188 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 53
do que merecimento, a causa da expansão da cultura nacional em países estrangeiros eu devo agora a pesada responsabilidade de ocupar esta tribuna.
Pois aqui, e por isso mesmo, eu quero afirmar bem alto que nos países por onde andei e nos outros em que não estive, mas de que conheço as condições da nossa expansão cultural, sempre sentimos a falta do Brasil a nosso lado, essa companhia necessária e amiga que connosco testemunhasse a grandeza passada e a certeza futura de Portugal, o prestígio de seus domínios e conquistas, o orgulho de suas criações culturais e civilizadoras, a razão de ser do seu império ainda fecundo é vivo.
Sentimos várias vezes a angústia e - porque não dizê-lo? - a injúria de verificar que mesmo em algumas Universidades estrangeiras mais se procurava conhecer a língua portuguesa com intuitos comerciais no Brasil do que pròpriamente com o desejo intelectual de assimilar uma cultura e eompreender uma civilização rica de conteúdo e vigorosa de expressões criadoras.
Faltava-nos ali o Brasil, a dizer das suas perspectivas ambiciosas, da sua estuante vitalidade, da sua insaciedade de conhecer e saber e, no sentido afirmativo, a ler e interpretar as páginas geniais de Rui Barbosa, lá nas mesmas cátedras onde nós dávamos expressão de lusitanidade às estrofes sonorosas de Camões.
Mais especialmente interessado nos aspectos da expansão e do prestígio externo da língua e da cultura luso-brasileira, quero crer, Sr. Presidente, que a Convenção agora submetida ao voto desta Assemblea - e à qual me obstino em não reduzir o alcance titulando-a de «ortográfica» - é o primeiro passo, tam seguro como imprescindível, para novos empreendimentos e mais eficazes realizações.
Venham à nossa vida, à nossa cultura, à extraordinária seriedade do nosso caso moral, social e político os mestres eminentes e os mais insatisfeitos estudantes do Brasil; que êles venham, para ensinar ou aprender, dar uma alegria sua às nossas escolas de tipo clássico ou de tipo técnico moderno; façamos comuns à mesma ansiedade de saber e de valorizar o homem os nossos institutos de investigação e de estudo; enriqueçam-se de livros brasileiros (que o momento é próprio e o ambiente justifica-o), já não direi sòmente as estantes das nossas bibliotecas, mas, mais e melhor do que isso, as inteligências dos nossos estudantes dos ensinos médio e superior; perfilhemos mùtuamente o respectivo escol de valores, que ser de Portugal é ser do Brasil, na mesma inquietação de espírito, no mesmo valor de conhecimento, no mesmo desejo de viver com entusiasmo e ardor.
Também nós temos de lembrar-nos mais do rumo do Brasil, até para sermos melhores acima da mediocridade do meio, para fugirmos à observação mórbida a que naturalmente se condenam, por fatalidade, os países neutros perante um conflito apocalíptico.
Façamos do Atlântico, correndo embora todos os riscos e perigos, não já a sepultura das nossas naus, mas o berço de nosso comum renascimento, e, pensando na brilhantíssima pléiade de jurisconsultos, médicos, pedagogos e homens de letras de além-mar, ofereçamo-lhes à meditação a igual grandeza de nosso passado e de nosso presente, dando-lhes como símbolo êsse facto extraordinário de haver podido ser, na beatitude do ambiente português e no «rude e doloroso idioma, última flor do Lácio» em que Plínio Salgado escreveu a sua extraordinária obra A Vida de Jesus.
«Quando os dois reinos se separaram fizeram-no em termos que não têm precedentes na história» - disse Salazar.
E se nós assistimos hoje às mais híbridas associações, hemos de lembrar-nos de que Portugal e Brasil, até mesmo quando se separam, o fazem sob o signo «da mais tema e carinhosa solidariedade».
Por tudo isto, a ninguém é lícito estranhar que, uma vez salvaguardadas as naturais circunstâncias próprias de cada Nação, se aproximem e sigam juntos aqueles grandes blocos que encerram uma reserva igual de valores espirituais, uma cultura identicamente entroncada e um idioma comum na base de todas as suas condições de vida.
Sr. Presidente: a Convenção que estamos apreciando entrega os dois Governos ao bom conselho de ambas as Academias, que em matéria ortográfica se declaram seus órgãos consultivos.
E ao mesmo tempo uma gratidão e uma confiança, as duas mais do que legitimas, porque sem o labor académico, lento mas seguro, certamente não teria sido possível a celebração do Acôrdo. E aqui vem a jeito lembrar com emoção todos os paladinos da aproximação luso-brasileira, os mortos e os vivos, que todos falaram linguagem de entendimento, todos os que souberam resistir aos critérios estreitos que separam e com amor e alma encontraram os caminhos seguros que conduzem à solidariedade e geram o mútuo respeito.
Com elementos dessas Academias e com tantos dêsses sinceros entusiastas pela salvaguarda da riqueza espiritual de Portugal e do Brasil bem poderiam os dois Governos, quando por melhor e mais oportuno o tivessem e ao abrigo das amplas promessas que podem desprender-se da presente Convenção, bem poderiam, digo, fazer nascer uma grande criação, comum aos dois povos do mesmo génio, que substituísse outros organismos inactivos e já anacrónicos e disciplinasse, contra o tumulto das propagandas fáceis e quási estéreis, toda a comum actividade das duas Nações responsáveis pela mesma cultura e esteios da mesma civilização.
Tal instituto orientaria a idêntica ambição de Portugal e Brasil no sentido da sua expansão no mundo e poderia chamar a si a realização das sugestões endereçadas aos dois Governos pelo Embaixador Nobre de Melo na conferência que realizou em l de Outubro de 1937, no Palácio do Itamarati, sôbre o «Intercâmbio cultural».
Essas sugestões, quási todas realizáveis em grande parte, não obstante as actuais condições da vida do mundo, e, sob certo aspecto, até já insuficientes, por incompletas, em muito contribuiriam para dar expressão prática aos objectivos, da Convenção e a todo o largo ideal de realizações que dela pode transparecer e que confiadamente esperamos.
Como quer que seja, sem que esqueçamos o lúcido e bem documentado parecer que a proposta de lei recebeu da Câmara Corporativa, aqui deixamos para essa proposta um voto de aprovação, para a Convenção um voto de esperança e para o Brasil um voto de fé na sua grandeza, no seu futuro, na sua projecção luminosa, que nós melhor do que ninguém compreendemos, porque falamos idioma comum às mesmas ideas e aos mesmos sentimentos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: na sessão de 13 de Março do ano passado tive a honra de, nesta Câmara, pedir a palavra a V. Ex.ª para me ocupar de um facto que então acabara de dar-se no domínio das relações entre Portugal e o Brasil e que, pela sua importância, bem merecia ser assinalado aqui, no seio da representação nacional.
Dias antes haviam chegado a Portugal, enviadas pela Academia Brasileira de Letras à Academia das Ciências