23 DE MAIO DE 1940 65
Mas o simples facto de por um acto solene, como o é a Concordata, se reconhecer a permanência da nossa situação privilegiada, pondo termo a todas as possíveis dúvidas sobre a sua sobrevivência convencional após a separação da Igreja e do Estado, tem um significado cujo alcance não se torna necessário demonstrar, já não dizemos perante a Assemblea Nacional, mas perante portugueses.
Há só que louvar e nada mais.
2) Acôrdo Missionário
14. Em complemento da Concordata assinou-se «um acôrdo destinado a regular mais completàmente os relações entre a Igreja e o Estado no que diz respeito à vida religiosa no ultramar português, permanecendo firme tudo quanto tem sido precedentemente convencionado a respeito do Padroado do Oriente».
Nesta Convenção particular desenvolvem-se os princípios formulados nos artigos 26.° e 28.° da Concordata, respeitantes ao «regime das missões e dioceses no ultramar».
A) Considerações históricas
15. Ninguém de mediana cultura hoje ignora o contributo dado pelas missões à acção civilizadora da Nação portuguesa, como potência colonial.
E dizemos que ninguém hoje o ignora, porque o seu reconhecimento, ainda que por vezes expresso à contre coeur, encontramo-lo nas confissões de alguns dos mais intransigentes adversários da Igreja . . ., para efeitos metropolitanos.
É que o missionário não é somente evangelizador, mas também, porque evangelizador, pregoeiro insubstituível da nossa civilização e, quando português, da nossa soberania.
E sempre assim foi.
Quem desconhecerá, por exemplo, que à exploração da Ásia pelos portugueses vive ligado indissoluvelmente o nome de S. Francisco Xavier? Quem ignorará a acção dos jesuítas na China, no Japão, no Brasil? Quem não enaltecerá o apostolado português na Etiópia, a obra de Frei João dos Santos em Moçambique, no século XVI, e a missão do padre Gonçalo da Silveira, no mesmo século? Quem negará que todas as nossas leis eram acompanhadas de religiosos de diversas ordens ou que Timor foi durante mais de um século administrada por dominicanos, ou, ainda, que a cooperação dos religiosos regulares na conquista de Angola se revelou essencial à política portuguesa na mesma colónia, nos séculos XVI a XVIII? Quem não se curvará diante da figura de Frei Alexandra de Gouveia, bispo de Pequim nos fins do século XVIII, cuja influência na China chegou até ao ponto de garantir Macau, por duas vezes, contra ataques estrangeiros? Quem não relembrará, para os tempos modernos, a obra missionária de D. António Barroso? E quem, finalmente, não reconhecerá que a abolição da ordem dos jesuítas e das demais ordens religiosas, bem como a quebra de relações diplomáticas com Roma, acarretaram consequências graves para a administração das nossas colónias? As igrejas, conventos, seminários, etc., espalhados pela África, pela Ásia e pela América não atestarão de modo insofismável a base religiosa e missionária da influência portuguesa nestes continentes?
16. Mas nem só no passado a acção evangelizadora das missões adquiriu foros de auxiliar indispensável da nossa acção ultramarina.
O mesmo sucede hoje, só podendo desconhecê-lo quem nunca haja conversado sobre o caso com qualquer colonial, mesmo que não católico.
Por isso à data da proclamação da República subsistia o mais íntimo entendimento entre a Igreja e o Estado sobre assuntos religiosos coloniais, tendo sido criados vários estabelecimentos de preparação eclesiástica para o ultramar e gozando os padres e missionários de várias regalias, como passagens, pensões, etc. l
Tratados internacionais tinham, além disso, tornado obrigatória a tolerância religiosa em certas zonas de África e a liberdade de ensino e de propaganda constituiu objecto de diversas convenções, com nem sempre favoráveis consequências políticos. As conferências de Berlim, de 1385, e de Bruxelas, de 1890, bem como o tratado luso-britânico de Junho de 1891, criaram em África um novo estado de cousas, a que era urgente atender.
17. Proclamada a República e separada a Igreja do Estado cessaram os auxílios aos seminários e demais estabelecimentos de preparação religiosa, bem como as pensões e outras pequenas regalias de que gozava o pessoal eclesiástico no ultramar, tendo Sernache do Bomjardim deixado de funcionar para fins eclesiásticos.
Daí o desaparecimento de algumas missões, por falta de dinheiro e de pessoal, e, como consequência, a crítica situação de Moçambique em 1919.
As missões eram na sua maioria protestantes, com todos os correspondentes efeitos desnacionalizadores, e das missões católicas só subsistiam as servidas por ordens religiosas. De resto, o decreto de 22 de Novembro de 1913, que separou a Igreja do Estado em África e em Timor, provocara também a substituição dos missionários portugueses por missionários estrangeiros.
Esta política antinacional era, no entanto, de certo modo atenuada pela oposição que, de facto, as colónias lhe levantavam, subsidiando praticamente as missões.
A reacção metropolitana contra semelhante retrocesso, essa, só em 1918 se inicia verdadeiramente com o decreto n.° 5:239, de 8 de Março de 1919, que atribuiu personalidade jurídica às missões; mas tam efémera foi a sua vigência que nem chegou a ser aplicado, retomando o decreto n.º 5:778, de 10 de Maio de 1919, os princípios do decreto de 22 de Novembro de 1913.
Em 1917 é criado o Instituto de Missões Coloniais, para o pessoal leigo das missões chamadas civilizadoras, e instalado em Sernache do Bomjardim. Idêntico regime foi pelo decreto n.° 5:778 instituído para as mis
--------------
1 Citaremos, para exemplo: decreto de 17 de Dezembro de 1868, - que concedeu vantagens aos sacerdotes da Índia e do continente que fôssem missionar em África; decreto de 3 de Dezembro de 1884, que aprovou os estatutos do Colégio das Missões Ultramarinas, e que é precedido de um interessante relatório de Luciano Cordeiro; decreto de 12 de Agosto de 1880, que criou o Colégio das Missões em Sernache do Bomjardim; decreto de 6 de Dezembro de 1886; que melhorou a situação dos missionários de África; decreto de 24 de Dezembro de 1880, que concedeu certas melhorias aos cónegos e outras dignidades de Luanda; portaria de 13 de Agosto de 189G, que reconheceu a Procuradoria das Missões do Espirito Santo; decreto de 4 de Agosto de 1898, que incumbiu os missionários da instrução pública em S. Tomé e Príncipe; portaria de 18 de Outubro de 1901, que aprovou os estatutos da Associação Missionária Portuguesa, destinada a facilitar as requisições de missionários; decreto de 18 de Abril de 1901, que regulou a forma como podiam constituir-se as associações religiosas; portaria de 26 de Fevereiro de 1902, que declarou compreendidas nas Missões do Espirito Santo, para os efeitos da jurisdição do Padroado, tanto as associações compostas de missionários pertencentes a associações reconhecidas como as constituídas por missionários de outras associações, contanto que funcionassem em território português; portaria de 18 de Outubro de 1901, que aprovou os estatutos das Missões do Espirito Santo; portarias provinciais de Moçambique de 4 de Dezembro de 1907, que obrigaram as missões religiosas que quisessem estabelecer-se em Moçambique a empregar ou a língua portuguesa ou a indígena no ensino religioso, tendo-se, depois, criado em Lourenço Marques cursos de língua portuguesa para os missionários.