272 DIÁRIO DAS SESSOES - N.º 64
Portugal, todos o sabem e dizem, é um país essencialmente agrícola. A grande massa da sua população vivo no campo, do campo e para o campo, e dela saem as gerações e as energias que periódicamente rejuvenescem e revigoram as cidades e o império, o exército e a marinha, penhor sagrado da independência e da continuidade nacionais.
Querê-la robusta o saudável e postulado elementar do nosso amor pátrio.
Cumpre-nos, pois, auscultar lhe os males para eficientemente os combater, restituindo-lhe aquela alegria de viver que esta na base dos maiores empreendimentos humanos.
E não podemos ignorar, Sr. Presidente, que através do Estatuto da Assistência Social se podem realizar e satisfazer grande parte dos seus mais caros anseios e mais legítimas aspirações, no aspecto físico da saúde e no campo material da existência, de tam grande repercussão na ambiência moral e espiritual da vida.
Sr. Presidente: vivem a Europa e o mundo momentos angustiosos, em que o engenho humano parede tudo querer destruir, numa ânsia patética de criar um mundo novo sôbre as ruínas e os escombros fumegantes do passado, mas em cujos projectos as peças movediças e frágeis se não acertam ainda e oscilam consoante o critério mais ou menos vertiginoso do autor.
Entretanto o nosso Govêrno lança as bases seguras duma assistência social com vista a elevação moral e espiritual da grei, na qual há-de ter, e urge que tenha, o lugar que lhe compete a grande massa camponesa da Nação, "o grande alfobre da raça", no dizer dum professor ilustre que muito lutou pela sua justa e merecida emancipação. Hora prometedora e feliz, saúdo-a com o entusiasmo do quem sente pelo campo e pela sua gente um carinho e uma ternura que lhe vêm do berço e pelos seus problemas mais instantes uma familiaridade que nasceu em muitos anos de convívio.
Uma vez que se trata, Sr. Presidente, e muito bem, numa verdadeira política de assistência, de executar o principio expresso no espirito da proposta, do que "é socialmente mais eficiente e ecoòbmicamente mais útil prevenir os males do que vir a procurar-lhes remédio", impõe-se um largo e profundo estudo das condições do vida da nossa população rural, a fim do eficientemente se lhe lançar o cinto de salvação, com todas as probabilidades de êxito e segurança.
E essa vai ser decerto, apesar do limitado mas talvez suficiente articulado da proposta que lhe diz respeito, uma das paredes mestras do plano de acção, do vasto plano de acção, que vai suscitar e promover a promulgação do Estatuto da Assistência Social, seu regime jurídico.
E porque assim e, e assim espero, e assim esperamos todos, permito-me focar, ainda que em rápido e fugidio apanhado, algumas das necessidades fundamentais, que não foram esquecidas na proposta, mas mais devem ser lembradas nos regulamentos e decretos complementares.
Sr. Presidente: está geralmente aceite e universalmente reconhecido que a habitação, a alimentação e o vestuário são elementos basilares da vida humana, e por toda a parte onde uma verdadeira política de revigoramento da raça tem lançado unhas o seu estudo tem merecido carinhos especiais, cujos resultados se não tem feito esperar.
Entre nós a Universidade Técnica, por intermédio do Instituto Superior de Agronomia, no seu Inquérito Económico Rural e no mais recente Inquérito a Habitação Rural, de que está publicado o primeiro volume, relativo às províncias nortenhas, prestou grande e meritório serviço à cultura nacional fornecendo aos estudiosos dados seguros sôbre a faceta rural do problema que o Estatuto da Assistência equaciona e foca.
Com efeito, uma análise dos três referidos elementos fundamentais da vida humana - alimentação, vestuário e habitação - revela-nos profundas deficiências e insuficiências e abre-nos largo caminho de realizações.
Uma grande parte dos nossos trabalhadores rurais vive mal. A sua alimentação, especialmente em certas épocas do ano, e escassa e quási sempre desequilibrada. Predominantemente constituída por hidrocarbonatos, tem por vezes excesso de elementos energéticos e deficiência quási permanente de elementos protectores.
O seu valor como reparadora do fôrças e criadora de energia e vitalidade e, por vezes, inferior ao seu custo, podendo o mesmo indivíduo, com um pouco mais de saber, obter melhor sustento com o mesmo dinheiro.
No litoral tenho verificado que a abundância de peixe mitiga um pouco a monotonia alimentar que caracteriza, em toda a Europa, mais ou menos, o regime alimentar do camponês, cuja base é geralmente constituída por cereais, que chegam a atingir 80 a 90 por cento do valor energético da sua alimentação.
Como preconiza, e muito bem, o parecer da Câmara Corporativa, impõe-se um estudo do problema alimentar e uma série de medidas tendentes a orientar e melhorar a sua composição e eficiência, tam certo poder-se-lhe atribuir a responsabilidade por grande numero de doenças, entre as quais a diarreia infantil e a tuberculose estão em primeiro plano.
Pelo que diz respeito ao vestuário, nós todos sabemos como o inverno é penoso e duro para os pobres trabalhadores do campo, quantos dêles vestidos com fatos obtidos por esmola e expostos, sobretudo as crianças, ao rigor das intempéries e a, ceifa das doenças pulmonares.
Por outro lado, essa indumentária não tem geralmente muda e é uma tal manta de retalhos que se torna impossível lavá-la, amontoando de mês para mês nova camada do imúndicie e agentes patogénicos. Durante a noite os agasalhos dos leitos são tam reduzidos que se limitam quási às roupas do dia.
Ora a proposta de lei em discussão não esquece estas realidades, visto que na sua base XI prevê que a insuficiência da economia familiar deverá ser suprida pela concessão de subsídios de alimentação ou agasalho.
Dando-lhe o meu caloroso aplauso, faço votos por que os camponeses da nossa terrra sejam alvo da merecida protecção e carinho.
Finalmente tratamos da habitação rural, por cujo estudo e remodelação se tem manifestado nos últimos anos um justificado movimento de interêsse em todo o mundo.
Entre nós, muito recentemente mesmo, a nossa imprensa tem ventilado o problema da casa rural, com meritória intuição do seu grande alcance no novo arranjo e equilíbrio das reservas e energias nacionais.
Com efeito, a casa rural representa um problema que urge estudar e se impõe resolver a bem da Nação.
Reconheceu o Prof. Lima Basto que o problema da habitação não tem tanta acuidade nas regiões rurais como nas regiões urbanas, sob o ponto de vista quantitativo, mas já o mesmo não sucede sob o ponto de vista qualitativo, pois se tem verificado que nas regiões rurais os alojamentos se encontram manifestamente num nível inferior ao dos centros urbanos.
N6s todos podemos verificar, Sr. Presidente, como os casebres da maior parte dos nossos camponeses são acanhados para as suas famílias, geralmente numerosas, mais numerosas que as da cidade, insalubres e desprovidos das mais elementares regras higiénicas, o que uma assistência técnica poderia remediar, pelo menos nas novas construções, e isto como realização imediata, antes de esboçado mais largo plano.
É que a casa rural, cenário indispensável e informador da família e do lar da maior parte dos Portugueses,