949 11 DE MARÇO DE 1960
do fenómeno da repartição, consiste na estrutura institucional da comunidade e na forma como os indivíduos e grupos se comportam perante tal estrutura, ou, por outros termos, no modo como cada um dos membros da comunidade se insere no conspecto económico e obtém, por virtude dessa inserção, uma fracção do rendimento nacional. Decerto que o tipo de factor produtivo que cie carreou paru a. formação do produto constitui um, mas só um, dos elementos caracterizadores desse modo de inserção. E tanto assim é que a cedência do mesmo factor produtivo - o trabalho, por exemplo - ao processo de produção pode originar rendimentos não se dirá em absoluto distintos, mas susceptíveis de diferente caracterização.
11. Nesta ordem de ideias, e porque importa as considerações que se seguem, convém abordar um ponto que se mostra relevante para, a matéria em análise e que diz respeito ao grupo que genericamente pode apelidar-se de prestadores de trabalho. Os corpos gerentes dos estabelecimentos do Estado ou de quaisquer empresas privadas, quando considerados pelo direito a haverem uma remuneração, não susceptível de se classificar como lucro, pela sua acção gestiva - e ó este o ângulo de visão que parece ter presidido ao conceito do artigo 1.º do projecto de lei em apreciação -, são prestadores de trabalho, tal qual os outros servidores dos mesmos organismos, dirigentes em escala inferior, ou executivos, Podem, sem dúvida, alguns elementos dos corpos gerentes assumir dupla individualidade, ou ainda múltipla individualidade, em relação à mesma empresa, e por essa razão fazer parte simultaneamente de outro ou de outros grupos de participantes no rendimento. Mas a circunstância, a verificar-se, não invalida a sua figuração no grupo dos participantes a título de trabalho.
Ora no seio deste grupo podem diferenciar-se várias categorias, quando se atender à forma como os seus componentes só inserem no complexo económico para partilharem do rendimento nacional, ou seja o modo por eles utilizado para a percepção do rendimento, os processos- a que recorrem para criarem o fluxo do poder de compra necessário à sua subsistência. Não interessam aqui, para esta finalidade, nem o montante do rendimento individual, nem a aplicação que deste se faça, senão na medida em que esses dois elementos possam reagir sobre o comportamento usado pelo beneficiário para a sua obtenção.
E assim, entre os assalariados - aplicando a todos os componentes do grupo, esta designação genérica, que um uso puramente convencional de certo modo adulterou - podem distinguir-se os manuais, que mantêm contacto directo com a matéria e sujeitos às contingências derivadas desse contacto, e os não manuais. Estes, por sua vez, podem assumir a qualidade de simples assalariados de execução; de assalariados qualificados desempenhando funções de categoria mais elevada (por disporem de um capital imaterial, uma cultura de nível superior ao da maioria dos membros da comunidade); finalmente, de assalariados de circunstância, como alguns lhes chamam, ou seja os administradores, que juridicamente considerados formam os órgãos da empresa, englobando nessa categoria todas aquelas unidades que no projecto de lei se consideram membros dos corpos gerentes. É evidente- que esta enumeração de categorias não goza do dom da exclusividade; o estudo específico de determinada comunidade poderia ditar outra diferente, dotada de menos ou de mais dilatada discriminação.
12. Á categoria dos administradores é caracterizada pela relativa independência das suas decisões. Se compartilham da administração de várias empresas, o que não é raro, acresce ainda o campo de exercício da sua liberdade de acção. As suas remunerações, os seus salários, dependem, em estreita medida, do grau de prosperidade das empresas que servem, mas é de notar que não há dependência necessária entre os lucros da empresa e essas remunerações, pois ainda que a empresa registe prejuízos nem por isso o administrador deixa de ser remunerado. Esta caracterização, a que poderiam aditar-se outras, nomeadamente de carácter institucional e jurídico, distingue a categoria dos administradores, na repartição do rendimento, das outras categorias de assalariados.
Quanto a estas últimas, tem-se procurado dar-lhes, de forma geral e por toda a parte, crescente protecção distributiva, quer através do salário directo, quer através do salário indirecto. Luta-se contra o egoísmo de alguns - entre, nós os contratos colectivos de trabalho e os despachos de regulamentação do trabalho são sinal do empenho que se tem posto nessa luta -, a quem custa convencer que o salário já não deve ser considerado como o simples preço do factor produtivo trabalho, antes como a remuneração de um ser humano, pois o homem, quando cede o seu trabalho ao processo produtivo, cede algo que se incorpora nele próprio, no seu ser físico, e no seu ser anímico. Ver o trabalho em si, sem atender às condições da sua cessão, é não ver os homens por detrás do esforço quê emprestam.
É nesta sequência que o salário vai perdendo por toda a parte, dia a dia, a correspondência com o trabalho, medido unicamente pela quantidade fornecida. Ao salário directo, já de si, pela limitação do mínimo do seu quantitativo, a afastar-se daquela sumária medição valorativa, vem acrescer o salário indirecto, consubstanciado na série de prestações sociais (abono de família, subsídio na doença, assistência médica, pensão de reforma, auxílio na maternidade, protecção contra acidentes, etc.), este a debilitar, nada vez mais, a correlação entre o montante do salário global e o contributo do assalariado para o produto nacional, avaliado exclusivamente pela quantidade de trabalho que ele prestou. Pode até chegar a anular-se essa correlação, como é o caso da reforma, doença, ou invalidez, em que o subsídio ao assalariado não responde a qualquer actual esforço produtivo da sua parte.
Se, nestes termos, o salário directo é fixado em contemplação de certo número de parâmetros, de índole diversa, entre os quais avulta, sem dúvida, o valor do trabalho oferecido, a fixação do salário indirecto tem caracterizadamente a feição subjectiva, atenue à pessoa do assalariado. É exemplo irisante o critério ultimamente adoptado pelo Governo nu fixação do abono de família, variável consoante o número de filhos do servidor do Estado, sem qualquer dependência do nível do salário directo.
Estas prestações sociais são- em regra, e sobretudo no que respeita ao sector privado, concedidas através de organismos que constituem o elo de solidariedade entre as empresas e os trabalhadores e, por vezes, também entre as empresas e todos os membros da comunidade, quando se verifique a intervenção do Estado, através o seu orçamento.
Mas embora com esta dupla caracterização, que as distingue do salário directo, sem dúvida as prestações sociais constituem, um complemento desse salário, um salário indirecto, cujo adicionamento ao primeiro vai compor o salário global.
13. É incontestável que a melhoria do salário global, sobretudo à custa do acréscimo do salário indirecto, tem favorecido, aliás por imperativo da justiça, os assalariados das categorias médias e inferiores. E tal