3 DE MARÇO DE 1944 187
Foi pela política atlântica que se fez a libertação da língua - já um espanhol ilustre chamou subtilmente a Os Lusíadas a nossa segunda Aljubarrota. Renegar esta política e voltar as costas ao Oceano equivale para nós a trair a própria missão histórica da raça.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: a Convenção firmada entre Portugal e o Brasil, e que, para ser aprovada, vem como proposta de lei do Governo Português à Assemblea Nacional, constituo, no meio de todas as naturais amarguras e legítimas apreensões do tempo presente, um documento de transcendental alcance e de consolador e promitente significado espiritual.
Assim o entenderam as mais altas magistraturas dos dois países, assim o reconheceu o Governo da Nação, assim o vai salientar, sem dúvida, a Câmara Política a que tenho a honra de pertencer.
Propositadamente ou disse na Câmara Política: é que assegurar a unidade, a defesa, a expansão e o prestígio do idioma nacional, que é também, pela graça e em serviço de Deus e por obra de portugueses, idioma do Brasil, é acto político impressionante e tanto mais quanto maior é a confusão acima da qual vem pairar a deliciosa serenidade de um Acôrdo que, por demasiadamente discutido, irritado e incompreendido noutro tempo que não vai longo, alguma vez terá chegado a parecer impossível de alcançar-se.
E quando se alcança? Quando humanistas e filólogos, academias e institutos de cultura especulativa e desinteressada, oportuna e sagazmente compreendidos pelos dirigentes de orientação de dois países colocados em distintas posições e latitudes, fazem aceitar, como matéria de interêsse comum, para si o para estranhos, o prestigio do idioma, fundamento maior da existência da Nação, base primeira da cultura, instrumento necessário da continuidade da civilização a que deu origem e a que servo do garantia maior.
Política do idioma, política da cultura, política é esta verdadeiramente do espírito, em sentido puro e não deturpado na precipitada leviandade tantas vexes possível a coberto de vertiginosa desorientação de nossos dias.
Portugal e Brasil, apoiando-se nas suas respectivas Academias de Ciências e de Letras, não firmam uma convenção para gôsto e orgulho do eruditos ou para glória, aliás merecida, de ilustrados cenáculos; tampouco para arrumar um assunto de Estado, de há muito pendente, e que em certas ocasiões pode ter -sido motivo do impertinências e objecto de magoadas preocupações diplomáticas.
As duas grandes Nações, colocada uma onde a Europa termina, situada a outra lá onde a América mais pelo coração e pelo espírito só aproxima da Europa, condensam em tal Acôrdo o anseio de uma comunidade de pensamento, de sentido universal, põem assim têrmo a infecundas dissensões passadas, definem em relação ao presente e ao futuro a consciência de uma fôrça moral e a certeza de uma indiscutível possibilidade de projecção espiritual no mundo.
Para além da vetusta riqueza do uma linguagem que se não desgastou nem morreu no acidentado giro do oitocentos anos do vida histórica e para além da pujança e fôrça que ganhou no frescor e na juventude de uma nova e criadora camada humana, instalada em território de excepcional exuberância, encontra-se - direi eu - na mútua compreensão do Acôrdo alguma cousa que é como que a expressão confiante e viril de uma filosofia da vida! Portugal e Brasil, decididos firmemente a assegurar a unidade, a defesa, a expansão e o prestígio da língua portuguesa no mundo, defendem e prestigiam a sua própria essência, suas mesmas cultura e civilização de sinal positivo, o sinal da fé e das eternas verdades e o jeito do império que ainda resta, triunfante, na grandeza espiritual do cristianismo católico que ambos os povos sempre serviram!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na guerra, como na paz, podem as nações em determinadas circunstâncias jogar sem querer a causa da sua própria existência; pode a conturbação profunda de certos momentos históricos determinar distintas atitudes para salvar idênticos patrimónios. Em estado de guerra o Brasil, e Portugal com sua lúcida, rigorosa, ainda que amargurada neutralidade, encontram serenamente para si mesmos horizontes de paz e de concórdia, procurando salvar essências, a fim de que não morram, e antes prevaleçam, aquelas ideas mestras que, mais do que bens próprios nacionais, nos habituámos a considerar ecuménicas expressões de um sentido espiritual da existência.
Vivem na língua portuguesa clamores do fé e actos de amor e do esperança, culminâncias de heroísmo e de tragédia, líricas ingenuidades românticas de saudade e mágoa e também rajadas brutais de intenso realismo, que nenhuma capacidade falta ao génio da língua, instrumento idêntico de meditação poética de el-rei D. Diniz ou de Olavo Bilac, de expressão em prosa de Fernão Lopes ou de Euclides da Cunha.
Mas, com sentido mais certo e mais profundo, prevalecendo em seus efeitos para além dos respeitáveis aspectos técnicos da linguística e da história literária, a linguagem unificada de Portugal-Brasil deverá ser em cada uma das Nações, no gigantesco agregado espiritual de ambas e na ampla roda do Mundo, a perfeita expressão ideal e formal de uma comunidade que ainda não sente a ruína no pêso dos anos, nem já sente a incerteza nas inquietações da juventude.
Unidade, defesa, expansão e prestígio.
Unidade da ortografia, defesa do valor e do rigor da forma, expansão o prestígio do conteúdo vivo e eterno em plenitude e maturidade, pois, senhores, em presença estamos de séria responsabilidade assumida pelos dois Governos, por suas doutas Academias, por todos os seus organismos responsáveis na instrução e na educação.
Todos estes objectivos harmónicos necessàriamente têm de ser orientados o alcançados nos próprios territórios nacionais de ambas as partes signatárias da Convenção.
Aqui - e com profunda razão o dizemos! - bem como no Brasil terá de consagrar-se um amor maior o um melhor cuidado ao tratamento que nos merece a materna língua, sem que por amor e cuidado queiramos, com caturrice o farisaísmo, dizer purismo inconformista ou renitente reserva aos constantemente novos afloramentos que sempre caracterizam uma língua viva e vivaz, ao serviço de uma civilização positiva e progressiva.
Quero eu dizer aquilo mesmo que em lucidíssimas palavras já disse um eminente escritor português contemporâneo: «aos nossos filhos deixemos, como melhor legado, depois dos ditames da moral e da honra, a língua portuguesa, viva, orgulhosa e incorrupta, para que a sua música não se dissolva no silêncio nebuloso dos séculos, mas seja eterna a sua voz do pensamento, a sua consolação de caridade, o seu frémito de paixão».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: à circunstância de viver a minha vida no ensino da língua e da literatura portuguesas e de ter profissionalmente servido, com mais amor