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58 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 88

a 1910 revelava-se, pelos mais variados motivos - de ordem religiosa uns e de ordem política outros -, de impossível restauração.
Restava o caminho das negociações, do mútuo acôrdo, da Concordata, emfim.
Por ele seguiu o Governo, e com brilhante êxito, facilitado, sem dúvida, pelo desejo comum de se atingir, através de recíprocas concessões e em tanto quanto a essência doutrinal, por um lado, e o interêsse nacional, por outro, o consentissem, a ambicionada meta: a plena paz religiosa, coroamento lógico da nossa restauração.

2. Não apreciará a Câmara Corporativa quer a Concordata quer o Acordo Missionário à luz da sua harmonia ou desharmonia com o Bem moral, como Valor Supremo, nem mesmo à luz dos benefícios espirituais deles resultantes, sobrepondo ao juízo da Igreja o seu próprio juízo.
A Santa Sé, que perante a consciência católica se apresenta como representante divina dos interesses religiosos e guia inspirada do bem das almas, por certo contemporizou, aqui ou além, com as exigências do bem comum nacional, a que, no domínio da acção e das realidades contingentes, sempre haverá que atender, mesmo quando se pense, acima de tudo, na defesa do bem espiritual.
A prudência é virtude, e virtude primária em quem dirige.
De resto, sob êste aspecto fácil será sempre ao Estado evolucionar, querendo e podendo, no sentido de uma sua maior obediência aos princípios cristãos. Nada na Concordata o impede, e seria absurdo supor que viria a impedi-lo a ... Igreja, tentando invocar para isso a ... Concordata.
Não é, aliás, a Câmara Corporativa órgão consultivo da Santa Sé, a quem caiba dar o seu parecer em nome dos interesses supremos da Igreja, mas órgão consultivo da Assemblea Nacional e do Governo e, portanto, órgão cujos pareceres devem ser orientados pelo bem comum, da Nação, posto que sem esquecimento da dependência deste do bem espiritual da pessoa humana, fim último de tudo o que é ... humano.

I

Apreciação na generalidade

1) Concordata de «separação» e Acôrdo Missionário Complementar

3. Estamos perante uma «Concordata de Separação» e nem perante outra poderíamos estar.
Sem prejuízo do preceituado pelas concordatas na esfera do Padroado, lê-se no artigo 46.° da Constituição Política, o Estado mantém o regime de separação em relação à Igreja Católica e a qualquer outra religião ou culto praticado dentro do território português . . .
Ora a Constituição de 1933 é uma Constituição rígida ou, para alguns, semi-rígida, uma Constituição cujos preceitos só podem ser revogados pelos processos especiais de revisão constitucional referidos nos artigos 134.° e seguintes.
E assim, para que a Concordata não fôsse de separação, dever-se-ia revogar primeiro o artigo 46.°
Mas não tem a Câmara Corporativa de pronunciar-se sobre esse ponto: não estamos diante de um projecto de revisão constitucional, mas de uma concordata que, emquanto a Constituição não for revogada, só poderá ser, repetimos, de separação, isto é, concordata pela qual ao Estado e a Igreja reconhecem mutuamente os seus direitos e legítimos interêsses; em que à consciência religiosa da Nação são garantidos os seus inalteráveis direitos, sem ferir as legítimas susceptibilidades dos que não comungam na mesma crença; em que, a benefício da sociedade e do prestígio nacional, se restaura da tradição espiritual toda a essência, sem a prender a velhas fórmulas do passado, nem todas dignas de veneração e respeito».
Portanto, só haverá que optar ou pela separação unilateral ou pela concordata de separação.
E, pôsto assim o problema, a resposta, no pensamento da Câmara Corporativa, não consente dúvidas.. A superioridade do regime concordatário, sobretudo no actual momento histórico, aparece-lhe com indiscutida evidência, e isto mesmo sem recordar que as nossas mais profundas e substanciais tradições só por si a evidenciariam.
É a Igreja Católica - ninguém hoje o desconhece, católicos e não católicos - a mais elevada potência espiritual, o mais prestigioso poder moral do Mundo, e, por isso mesmo, todos os Estados, ainda que não católicos, mas que pretendem manter-se fiéis à hierarquia dos valores cristãos e na moral cristã vêem a base, o princípio fermentador da nossa milenária civilização, ou, melhor, da Civilização, todos, dizíamos, procuram relacionar-se com a Santa Sé e todos, reconhecendo-a, pelo menos nos factos, como sujeito de direito internacional, como pessoa jurídica internacional, tentam tomar, ainda que por vezes só aparentemente, atitudes internacionais susceptíveis de merecerem a sua aprovação doutrinal.
E até Estados cuja ideologia mais longe vive da verdade católica desejam obter a sua complacência, certos como estão de que a força espiritual da Igreja nunca, sem desvantagem, próxima ou longínqua, Estado algum a desprezou.
Mas se isto assim se passa com Estados cuja população não é na sua maioria católica ou cuja ideologia bem pode dizer-se anticristã, como deverão proceder os Estados, como o nosso, cuja população na sua quási totalidade se confessa católica e cuja ideologia é da mais pura essência cristã?
Mesmo no ponto de vista exclusivamente político - único que nos interessa agora - as relações de franca amizade com a Igreja, e, como conseqüência, a perfeita paz religiosa, devem ser hoje ambicionadas por todos quantos, sem preconceitos e sem sectarismo, pensem no interesse de Portugal e só no interêsse de Portugal, como Pátria comum de todos os portugueses.
E que dizer então daqueles que, conhecendo o Passado, sabem que a grandeza nacional viveu sempre indissolùvelmente unida ao proselitismo cristão e que missionária se revela, no mais íntimo do seu ser, a nossa vocação histórica?!
Acresce que à defesa do património ultramarino interessa sobremaneira que a acção religiosa e missionária nele actue em moldes nacionais. E como assegurar essa finalidade fora de um acôrdo com a Autoridade Religiosa Suprema?
Sucede ainda que, lançando-se na corrente concordatária, o Estado Português mais não faz do que seguir na esteira de tantos outros, alguns até de população na sua maioria não católica: Letónia, Polónia, Lituânia, Checo-Eslováquia, Itália, Roménia, Alemanha e Áustria.
E com tanta intensidade e rapidez esta corrente se desenvolveu que justamente se chamou já ao pontificado de Pio XI «a era das concordatas», em oposição ao dito de Cavour: «a era das concordatas findou» 1.

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1 Andrea Piola, Introduzione al diritto conaordatário comparato, 1937, p. 180.
Até 1935 celebraram-se durante o Pontificado de Pio XI as seguintes principais concordatas, acordos, modus vivendi ou convenções: concordata com a Letónia, concluída em 3 do Março de 1922 e ratificada em 3 de Novembro; concordata com a Ba-