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23 DE MAIO DE 1940 63

tólico, entende-se que pelo próprio facto do casamento canónico os cônjuges renunciarão à faculdade civil de requererem o divórcio, que por isso não poderá ser aplicado pêlos tribunais civis aos casamentos católicos ... ».
Nada impede o Estado, deve notar-se, de decretar a indissolubilidade matrimonial, trate-se de casamento canónico ou de casamento civil, de casamento anterior ou posterior à respectiva lei ou decreto-lei.
Não estamos diante de situações que, por subjectivas, devam ser respeitadas, sob pena de retroactividade, mas de meras situações legais que, por o serem, a lei poderá alterar, sem retroactividade.
A Câmara Corporativa, quanto à dissolução do casamento, nada tem a acrescentar ao que a respeito do princípio da indissolubilidade matrimonial consta dos seus pareceres sobre o projecto de lei n.° 25, apresentado pelo ilustre Deputado Dr. Braga da Cruz, e sobre o projecto de lei n.º 111, dos ilustres Deputados Drs. Luiz a Cunha Gonçalves e Ulisses Cruz de Aguiar Cortês, referidos na nota anterior.

Aí se escreveu:

«Apreciando o problema da indissolubilidade, no campo dos princípios, pronunciamo-nos então (no primeiro parecer acima referido) aberta e decididamente pela doutrina da indissolubilidade do matrimónio, mostrando que, se o divórcio tinha de ser repelido por considerações de carácter político-social, como elemento dissolvente, que era, do agregado familiar, tampouco se podia justificar, no campo puro da técnica jurídica, com base no conceito do casameuto-contrato, pois a este conceito antiquado, fruto da viciosa ideologia individualista dos séculos XVIII e XIX, devia substituir-se a noção mais racional e realista do casamento-instituição, a única que correspondia à verdadeira natureza das relações jurídicas que no casamento têm a sua origem.
Acentuámos mais que a indissolubilidade representava até um corolário ou uma exigência dos novos princípios constitucionais em que assentava o Estado Novo, que proclama a família como a unidade social base da organização político-jurídica da Nação.

Uma vez que os princípios informadores do Estado Novo - escrevemos no já citado parecer -, como organização política da unidade social - a Nação -, representam a condenação do individualismo que imperou no século XIX, e, nesta ordem de ideas, a nossa Constituição Política de 1933 consagra a família como unidade social por excelência, proclamando no seu artigo 11.° o princípio de que o Estado assegura a sua constituição e defesa, como fonte de conservação e desenvolvimento da raça e como base primária da educação, da disciplina e harmonia social, e consigna ainda nos artigos 12.° e 13.° diversos preceitos concretos, inspirados sempre no intuito afirmado de defesa da instituição familiar, impõe-se como corolário lógico a condenação do divórcio, como elemento de dissolução, que é, desse mesmo organismo social.
Não podemos conceber dúvidas sôbre a acção dissolvente do divórcio via família, se atendermos às condições em que ele nos aparece no direito moderno, e aos resultados sociais que produziu no período subsequente à sua promulgação, no final do século XVIII.

E condenado a instituição do divórcio, especialmente no nosso País, olhando ao seu condicionalismo peculiar, ético, político é social, acentuámos também que a condenação do divórcio, nos termos em que ficava pronunciada, se apresentava, não propriamente como solução de um problema religioso, mas sim como solução de um problema social.

Se se afirma o princípio da indissolubilidade do casamento - lê-se ainda no referido parecer -, êle é proclamado, não como um atributo do casamemto-sacramento, ou como princípio de uma religião, para com a qual a lei e a governação se mostram mais tolerantes, mas antes como uma afirmação no campo da pura sociologia, reconhecendo-se essa indissolubilidade como condição primária de existência e conservação da família como organismo social e requisito indispensável para que nela possa assentar o aperfeiçoamento moral da sociedade. Não é necessário atermo-nos ao conceito religioso do casamento para proclamar na lei civil a sua indissolubilidade, assim como não carecemos de nos escudar nos preceitos da religião para condenar nas leis penais o roubo ou o homicídio».

Em face do exposto, que a Câmara Corporativa de novo perfilha, ressalta clara a sua já antiga adesão ao princípio da indissolubilidade.

12. E que pensar do regime dualista a que ficará possivelmente submetido entre nós o casamento: o regime da indissolubilidade, para o casamento católico e o regime da, dissolubilidade, para o casamento civil?
Não exigirá a unidade do direito que se conclua sempre ou pela indissolubilidade de iodos os casamentos ou pela sua dissolubilidade, e nunca pela existência cumulativa de casamentos juridicamente indissolúveis e de casamentos juridicamente dissolúveis. E, sendo assim, não deveríamos pronunciar-nos pela não aprovação da Concordata, emquanto não seja publicada uma lei interna que generalize p regime da indissolubilidade? E, se esta lei fosse reputada inoportuna, não seríamos forçados a reconhecer também a consequente inoportunidade da Concordata neste ponto?
Antes de mais nada, notar-se-á que, reconhecendo a indissolubilidade do casamento católico, o legislador não «faz mais do que sancionar a vontade dos próprios nubentes, que, além de um acto civil - acto jurídico, produtor de certos efeitos de direito -, querem praticar um sacramento, sublimando dêsse modo a sua união conjugal. Nenhum princípio de direito, nenhuma razão de política social poderá levar neste caso o Estado, o poder civil, a impor a dissolubilidade do casamento mesmo que se pretenda justificá-lo» pela invocação de um princípio de liberdade: de «violência e de negação da liberdade poderá ser acusado o Estado que teimar em declarar dissoível uma união que, por exigências da consciência religiosa, alguns cidadãos querem que sei a indissolúvel». Dir-se-á, porém:

«Se os nubentes são católicos, a lei não os impede hoje de realizar a união religiosa ; e se esta é indissolúvel, a lei, admitindo a dissolução pelo divórcio, não a impõe todavia aos católicos».

Ora «se a vontade dos nubentes católicos é contrair uma união indissolúvel, embora seja certo que a lei lhes não impõe a dissolução, certo é igualmente que se não concebe porque não possa ou não deva a lei reconhecer esta indissolubilidade, que é da natureza da união contraída; tanto mais que com isso só tem a ganhar socialmente a Nação.
Não poderá certamente negar-se o significado que no campo dos princípios tem o reconhecimento pelo Estado da natureza indissolúvel que ao matrimónio atribuem os católicos que o contraem, e que constituem ainda a grande massa da Nação».