8 DE DEZEMBRO DE 1941 27
Prevaleceu por fim um critério mais esclarecido. O empréstimo seria um bem se aplicado a despesas produtivas, seria um mal se gasto improdutivamente; nisto vieram a concordar todos os tratadistas financeiros.
Mas em toda esta arcaica discussão nada se dizia sobre a acção e os efeitos económicos do empréstimo. Com efeito, no domínio da economia clássica não se podia compreender nem admitir a intervenção do Estado para alterar o meio circulante do País, nem se pensava mesmo que para tal efeito o empréstimo poderia exercer uma influência decisiva.
Foi preciso chegar ao período contemporâneo, em que vigora uma economia que, quaisquer que sejam as legítimas relutâncias a vencer, é sempre mais ou menos dirigida, para entender e aceitar a emissão do um empréstimo público só por razões de ordem económica e sem obediência a qualquer urgência da tesouraria da Estado.
Dentro desta ordem de ideas começam-se então a estudar as consequências económicas dos empréstimos públicos.
Assim, no seu recente curso de finanças, Morselli encara em especial o resultado do empréstimo em tempos de abundante afluxo de poupança. Declara que em tal caso não se podem considerar maus os resultados imediatos do empréstimo no campo da actividade nacional da produção, visto que êle não irá atrair, em regra, capitais já colocados.
Mas, ainda em tais considerações, não se mede devidamente a função do empréstimo para regular as disponibilidades do mercado e fixar a taxa equitativa do juro. Ora esta missão é de capital importância.
Desde que se verifique um aumento dos meios monetários, desenha-se o espectro da inflação com todo o seu cortejo de conhecidos e bem nocivos resultados. A exis-tência no mercado de um país de capitais avultados sem emprego definitivo traduz uma ameaça constante para a estabilidade da sua vida económica. O acréscimo de emissão de notas causado pelo afluxo e compra de moedas estrangeiras não será certamente tam nocivo como aquele que provém de créditos concedidos ao Estado pelo banco emissor, porque ao menos no primeiro a emissão fiduciária apoia-se numa garantia real, em contrapartida um valor efectivo que vem acrescer as verbas do activo nacional. Mas nem por isso se evitam os efeitos conhecidos do excesso do meio circulante. Ora, se não há meio de os remediar por completo, convirá pelo menos atenuá-los, e isso é possível.
Na presente guerra vemos toda a política financeira inglesa dominada pela preocupação de afastar um dos grandes males da anterior guerra de 1914 a 1918: o aumento do consumo e portanto da procura, pela abundância das disponibilidades, a que dava lugar o inevitável acréscimo das despesas do Estado. Dêsse aumento resultava necessariamente a alta dos preços, que, por sua vez, mais vinha avolumar a cifra das despesas públicas. Maiores quantias tinham consequentemente de ser lançadas em circulação e em maior grau se repetia o mesmo fatal encadeamento de fenómenos, conduzindo à ruína final, de que o exemplo da emissão fiduciária alemã, embora propositada, oferece a máxima ilustração. Constituem estes conceitos a chamada teoria da espiral, em que cada nova emissão significa uma curva sobrepondo-se às anteriores e em que se repete sempre o mesmo traçado em planos diferentes e sucessivamente crescentes: aumento das despesas públicas-novas emissões fiduciárias-amplitudes de disponibilidades e maior procura de mercadorias - alta de preços - aumento ainda maior das despesas públicas - e assim sucessivamente.
Contra êste perigo temeroso e já tantas vezes experimentado impõe-se uma política que leve todos aqueles cujo rendimento é acrescido pelas maiores despesas do Estado, isto é, que recebem maior quantidade de notas pelos seus produtos ou serviços, a não gastarem esse excesso de recursos em objectos de consumo, a não aumentarem pois a procura de bens. Para isso é preciso levá-los economizar uma parte cada vez maior da sua receita e a empregá-la de preferência em valores do Estado, a quem se restitue assim por um lado o que dêle se recebe por outro. Terá aqui cabimento o ximile do velho economista Mellon: o público recebe mais notas do Estado com uma mão e passa-as para a outra mão, que por sua vez as restitue ao Estado em troca de títulos de dívida pública.
Para conseguir esta reabsorpção de meios monetários facultam-se todas as combinações, para que sempre haja alguma que possa harmonizar-se com as variados circunstâncias de rada portador de notas. Vai-se desde a generalização dos títulos de dívida flutuante a curto prazo e a juro antecipado até às obrigações a prazo médio e ao empréstimo de larga duração. Tudo é útil desde que sirva pana retirar do mercado recursos superabundantes e evitar a vertiginosa subida dos preços.
Portugal está felizmente longe desta situação angustiosa. Mas, com a prudência que caracteriza a sua cuidadosa política financeira, pretende o Governo, desde já e na escala restrita que as circunstâncias aconselham, intervir no mercado monetário nacional pura assegurar tanto quanto possível a sua normalidade.
Hesita naturalmente em recorrer à restauração da dívida flutuante, que entre nós foi viciosamente usada como recurso permanente de um tesouro desorganizado e cujo reaparecimento poderia dar a aparência de um regresso a antigos e maus tempos, além de criar um título de tam fácil transmissão que poderia representar um aumento dos meios monetários à disposição do público, constituindo como que uma circulação adicional ao lado das notas, quando precisamente se trata de restringir esses meios monetários.
Mas, dentro da política de incitar todos à poupança, como as circunstâncias impõem, é necessário oferecer-lhes um valor em que possam inverter as suas economias. Não deve suceder que aqueles que procuram poupar e confiar ao Estado as suas economias encontrem dificuldades em os empregar ou venham a criar, pela procura na bolsa de antigos empréstimos já colocados, uma alta da sua cotação, que cerceie paralelamente a remuneração a que têm legítimo direito.
Convém pois retirar recursos do nosso mercado e ao mesmo tempo regular o juro que lhes é devido, evitando uma depressão excessiva da respectiva taxa. Esta, baixando além de certos limites, traria um novo incentivo ao desperdício ou pelo menos ao aumento do consumo. Para obter uma remuneração ínfima não vale a pena pôr de lado quantias, que sempre poderão ser aproveitadas na satisfação das necessidades imediatas, por natureza ilimitadas. Deixar algumas destas por satisfazer paira acautelar necessidades futuras, isto é, formar capital, só é realizável desde que se assegure a êsse capital pelo menos uma vantagem compensadora, o que não sucederá com tosas de juro quási irrisórias.
E assim é que na presente proposta o Governo suspende com razão a sua tradicional política de sucessivas baixas de juro. Foi esta seguida desde 1928, em que se faziam ainda emissões a 6 1/2 por cento, até 1937, em que se atingiu a moderada taxa de 3 1/2 por cento, como se mostra no quadro que figura no parecer desta Câmara sobre a proposta de lei n.º 186. Mas na presente proposta não pretende o Governo aproveitar-se,, como seria possível, da abundância das disponibilidades no mercado para colocar um empréstimo a taxa infe(...)