pelo proveito material; aspiram também, no desempenho dos cargos que ocupam, à consagração social, à satisfação, porventura eivada de sentimento a que a vaidade não é estranha, de participar na direcção das grandes empresas, e ainda talvez à perspectiva das possibilidades de elevação na escala hierárquica social. Deste modo, e admitidas embora, como cabe, as excepções à regra, não seria de esperar, na generalidade dos casos, a desistência, do desempenho das funções que a esses assalariados estão cometidas motivada pelo simples, facto de se impor uma limitação rigidamente uniforme dos seus proventos.
Por outro lado, parece que o aspecto focado perde relevância ao ponderar-se o que entre nós se está passando no momento actual. Levantam-se com frequência sérias dificuldades em encontrar quem retina o mínimo de condições indispensáveis à direcção de organismos económicos e se disponha a assumi-la, dificuldades que não se limitam ao sector privado, mas se deparam até no sector público. É bem patente a míngua de elementos de escol, fruto, porventura, de uma estagnação de que só há algumas décadas nos estamos libertando, mais acentua da mente na última, e ainda de «todos não sermos demais». E enquanto não se atenuar de forma sensível esta escassez, que afecta a eficiência social, há de reconhecer-se a licitude de certas acumulações em empresas privadas, que, aliás, a Constituição (artigo 40.º) não proíbe, mas apenas contraria. Em contraste com esta exiguidade, é incontestável que entre nós se verifica uma acentuada capilaridade social; são, por felicidade, relativamente numerosos os exemplos de ascensão dos mais aptos, sem quaisquer pergaminhos que não sejam as suas comprovadas qualidades de trabalho. E este panorama decerto se acentuará na medida em que for incentivado o processo de crescimento da nossa economia em que todos estamos empenhados e que levará ao revigoramento da acção anuladora de quaisquer vestígios de diferenciação de estratos sociais.
§ 6.º A limitação das remunerações e os eventuais abusos do poderio económico
17. Considere-se o projecto no mesmo aspecto da limitação das remunerações, mas agoira do ângulo da pretendida oposição ao despontar dos possíveis abusos do poderio económico.
O fenómeno do crescimento económico não se limita ao alargamento das dimensões dos elementos constituintes do sistema económico; a observação histórica revela que ele é susceptível de implicar também alterações na própria estrutura do sistema. Uma dessas alterações diz respeito às formas dos mercados; na medida em que o crescimento se processa, os mercados exibiriam mais acentuadas tendências oligopolísticas e oligopsonísticas, com origem, na generalidade Mós casos, no agrupamento de empresas, que passariam assim a exercer o domínio dos sectores-chave, muitas vezes reforçado por ligações financeiras a que os grupos resultantes recorreriam.
Tais grupos de interesse polarizariam o domínio económico, domínio que porventura se alargaria a outros campos, nomeadamente, o político, pela influência exercida sobre os poderes públicos - e seria esta última a característica, que permitiria apelidar de grupos de pressão aqueles grupos de interesse. E essa pressão, por parte dos grupos de empresas, sobre a própria estrutura política poderia até vir a exercer-se através da dissimulação dos manejos, prática que tão caracteriza; lamente se apodou de lobbysm, na intenção de atribuir a tais manejos o ambiente propício das antecâmaras.
Sem dúvida o crescimento económico no quadro da produção impõe o recurso a novas combinações produtivas, a novas técnicas, já adoptadas em outras comunidades mais evoluídas ou, nos dias de hoje, em que a descoberta cedeu lugar à invenção, acabadas de conceder pela ciência. E a evolução histórica da técnica assinala-se pela exigência de crescentes dimensões de algumas unidades de produção. Está aí a razão da