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274 DIARIO DAS SESSÕES - N.º 64

pel em que se achavam inscritos? Parece-me, Sr. Presidente, que é tempo de professarmos a fácil coragem da verdade. Enganar-nos-íamos a nos mesmos se julgássemos que, ainda que só com as velhas mistificações demagógicas, podíamos iludir aqueles que pedem justiça, mas não querem sentir-se ludibriados. O Estatuto da Assistência Social, que ora se estuda, não será talvez um cartaz de propaganda nem um estandarte de popularidade. Mas é, repito, o real contra o fictício.
A meu ver, o que caracteriza esta proposta, aquilo que nela verdadeiramente se nos impõe, não é apenas a sua estrita harmonia com a nossa tradição assistencial; é também o seu rigoroso equilíbrio com as nossas possibilidades materiais, a sua perfeita concordância com as realidades em que vivemos e com que temos de contar. E êsse sincronismo com a verdade o que aos nossos olhos o torna digno de todos os encómios e merecedor da nossa solidariedade de homens que, sem custo, trocam os aplausos da rua pela mais modesta tranquilidade da sua consciência.
Sr. Presidente: nós sabemos - e já aqui foi isso lembrado - que, como nos disse quem de direito, o Estatuto e principalmente a filosofia da assistência. Mas justamente porque é filosofia, o Estatuto contém todas as noções que nos são essenciais. Por êle sabemos quais os serviços que são função do Estado e cuja manutenção exclusivamente lhe cabe; por êle sabemos o que se espera da iniciativa particular, mesmo quando o Estado a haja de favorecer ou completar.
Outro principio fundamental reconhecido e proclamado pelo Estatuto e o da assistência exercida por forma a proteger e consolidar a família, como é absolutamente indispensavel que se pratique num Estado como o nosso ou numa sociedade que, acima de tudo, cuida de defender e quere guardar as instituições basilares de uma ordem verdadeiramente cristã. Assim se enunciam no Estatuto os princípios necessários a assistência a dispensar a maternidade e a primeira infância, tal como se reconhece que essa política pressupõe a resolução do magno problema da habitação. Este cuidado mostra-se na base XI, na qual se refere à necessidade de promover a obtenção de habitações salubres. Outro tanto se verifica quanto à obtenção de meios de trabalho e à concessão de subsídios de alimentação em casos de insuficiência da economia familiar. Não trata o Estatuto, é certo, da racionalização dos alimentos, segundo o estilo de certos reformadores ansiosos. Mas é que nessa matéria parece estar cientificamente provado que não há nada que contenha mais vitaminas do que o velho e tradicional caldo verde ... Não se julgue, porém, que circunstâncias como essa limitam ou reduzem as perspectivas do Estatuto em discussão. Em muitas das suas disposições existem regras para atacar males que podem revestir outro carácter, como se deduz, por exemplo, da base VII, a qual alude ao combate a alguns flagelos, como a tuberculose. Tudo figura no Estatuto com o remédio aconselhável, ou tudo fica subentendido para os desdobramentos que, em conformidade com o próprio texto, o Estatuto comporta. Tem-se notado a êste respeito que a base VII só a alguns males maiores se refere. Não me parece que a intenção do Govêrno, ao apresentar a proposta, fôsse fornecer à Assemblea Nacional o cadastro, por vezes indesejável, de todas as doenças existentes no quadro das chamadas «doenças infecciosas». A verdade é que no Estatuto ficam consignadas a necessidade e a oportunidade de combater êsses males, como se pode verificar pela sua base X.
De resto, o Estatuto reconhece que certas grandes medidas podem ser necessárias para tornar eficiente a defesa contra determinados flagelos, e dai vêm os centros do profilaxia, os hospitais gerais e especializados, os sanatórios e todos os outros estabelecimentos a que faz alusão a base XIV do Estatuto. Não há, de facto, na proposta, sôbre a qual se vai pronunciar a Assemblea, omissão de qualquer dos problemas essenciais da politica assistencial. Pode, sem dúvida, fazer-se dialéctica a propósito da sua redacção numa ou noutra base. Mas não é isso o que importa. O fundamental do Estatuto é o seu espírito. Êsse é que conta, êsse é que importa aos homens com a nossa formação e, direi até, com a nossa experiência.
Há que considerar, aliás, que qualquer grande obra de caracter social não pode ser realizada de um jacto e que só por étapes se podem alcançar os objectivos desejados. Dir-se-ia, ao ouvir certos comentadores, que tudo poderia ser definitivamente arrumado se, em face dos problemas da assistência, se decidisse adoptar um plano geral que em si encerrasse todos os remédios para, todos os males ... Nós vivemos, Sr. Presidente, na era dos planos. Não há quem não tenha o seu e quem, com papel e lápis, não julgue poder, de uma vez, resolver satisfatòriamente os infinitos aspectos do problema assistencial. O nosso Govêrno é mais modesto - e mais modesto porque sabe que tudo neste domínio não só tem de ser o resultado da experiência, mas só pode ser atingido por medidas e ensaios sucessivos. No entanto, Sr. Presidente, porque é que ao nosso Estatuto se não há-de chamar o Plano do Govêrno de Salazar? O Estatuto tem, como qualquer plano, princípios a que obedece, a enunciação das finalidades a que visa e indicação dos meios que hão-de tornar possível a sua execução. Não será isto um plano, Sr. Presidente? Não devíamos perder tempo com êste jôgo de palavras, mas eu penso, Sr. Presidente, que se se desse ao Estatuto êste moderníssimo nome de plano, tanto ao sabor da moda, a êle se não oporiam reservas de qualquer espécie.
Nos nossos dias não há, por exemplo, nada que mais corresponda aos sonhos dos povos e dos seus reformadores do que o famoso Plano Beveridge. Êle tem inspirado por toda a parte as maiores superstições. Em primeiro lugar, julgar-se-á que o plano Beveridge nasceu como um acto espontâneo e suficiente num país como a Inglaterra, que há tantos séculos, como nós, consagra a sua atenção a problemas desta natureza? Grande erro seria pensá-lo. O Plano Beveridge nem brotou de um jacto nem, sobretudo, e o ultimo passo no curso do que chamaremos a politica social da Inglaterra. Muito haveria, de resto, a dizer sôbre a índole dêsse plano, naquilo evidentemente em que o seu confronto se pode fazer com o nosso Estatuto. Em matéria assistencial, duas grandes ideas são comuns aos dois projectos, e não queremos, já agora, deixar de as assinalar. São elas: só valor social das mãis puericultoras e o valor económico das donas de casa. Simplesmente, como V. Ex.ª não ignoram, nem mesmo num país com os extraordinários recursos da Grã-Bretanha e com o seu admirável génio social, nem mesmo ali, por causas de diversa ordem, foi possível ao Govêrno adoptar em bloco um tam extenso plano. Preferiu-se-lhe outro caminho: o de seguir por étapes, em escalões compatíveis com as circunstâncias. V. Ex.ªs hão-de ter certamente noticia de que há bem pouco se publicou na Inglaterra o livro oficial que contém um outro plano: o da defesa da higiene ou da saúde nacional, com as providências precisas para a reforma dos hospitais e arregimentação de médicos e enfermeiros. Para além dêste facto, sumamente significativo, só poderemos citar as singulares analogias entre o novo plano inglês e o nosso Estatuto. No projecto britânico sôbre a saúde nacional está em plena derrota a doutrina estatista. Os principios que informam o plano inglês coincidem de tal modo com os do Estatuto em discussão que dir-se-ia terem sido inspirados na mesma fonte. Mas o nosso leva cronològicamente prioridade sôbre o alheio, como tantas vezes, de resto, tem aconte-