O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 88 64

Mas «a verdade é que - note-se ainda - anomalia, e bem mais grave, é a que hoje consagra a lei impondo aos católicos, com violência da sua consciência religiosa, um estranho dualismo de actos matrimoniais, com a dupla manifestação de vontade que tal prática envolve».

De tudo o que acabamos de escrever, ou transcrever de antigos pareceres, já citados, conclue-se:

1.º Que a Câmara Corporativa, dando o seu voto à indissolubilidade, do casamento católico, único visado na Concordata, não faz mais do que manter-se fiel a si própria;
2.º Que mesmo aqueles que, perante um projecto ou proposta de lei interna sôbre casamento, não votariam pela indissolubilidade de todos os casamentos, religiosos ou civis, não poderão ter dúvidas, e antes deverão dar o seu voto à Concordata, entre outras razões, porque a indissolubilidade do casamento católico nenhum óbice sério levanta o facto de o casamento civil continuar dissolúvel.
De resto, quanto a esta dissolubilidade - a dissolubilidade do casamento civil - nenhuma das secções desta Câmara até hoje ouvidas a defendeu - as que a defenderam - senão por motivos transitórios de oportunidade - que, aliás, o reconhecimento da indissolubilidade do casamento católico contribuirá para destruir, pela criação de uma mentalidade propícia ao casamento indissolúvel, mesmo quando celebrado entre nubentes não católicos - e, pois, como vimos, à indissolubilidade vivem ligadas vantagens de ordem social independentes da natureza religiosa ou não religiosa do casamento, que, nem por ser civil, deixará de ser casamento-instituição, e não casamento-contrato.

G) Padroado e Semi-Padroado

13. A referência aqui feita ao Padroado e Semi-Padroado destina-se exclusivamente a focar a inalterabilidade do seu regime, constante das Concordatas de 21 de Fevereiro de 1857 e 23 de Junho de 1886 e de Acordos posteriores, designadamente os de 15 de Abril de 1928 e de 11 de Abril de 1929, em tudo quanto não seja atingido pela Concordata, a que, aliás, no artigo 29.° se dá o nome de Convenção 1.
E esta não reduz de qualquer modo as regalias de que tradicionalmente o Estado Português goza nos territórios do Padroado e do Semi-Padroado.

-------------

1 A respeito do padroado - direito de apresentar pessoa idónea para uma igreja ou ofício vagos - lê-se em Borges Carneiro, ob. cit., pp. 249 e sgs.:

«Nasce do reconhecimento que a Igreja entendeu dever testemunhar àquelas pessoas que, com o seu próprio dinheiro, fundaram, edificaram ou dotaram alguma igreja ou ofício. Adquire-se por modos originais, extraordinários e derivados; e perde-se por delito e sem delito .. . Consente varias divisões:
A principal é em eclesiástico, se pertence, a um clérigo em razão da sua dignidade ou ofício sagrado, ou por ter sido fundado com bens da Igreja; e secular se provém a pessoa eclesiástica ou leiga, não por alguma dessas causas, mas pela do seu património.
Depois é pessoal, por não se referir a mais que ao título da fundação; familiar, se nunca passa para fora dos parentes do fundador: e real, se, instituído para comunidade dos moradores de algum prédio, estabelecimento ou lugar, segue sempre a posse dos bens, a que está unido, para quaisquer mãos que eles forem por contrato ou herança.
Dá direitos e impõe obrigações ao padroeiro; e conforme as espécies assim variara as regras do seu exercício e sucessão. Entre nós houve-os de todas as espécies. Ao presente não: dados por abolidos todos os outros, só subsiste o da coroa.
Ao rei compete apresentar e prover todos os empregos e benefícios eclesiásticos.
Visto o padroado proceder da fundação e dotação, a origem do padroado da coroa portuguesa é das mais puras, tanto dentro do reino como lá fora nas nossas possessões.
O nosso reino foi todo conquistado com as armas e palmo a palmo aos mouros; e, começando no Conde D. Henrique, os nossos soberanos, achando muitos templos destruídos, ou convertidos em mesquitas, cederam ao seu espírito religioso e ao mesmo tempo político: reedificaram, repararam e dotaram à sua custa uns e levantaram outros de novo.
Assim se fizeram padroeiros; e Leão X confirmou-lhes todos os direitos resultantes destas acções de piedade.
Nas nossas possessões de além-mar é eminentemente brilhante a história do nosso padroado.
Custou-nos mais de cento e cinqüenta anos de conquistas e os maiores sacrifícios de sangue e do tesouro nacional.
É o padrão mais glorioso do valor e religião com que nossos avós souberam fazer tam invejado e respeitado o nome português, levando as quinas lusitanas e (com elas) a luz do Evangelho a países e povos tam diferentes e distantes, e de crenças tam diversas.
Comprámo-lo tam caro que não havia nesse tempo quem tivesse, ou pelo menos se afoitasse, a dar por ele o preço que nós demos.
Os pontífices, apreciando e reconhecendo toda a valia e importância destes nossos feitos, garantiram perpetuamente aos reis de Portugal o direito de padroado em todas as igrejas erectas e fundadas nas terras dessas regiões.
Por abranger muito nas costas da África e imenso na Ásia, divide-se em padroado na África e padroado nas terras da Ásia.
E este o que ordinariamente se chama o Padroado do Oriente.
Subdivide-se em padroado da índia e da China.
Ato aos princípios do século XVII ninguém se lembrou de nos perturbar no exercício de um direito que, sobre ser fundado nos mais valiosos títulos segundo os cânones, estava, por assim dizer, santificado por tantos documentos pontifícios.
De então para cá, sim: entrámos a decair do nosso grande poder na Ásia.
Com o fundamento da impossibilidade de satisfazer o real padroeiro às precisões, exigências e condições de um padroado tom amplo, começou Roma por mandar para muitas doe terras Da Ásia vigários apostólicos, sujeitos imediatamente a Conde propaganda fide; e acabou por declarar extinto o direito do padroado português em todas os igrejas e terras não compreendidas dentro dos limites das nossas actuais possessões.
Sendo, como era, não dizemos urgente, mas urgentíssimo reparar ou prevenir as funestas consequências dêste estado, celebrou-se em Lisboa a Convenção de 21 de Outubro de 1848 entre a Santa Sé e o real padroeiro.
Mas nesta convenção pouco se fez a este respeito. Atendendo-se principalmente à resignação do actual arcebispo de Goa, só se estipulou que a sua vagatura seria preenchida; e que na expedição das bulas se mencionariam as innovações, em que se acordasse, sobre os limites da sua jurisdição local.
Afora isso, unicamente se tomaram em separado lembranças ad referendum, para cada um dos plenipotenciários levar ao conhecimento do seu respectivo governo.
Reduzida assim esta convenção a um como acto preparatório do outras, continuaram as negociações e apareceu o Tratado de 21 de Fevereiro de 1857.

Opondo-se porém várias dificuldades à sua inteira execução, propôs-se por parte da Santa Sé a alteração e revisão da mesma concordata, acordando-se com o Governo português em outra nova, que tornou exequível a antiga, modificando algumas das suas disposições».
E assim se chega à concordata de 23 de Junho de 1888.
Por esta concordata concedeu-se aos arcebispos de Goa o título honorífico de patriarca das índias orientais e o privilégio de presidir aos concílios nacionais das mesmas Índias (artigo II).
A província eclesiástica de Goa compõe-se, além da sede metropolitana das dioceses de Damão e titular de Cranganor, de Cochim e de S. Tomé de Meliapor, com os limites e lugares designados nos respectivos anexos (artigo III).
Alguns dos grupos principais das cristandades, denominados goanesas, não compreendidos nos limites das três referidas dioceses, ficam agregados a elas, atendendo-se aos elementos materiais e morais de homogeneidade, devendo nas missões goanesas das outras dioceses o respectivo ordinário confiar de preferência a cura de almas a sacerdotes goaneses ou portugueses dêle dependentes (artigo V).
As cristandades de Maloca e Singapura, sujeitas à jurisdição extraordinária do arcebispo de Goa, ficam encorporadas no bispado de Macau (artigo IX).
Nos quatro dioceses de Bombaim, Mangalor, Quilon e Maduré, salvo a primeira nomeação, a coroa portuguesa apresentará no prazo de seis meses à Santa Sé um candidato escolhido em lista tríplice, formada pelo metropolita com os sufragâneos, ou por estes, e enviada por intermédio do arcebispo de Goa».
Resta-nos acrescentar que actualmente o Semi-Padroado é constituído pelas dioceses de Bombaim, Mangalor, Coulão e Trichinopolis.