18 DE FEVEREIRO DE 1972 1203
turas vitícola e cerealífera, mandando em 1765 e 1766 arrancar as vinhas plantadas em terras neputadas mais aptas para a cultura do trigo.
Os Ingleses, que detinham o comercio do vinho, trabalhavam a comissão. Compravam o vinho para o remeter aos seus constituintes na Inglaterra. A comissão estipulada atingia uma moeda de ouro por pipa.
As casas inglesas breve passaram de sete para tanta e duas, com as quais se constituiu a «Feitoria» inglesa na cidade do Porto (British Factory House - 1727).
- Por volta de 1740 a ambição dos comissários parece tê-los conduzido a desejar maior lucro do que a simples moeda de ouro. Passaram a enviar por sua conta maiores quantidades de vinho.
«Para avanssarem mayor lucro, os comissários recorrem a adição de vinhos inferiores e as mais singulares confeições.
Compram 100 ou 200 pipas de vinho fino de embarque a 48 ou 60 anil reis, e outras tantas de vinhos ordinários, vindos de Viana, Anadia, etc., que lotam nos seus armazéns. Mais: praticam falsificações ou errados temperos, como sejam a adição de tibornas, bagas, aguardente, vinhos mudos, etc.»36
E os lavradores como procederam?
«Estes, em face dos elevados preços do produto, plantam de vinha os campos que davam pão, os outeiros cobertos com olival, as em costas onde vegetam frondosos soutos e até montes que apenas produziam matos!
Não contentes por levarem a cabo tarefa tão árdua, inventam em quase todo o Penaguião, e outras terras em cima do Douro, um modo de forçar as próprias vinhas: lançam-lhes estrumes que suposto agradeçam esse beneficio com dobrado fruto, costuma ser delgado e de pouca durasam.
Assim se obtinham 20 e 25 pipas de vinho em terrenos, que naturalmente só dariam 10 e este acréscimo quantitativo fez-se com manifesto e desastroso sacrifício da qualidade. Tal como procederam os comerciantes, chamam para incubar com os da sua lavra grande cópia de vinhos dos altos, como os de Fornelos, da Cumeeira, de Fontes, de Lamego e de muitos outros sítios que só serviam para ramo.»37
A criação, por alvará de 10 de Setembro de 1756, da Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro, procura por termo a toda esta situação de crise e desordem 38.
Competia à Companhia fiscalizar a pureza do produto e a manutenção de certos tipos de vinho estabelecidos (vinhos de embarque e vinhos de consumo). Assegurava aos lavradores um preço bastante superior ao então corrente e prestava-lhes assistência financeira por meio de empréstimos (taxas de juro, 3 por cento).
Dispunha dos exclusivos da venda de vinhos comuns no Porto e seu termo e de exportação para o Brasil de todas as qualidades de vinho, aguardente e vinagre.
Beneficiava do direito de foro privativo.
A Companhia deveria ainda proceder a «demarcação dos terrenos que nas costas setentrional e meridional do rio Douro produzissem o vinho fino de embarque chamado vulgarmente de feitoria, como também daquele que produzissem o de embarque para o Brasil e dos que só servissem para, se vender ao ramo conforme as suas diferentes qualidades 39.
As primeiras demarcações realizaram-se em 1757. No ano seguinte (Carta de 20 de Setembro), o Rei declarou-as nulas em virtude «das ampleações feitas contra o genuino sentido e literal despozição» das instruções que foram da-
38 Transcrervem-se dos §§ X e XI:
Sendo o principal objecto desta Companhia sustentar com a reputação dos vinhos a cultura das vinhas, e beneficiar ao mesmo tempo o comércio, que se faz neste género, estabelecendo para elle hum preço regular, de que resulte competente conveniência aos que o fabricaõ, e respectivo lucro aos que nelle negoceaõ; evitando por uma parte os preços excessivos, que impossibilitando o consumo, arruinaõ o género; evitando pela outra parte, que este se abata com tanta decadência, que aos Lavradores não possa fazer conta sustentarem as despezas annuaes da sua agricultura:
E sendo necessário estabelecer para estes fins os fundos competentes; será o capital desta Companhia de hum milhão, e duzentos mil cruzados, repartidos em acçoens de quatrocentos mil reis cada huma; ametade do qual se podera profazer em vinhos competentes, e capazes de receber, com que os accionistas se quizerem interessar; e a outra ametade será precisamente em dinheiro, para que a Companhia possa assim cumprir com as obrigações de ocorrer as urgencias da lavoura, e commercio, na maneira seguinte:
Pelo sobredito fundo emprestara a mesma Companhia aos Lavradores necessitados, não somemte o que lhes for preciso para o fabrico, e amanho das vinhas, e colheitas dos vinhos, mas também o que mais lhes convier para algumas daquellas despezas miudas que a conservação da vida humana faz quotidianamente indispensáveis; sem que por estes empréstimos lhes leve mayor juro que o de taes por cento ao anno; com tanto que os referidos empréstimos não excedão ametade do valor commum dos vinhos, que cada hum dos taes Lavradores costuma recolher. Os quaes vinhos mediante o& referidos empréstimos ficárao com penhora filhada a favor da Companhia, que nelles terá a mesma preferencia que costumam ter os senhorios das casas nos moveis que dentro dellas se achaõ, e sem que isso seja necessário outro título, ou faeto mais que oa dos assentes dos empréstimos nos livres da Companhia virificados com escritos dos devedores reconhecidos por Official publico.
«O principio da demarcação - pedra basilar mia economia da região vinhateira do Douro - foi coevo da fundação da Companhia e desde logo foi considerado como indispensável para garantir a defesa da genuidade e pureza deste nobre vinho. Adaptando-se as leis da natureza, defendia a qualidade, privilegio daquela terra de eleição, tornando-se, assim, em realidade, numa pela a todas as ambições e num freio ao espírito de fraude e adulteração. A demarcaçã foi, do facto, uma providencia inteligentemente concebida para o bom nome do vinho do Porto: limitou a sua quantidade e separou a qualidade, elevando-a a um grande perfeição notável», in «As demarcações pombalinas no Douro vinhateiro», cit., Anuário do Instituto do Vinho do Porto, 1951, vol. II, p. 250.
36 «As demarcações pombalinas no Douro vinhateiro», Álvaro Baltasar Moreira da Fonseca, in Anais do Instituto do Vinho do Porto, 1949, vol. 2.°, p. 21.
37«As demarcações pombalinas no Douro vinhateiro», loc. cit.
Escreve-se ainda neste trabalho:
Como em Inglaterra era habito consumir-se o vinho somente passados alguns anos sobre o fabrico, não raro acontecia degenerarem os produtos feitos com aqueles astuciosos artifícios, acidentalmente excelentes na aparência, perdendo o vinho a «forsa», gosto, cor, valentia, fervendo, desmaiando, levantando a borra, fazendo-se «agro-doce», reduzindo-se a uma desagradável e perniciosa bebida, desgostando aqueles que o bebiam por nocivos à saúde e ingratos ao paladar. Na realidade, ninguém ignorava que na alfândega de Londres muitos vinhos frouxos e pervertidos enviados de Portugal eram ai salgados e destruídos [...]. Os tempos mudaram, e de igual modo o rumo daquele feliz negócio: os vinhos., ainda que bons por natureza, passaram a maus por arbítrio. E, entretanto, os negociantes da Grã-Bretanha, honra lhes seja feita, continuaram sempre a pedir os melhores vinhos líquidos e puros de huvas sem outra mistura nem confeição de baga nem aguardente.