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22 DE MARÇO DE 1963 285

Não que falte quem sugira novas orientações, novos rumos. Temos aí quem nos ensine o sistema prático o necessariamente eficaz de administrar o ultramar para o abandonarmos a curto prazo. São os que falam de uma «autonomia progressiva», que desembocaria, quando Deus quisesse, na plena soberania das várias parcelas territoriais da parte ultramarina da Nação. Não vêem eles sento uma das determinantes de ordem geral da evolução política dos povos «colonizados» - a propensão para a independência ou o pendor para o «nacionalismo» dos povos do «terceiro mundo». Não atentam, pelo que respeita ao ultramar português, nem na diversidade dos casos e das situações, nem na radical carência de meios humanos e materiais para que essa independência se consolide e não seja mais do que pura forma, nem na fundamental necessidade, que há-de acabar por ser reconhecida, de se não largar mão de mais territórios, que em caso de uma outra guerra seriam indispensáveis no plano estratégico e no plano económico, entregando-os a forças neutralistas ou declaradamente hostis ao Ocidente, nem, por último, na tendência nova e característica da nossa época, que é a da formação de grandes espaços económicos unificados, de grandes espaços não só económica, mas politicamente integrados, tendência que fez ou fará esbater a virulência dos «nacionalismos». E sobretudo crêem que a secessão política nos permitiria manter nos territórios abandonados, no futuro, uma presença espiritual e económica que se não vê possa ser, nessas condições, exercida por um país com a estrutura que a metrópole possui, em concorrência com quem em qualquer desses domínios fàcilmente nos eliminaria e afastaria.
A estes, que se colocam para além das imposições de todos os estatutos fundamentais da Nação desde 1822, contrapõem-se, com objectivos e recomendações diametralmente opostas, os que consideram essencial e indispensável, para salvar a estrutura unitária do Estado português, retomar a orientação abandonada na lei orgânica de 1881 e, consequentemente, uniformizar não só a organização da administração e do governo das províncias ultramarinas e da metrópole, como também, de um modo geral, todo o direito público e privado, que, assim, deveria passar a ser sistematicamente comum à metrópole e ao ultramar.
Este movimento de ideias, caracterizado por um forte idealismo e por um vincado portuguesismo, parte de um mais ou ou menos patente erro de diagnóstico sobre os perigos que para a unidade política nacional pretensamente decorrem, quer da especialização da administração e do governo das províncias ultramarinas, quer da especialidade das leis que lhes dizem respeito, quer ainda da descentralização ou desconcentração, em particular, dos poderes legislativos em órgãos provinciais Os que o encabeçam recusam-se - é o termo - a reconhecer a legitimidade de se tirarem quaisquer consequências das diferenças de condicionalismo geográfico, étnico, humano, cultural e económico que inegavelmente se verificam entre a metrópole e o ultramar e, dentro do próprio ultramar, entre as suas várias parcelas territoriais. Consideram que por sobre tudo isto se deve passar, que se deve fechar os olhos a estas realidades - e se deve legislar, em matéria de organização do governo e da administração ultramarina, e em tudo o mais que diga respeito ao ultramar, como se tais diferenças não existissem ou fossem realmente de considerar irrelevantes.
Atentar em toda a larga série de dificuldades de ordem prática, de ordem técnica e de ordem política que se levantam a esta política uniformizante e integradora é, para estes portugueses, estar-se ainda apegado a uma política «autonomista de associação» que teria sido importada e passada aos direitos, vinda de França, por alturas do último quartel do século XIX, exactamente por uma geração até agora indevidamente exaltada e sobrestimada.
Não é difícil diagnosticar neste movimento de ideias a presença de influências francesas da corrente dos que, além-Pirenéus, proclamaram a praticabilidade de uma política de «departamentalização» ou de «integração», em especial em relação à Argélia. Como quer que seja, o que á especialmente de assinalar é que é injusta e menos exacta a sua apreciação sobre o alcance e intenções da doutrina dos homens da geração de António Enes, de Mouzinho e de Eduardo da Costa, e, sobretudo, que é completamente falho de realismo pressupor que a unidade política da Nação se serve melhor ou só se pode mesmo servir deixando de contemporizar com o condicionalismo geográfico e sociocultural dos territórios ultramarinos. Pelo contrário trata-se de uma regra de ouro, elementar mas eterna, de sabedoria política, que a tais condicionalismos, quando suficientemente vincados, não pode deixar de se atender. O abandono desta regra pagar-se-ia, uma vez mais, exactamente pelo preço da frustração na realização dos objectivos que os partidários de um «integracionismo» sem reservas desejam ver alcançados.
Uma terceira corrente, no combate que move aos integracionistas e aos seus patentes exageros, acaba, por sua vez, por resvalar no que podemos chamar uma espécie de «autonomismo tácito» ou «implícito», que lógica e necessariamente antecederia de pouco uma autonomia caracterizada - porta aberta ou antecâmara, por sua vez, como sempre e em toda a parte for e é, para a outorga ou conquista do estatuto de estadualidade ou de plena soberania. A lógica é, neste domínio, correspondente as lições da mais recente história. A atribuição a um território de um «poder legislativo» em relação a todos os seus negócios, sem controle do Poder Central, e a instituição de um «poder executivo» praticamente independente, quer do executivo da metrópole, quer do seu representante no território, constituem sempre, inevitavelmente, o princípio do fim. Aliás, o próprio facto de às recomendações deste tipo se associar a de se eliminarem ou restringirem ao mínimo os serviços públicos de âmbito nacional, por pretensamente incompatíveis com uma coordenação das autoridades locais, denuncia a coerência imanente e o sentido objectivo de uma tal corrente de ideias - sem embargo de se fazer justiça aos que nela se enquadram, devendo os seus desvios doutrinários imputar-se ao ardor e às exigências da polémica anti-integracionista que conduzem. E só como pensamento objectivo que a tese que nos suscita este apontamento dá margem a reparos - porque a ortodoxia e o portuguesismo dos que a emitem não pode estar em causa nem nunca esteve em dúvida.

3. De um modo geral, podem sintetizar-se assim os princípios dominantes da proposta de lei sob apreciação:

1) Desconcentração da competência executiva do Ministro do Ultramar, investindo-se os governadores em alguns dos seus actuais poderes, de alcance e interesse mais caracterizadamente locais (sobressaindo especialmente a transferência para os governos ultramarinos da competência ministerial actual em matéria financeira),
2) Reforço do carácter representativo dos órgãos colegiais legislativos das províncias,
3) Alargamento da participação das províncias ultramarinas nas grandes assembleias ou corpos político-legislativos do Estado,