3 DE MARÇO DE 1944 189
de Lisboa, as primeiras provas tipográficas do vocabulário da língua organizado pela primeira daquelas instituições, em plena concordância com o nosso vocabulário e com o fim de vigorar no Brasil com carácter nacional. Significava êste facto que, quanto a tam momentoso e agitado problema, se entrava abertamente no caminho das soluções positivas e se dava execução, não com palavras de promessa, mas com obras irrecusáveis, ao acôrdo ortográfico intercontinental da língua portuguesa de 1931.
Agora um novo acontecimento da maior expressão e magnitude vem, Sr. Presidente, como que trazer o indispensável cortamento jurídico e legal à larga obra realizada para a defesa e expansão da língua portuguesa no mundo. Quero referir-me à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, firmada pelos dois Governos em 29 de Dezembro último, e de que é objecto a proposta de lei que temos neste momento sôbre a Mesa.
Por esta Convenção assegura-se a estreita colaboração de Portugal e do Brasil em tudo quanto interêsse à conservação e defesa da língua portuguesa, comum aos dois Países. Portugal e Brasil obrigam-se a estabelecer como regime ortográfico o sistema fixado pela Academia das Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras para organização do respectivo vocabulário. Finalmente, nenhuma providência legislativa ou regulamentar sôbre matéria ortográfica deverá de futuro ser posta em vigor por qualquer dos dois Governos sem prévio acôrdo com o outro, depois de ouvidas as duas Academias.
Não é intenção minha, Sr. Presidente, descrever deste lugar o que nos dois Países tem sido, de há mais de trinta anos a esta parte, nas suas flutuações e vicissitudes, a história da política da língua. Todos a conhecemos suficientemente para avaliar da importância e da grandeza do acto presente, que, de modo tam elevado e expressivo, vem oficialmente consagrar o entendimento, a união e a solidariedade dos dois povos no que de mais profundo e permanente os pode trazer irmanados perante si próprios e perante o mundo.
Apoiados.
O meu propósito é apenas vincar em breves palavras o valor e significado do diploma, apontado já como «único na história do direito internacional público», que é nesta hora trazido à apreciação desta Câmara e, de modo particular, mostrar à Nação brasileira o aprêço e o júbilo com que a Nação portuguesa regista o seu esfôrço, a sua actuação sem reservas, toda, a sua cooperação verdadeiramente carinhosa para que se chegasse, nas negociações em curso, ao resultado que hoje recebe nesta Câmara a sua última consagração.
O Brasil sentia, é certo, que resolvia um problema do espírito, mas deu provas de que sentia solucionar do mesmo passo um indeclinável problema do coração. Outro sentimento não pode exprimir o côro de vozes, vibrantes de emoção e de eloquência, com que as suas figuras mais eminentemente representativas têm exaltado os tesouros e sublimidades da língua portuguesa e pugnado abertamente pela sua unificação; nem outro sentimento humano havia capaz de inspirar o Ministro Gustavo Capanema quando, naquele dia histórico de 29 de Janeiro de 1942, com os olhos molhados de comoção, proclama solenemente, em nome do seu govêrno, o princípio da unidade da língua portuguesa em todo o mundo e, cônscio de que com essa unidade ela se tornará num meio de maior alcance e num mais rico elemento da cultura humana, declara firmemente aceitar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia das Ciências de Lisboa no ano áureo de 1940.
A vitória e a permanência da política de Getúlio Vargas, que, na frase dum seu comentador, «fez caracterizar as relações luso-brasileiras pela harmonia, pela compreensão e pelo entendimento», tornou possíveis as necessárias condições políticas para que todo êsse movimento de inteligências e de almas fôsse finalmente coroado do êxito que vivia, crepitante, no fundo da consciência nacional.
O mesmo podemos dizer quanto a nós, que tivemos a ventura de, na política da Revolução e, particularmente, na acção superior de Salazar no duplo domínio da política interna e da política externa, encontrar os meios adequados para resolver de forma definitiva êste velho problema, que é, afinal, dos que mais profundamente podem interessar às nossas riquezas espirituais - a nós, que, constituindo um país materialmente pequeno e pobre, temos no nosso património espiritual a nossa maior fortuna, o título da nossa maior ufania e - porque não o dizer?! - a própria luz dos nossos olhos, reflexo da luz que, em esplendores de epopeia, soubemos espalhar pelo mundo.
Mas neste momento o que pretendo, acima de tudo, é evocar a acção, tam grata para nós, que a nobre Nação Brasileira teve na solução do problema, para a saudar dêste lugar, com a certeza da mais profunda simpatia e da mais perfeita solidariedade com que a Nação Portuguesa a acompanha.
Que a língua portuguesa, em cujas doçuras se embalou o berço do Brasil e cujas magnificências têm imortalizado o verbo de tantos dos seus oradores e o canto de tantos dos seus poetas, «venha a tornar-se -no primoroso dizer do parecer da Câmara Corporativa - agente dos mais eficazes no renovo da latinidade» e, de modo especial, seja aquela língua, eterna e una, cheia de todos os segredos de beleza e de penetração com que o Brasil, ao lado de Portugal, faça ouvir no mundo de amanhã a sua voz pela causa da humanidade, pelos direitos do espírito, pelos princípios da civilização cristã - para proclamar e defender os quais pronunciamos as primeiras palavras.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Múrias: - Sr. Presidente: embora não tivesse dúvidas de que no momento em que se procede à formalidade da ratificação da Convenção Luso-Brasileira haviam de subir a esta tribuna Deputados mais apontados do que eu pelo seu saber para usar da palavra, pareceu-me que deveria vir também aqui, porque de certa maneira se me afigurou indicação a referência que quiseram fazer-me no parecer da Câmara Corporativa.
Receei que a minha ausência pudesse parecer acaso uma mudança nas ideas que defendi há muitos anos no estudo de que o eminente relator do parecer da Câmara Corporativa, o ilustre Prof. Gustavo Ramos, extraiu uma frase.
Sr. Presidente: foi há dezasseis anos. Acontecera que indo realizar a Conferência Pan-Americana de Cuba, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Dr. Octávio Mangabeira, entendeu determinar que os delegados do Brasil às conferências internacionais adoptassem como língua oficial o português. A frase, que julgo pela primeira vez se usou, e império da língua portuguesa» não quis então usá-la apenas com objectivo puramente literário, mas no seu mais amplo sentido. Tive realmente muito prazer em ver que essa expressão foi retomada há pouco tempo pelo ilustre Embaixador do Brasil em Portugal, Sr. Dr. João Neves da Fontoura, um dos signatários deste acto diplomático e político.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De novo, porém, e depois das lições verdadeiramente académicas dos oradores que me precederam, não parece mal que eu procure, embora com muito