23 DE MAIO DE 1940 61
E é êste especialmente digno de admiração, porque em nenhuma outra concordata que esta Câmara conheça ele se revelou em tam elevado grau como na que constitue objecto do nosso exame.
Por onde se vê que, uma vez salvos os princípios, só a vida pura do espírito guiou a Igreja ao celebrá-la. Quanto ao regime de aquisição de bens e situação dos bens afectos ao culto pode dizer-se, de um modo geral, que a Concordata se limita a sancionar o regime vigente, pouco innovando, e, quando innova, fazendo-o em termos de não exigir qualquer justificação 1.
D) Assistência religiosa em campanha
8. As garantias quanto ao clero e o regime das pessoas eclesiásticas, de que tratam os artigos 9.º a 11.°, bem como as disposições respeitantes à prática e assistência religiosas, de que tratam os artigos 16.º a 19.º, limitam-se, na sua maior parte, a sancionar o existente 2.
Referência especial merece, todavia, o que se dispõe sobre assistência religiosa, em campanha, às forças de terra, mar e ar.
Para a assegurar organizar-se-á um corpo de capetãis militares, que serão considerados oficiais graduados, sendo o bispo que desempenhar as funções de Ordinário Castrense - bispo que exerce jurisdição sobre os capetãis militares e forças armadas - nomeado pela Santa Sé de acordo com o Governo, como o Vigário Geral, quando o haja, será nomeado pelo Ordinário Castrense, também de acordo com o Governo.
Para as expedições coloniais poderá ser nomeado Ordinário Castrense um bispo que tenha sede na respectiva colónia.
Os capetãis militares, esses, serão nomeados, de entre os sacerdotes apurados para os serviços auxiliares, pelo Ordinário Castrense, igualmente de acordo com o Govêrno,
Reata-se assim, em parte, a velha tradição dos capetãis militares, sempre, ou pelo menos quási sempre, tam queridos dos nossos oficiais e soldados.
Crê esta Câmara que não existirá militar, mesmo não católico, mas que tenha feito a guerra de 1914-1918, que não veja com agrado êste «ressurgimento.
E não se toma necessário haver sentido alguma vez a força de ânimo e a coragem que a assistência religiosa em campanha presta aos crentes, para compreender a sua vantagem, ainda quando se abstraia do aspecto puramente espiritual, que o Estado não tem, aliás, o direito de descurar, sem esquecimento de que católica é a grande massa do bom povo português. O interêsse da defesa nacional basta paira, justificar a disposição concordatária, que nas Cruzes de Guerra e nas Tôrre e Espada possuídas e galhardamente usadas por alguns dos antigos capetãis da Grande Guerra encontra a mais decisiva e brilhante das justificações.
E) Ensino
9. Contém a Concordata disposições referentes ao ensino, mas pode dizer-se que, na essência das cousas, nada innovam, ou, se innovam, as innovações aparecem como consequência lógica de disposições constitucionais 1.
Se, como se lê no artigo 43.°, n.° 3.°, da Constituição, o ensino ministrado pelo Estado visa à formação de todas as virtudes morais, orientadas pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País, sem dúvida ao Estado cabe fornecer aos estudantes o ensino da doutrina e moral católicas, única maneira de alcançar com êxito o fim proposto.
Por isso, com verdade a Concordata viu no ensino da religião e moral católicas nas escolas públicas elementares, complementares e médias, aliás já em parte existente, mera consequência de o ensino ministrado pelo Estado dever ser orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País (artigo 21.°).
E até, se alguma cousa houvesse de estranhar-se, em face do preceito constitucional, seria antes a excepção aberta para os filhos cujos pais, ou quem suas vezes fizer, tenham feito pedido de isenção do ensino do que a concessão deste aos que o desejem ou, pelo menos, o não repilam.
Obedeceram aqui a Igreja e o Estado ao princípio cristão que ordena o máximo respeito pela autoridade familiar, anterior à do Estado e, como esta, de direito natural: a educação dos filhos deve ser orientada pelos pais, em nome da sua própria autoridade, que só, deverá ser-lhes retirada em casos excepcionais.
E o Estado obedeceu, por sua vez, ainda:
1.° Ao preceito constitucional que nos diz que «a educação e instrução são obrigatórias e pertencem à família e aos estabelecimentos oficiais ou particulares em cooperação com ela» (Constituição Política, artigo. 42.º);
2.º Ao princípio de que o Estado Português, não sendo totalitário, não impõe uma doutrina, e antes a propõe, «orientando a educação, por forma a despertar na alma de todos uma ideologia idêntica à sua própria ideologia.» 2, mas respeitando a autoridade paternal, para êle tam legítima, no seu domínio, como a autoridade política o é no seu: o bem comum nacional.
F) Casamento e divórcio
10. Nos termos dos artigos 23.° é 24.° da Concordata, o Estado Português obriga-se a reconhecer «efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas, desde que a acta do casamento seja transcrita nos competentes registos do estado civil», produzindo o casamento todos, os efeitos civis desde a data da celebração, se a transcrição for feita no prazo de sete dias; se não o fôr, só produzirá efeitos, relativamente a terceiros, a contar da data desta, e isto sem que obste à transcrição a morte de um ou ambos os cônjuges.
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1 Veja-se, por exemplo, Constituição Política, artigos 45.° e 47.°; Código Administrativo, artigo 887.°; decretos-leis n.º 11:887, de 15 de Julho de 1926, artigo 14.º, e n.° 12:485, de 13 de Outubro de 1926, artigo 12.°, § 2.°
Para tudo o que se refere a bens matérias e interêsses económicos, vejam-se as concordatas com a Baviera, artigo 10.°; Polónia, artigos 14.° a 16.° e 24.°; Lituânia, artigos 16.° e 17.°; Itália, artigos 2.°, parte final, 9.º, 10.°, 29.°, alínea b), e 30.- ; Roménia, artigos 9.° e sgs.; Prússia, artigo 5.°; Alemanha, artigos 13.º e 17.°; Áustria, artigo 13.°
Constituição Política, artigos 8.°, n.° 3.°, e 45.°; Lei de Separação, de 20 de Abril de 1911, artigos 11.°, 12.°, 15.º e 16.°; decreto n.° 3:856, de 22 de Fevereiro de 1918 (decreto Moura Pinto), artigo 2.°; decretos-leis n.º 11:887, de 15 de Julho de 1926, artigos 4.°, § único, e 18.°, 12:485, de 13 de Outubro de 1926, artigo 00.°, e 26:643, de 28 de Maio de 1936, artigos 285.° a 290.°; lei n.º 1:961, de 1 de Setembro de 1987, artigo 18.°, alínea a).
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1 Constituição Político, artigos 8.°, n.° 5.°, 48.°, n.º 8.° e 4.º, e 44.º; decretos-leis n.ºs 3:856, de 22 de Fevereiro de 1926, artigo 6.°; 11:887, de 15 de Julho de 1926, artigo 17.°; 19:244, de 16 de Janeiro de 1931, artigos 4.°, 5.° e 9.°, § 2.°; 27:084 e 27:085, de 14 de Fevereiro de 1936; 27:426, de 81 de Dezembro de 1986.
Encontram-se disposições semelhantes às da Concordata nas concordatas com a Itália, artigos 35.° a 40.°; Áustria, artigos 5.° e 6.°; Alemanha, artigos 19.° a 25.°; Roménia, artigos 19.° e 20.°; Lituânia, artigo 13.°; Baviera, artigos 8.° a 9.°; Polónia, artigo 13.º
2 Professor Mário de Figueiredo, Princípios essenciais do Estado Novo Corporativo, p. 23.