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3 DE MARÇO DE 1944 185

só é mau pela falência moral dos que de tal modo o executam e não pelos princípios em que se baseia.
Escasseiam no mercado legal imensas cousas que aparecem com profusão no mercado negro. É frequente, ouve-se dizer, procurar certas mercadorias e as entidades ou organismos a que se dirigem os interessados declararem que as não têm.
Mas os interessados saem dêsses locais e encontram fàcilmente cá fora quem lhes segrede, com certo ar amigo de quem presta um alto serviço, rodeado tudo de um certo mistério, camuflagem de locais, de pessoas, de nomes, de mercadorias, para assim mais fàcilmente iludirem a vigilância repressiva das autoridades, que as têm à sua disposição.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu posso avançar mais: nesses organismos aconselha-se aos que lá vão tratar das suas pretensões: «Dirija-se ao mercado negro»!
E eu posso afirmar a V. Ex.ª que isto é verdade!

O Orador: - Bem merece a Intendência se na sua acção contra o mercado negro conseguir fazer punir os prevaricadores, sobretudo quando têm maiores responsabilidades do que as de simples negociantes, mas não com penas como as de multa, que, por maior que esta seja, é bem coberta pelos lucros do negócio, mas com um sistema de repressão muito mais severo, até à própria deportação, pois, no momento que passa, considero êsse delito o mais grave de todos, especulando com as necessidades, se não com a miséria do semelhante. Termino saudando de novo o prestimoso organismo da Intendência, que ao País tem prestado assinalados serviços.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de lei sôbre a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira. Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Albuquerque.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que lhe apresente as minhas homenagens. Não o faço no automatismo de quem reedita uma fórmula, pelo ânimo banal da praxe, mas porque V. Ex.ª tem sido para nós, nesta Casa, um alto exemplo de equilíbrio e dignidade intelectual. Razão teve aquele subtil político inglês ao afirmar um dia que para se dirigir bem qualquer cousa - quer se trate de governar um povo, quer se trate de conduzir um automóvel - a primeira condição é ser-se gentleman, pois só um gentleman tem em alto grau a noção de que não deve nem pode atropelar os outros. Frequentei há vinte e tantos anos as aulas de V. Ex.ª, mas confesso que ainda não deixei de ser discípulo ...
Srs. Deputados: o decreto que hoje vem à votação desta Câmara não é limitadamente a consagração jurídica de um cânon ortográfico; é a expressão de uma cousa muito mais ampla, um sentimento cultural de pan-lusitanismo.
Conta-se que Júlio de Vilhena, ao discutir um dia a reforma ortográfica de 1911 com o erudito José Leite de Vasconcelos, teve êste comentário admirável:

«Há entre nós um equívoco: para V. Ex.ª a reforma ortográfica é um problema filológico; para mim é um problema de direito público».

Podia ter acrescentado: é uma questão política, na acepção nobre desta palavra.
Foi o que não percebeu o legislador de 1911, animado, aliás, a êste respeito de boas intenções. Por isso resolveu a questão restritamente com uma comissão de técnicos - homens eminentes, a cujo saber todos temos de prestar homenagem, quando os filólogos deviam formar apenas um corpo consultivo. O assunto devia ter sido resolvido, antes de tudo, no campo diplomático.
Desde o velho Duarte Nunes de Leão que em Portugal se proclamava a necessidade de uma uniformização ortográfica. Decerto a ortografia não pode ser uma dogmática, que levaria à imobilidade verbal e ao feiticismo da fórmula; mas não pode ser também uma anarquia, em que extravasem todas as ignorância e caprichismos individuais.
A língua é um património comum, uma expressão de cultura, «uma fôrça em acção», como diz o psicologista Janet e repete o filólogo Vendryes.
Deixá-la completamente ao arbítrio individual seria equivalente, pouco mais ou menos, a deixar transformar e mutilar os monumentos nacionais, conforme a gana de cada um. Já alguns estrangeiros, como o Sr. Aubrey Bell, salientaram a nossa indisciplina ortográfica - que, além de ser um reflexo de indisciplina social, é um grave transtôrno para a aprendizagem e irradiação da língua.
Mas tudo isto não justifica que se tenha feito uma reforma ortográfica à revelia do Brasil, como se a língua portuguesa fôsse apenas nossa. É preciso não esquecer que a herança espiritual pertence tanto ao irmão que emigrou como ao irmão que ficou agarrado ao velho solar da raça.
Só num período tumultuário de desintegração espiritual, em que se subverteram todos os ensinamentos da tradição, Portugal se podia ter alheado e esquecido do próprio mundo que criou. Hoje, reencontrado o sentido histórico de nação, emenda-se felizmente o êrro, direi mesmo o pecado contra a lusitanidade.
Nesta hora das grandes metrópoles, dos grandes exércitos, das grandes edições, não é indiferente para a fôrça moral de uma nação e para a sua projecção intelectual e mercantil falar uma língua de esfera limitada ou uma língua que se ouça alto no mundo. Nós, portugueses, temos na unidade linguística luso-
brasileira, dadas as dimensões do Brasil e a sua colossal capacidade de população, uma garantia para a grande irradiação da nossa fala e dos nossos valores literários - há-de vir um dia em que os escritores portugueses encontrem um grande público compensador do seu labor mental.
Por seu lado, o Brasil, que se prepara para desempenhar na terra um grande papel, tem toda a vantagem em manter pela fidelidade a um padrão literário uma unidade idiomática, em todo o seu imenso território, sujeito a tantas influências diversas, e em encontrar já grandes núcleos da língua que fala espalhados pelo mundo.
Para que há-de o Brasil - preguntava já em 1926 um jornalista português a um moço escritor brasileiro - criar uma língua aparte, meu jovem amigo, se isso lhe virá de futuro dificultar a expansibilidade no mundo? Esta expansibilidade será tanto maior quanto mais fácil fôr a sua penetração. Suponha o meu amigo o Brasil magnífico procurando irradiar no mundo o seu poderoso comércio e a sua poderosa indústria. Onde terá mais fácil campo de acção? Nas terras que falarem a mesma língua, isto é, em Portugal e nas colónias portuguesas ...».

Pela grandeza ascensional do Brasil e pelo desenvolvimento de Angola podemos ter a antevisão orgu-