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278 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 64

Tê-los-ia encontrado, trágicos e eloquentes, na sujeição de Atenas a Roma, derivada em grande parte do estatismo de assistência; tê-los-ia encontrado na própria Roma, perdida pelos seus latifúndios, frios e egoístas; bastou porém à Igreja a sugestão da sua própria doutrina para criar uma assistência, cujo, função pertence às iniciativas particulares, deixando ao Estado a função supletiva, fomentadora e coordenadora.
E foi assim que se criou a assistência corporativa, que exerceram os nossos conventos, os nossos mosteiros, os nossos paços episcopais, e foi assim que se criaram trabalhos, que se criaram famílias, e foi assim que se fez a Europa, gloriosa e grande, e Portugal se projectou através do mundo - que foi fazendo assistência espiritual ao mundo, que se criou a nossa epopeia marítima. Essa organização de assistência, quem concorreu para ela? Concorreram os senhores feudais, concorreram os reis, rainhas e princesas, os senhores da finança de então, concorreu afinal o «sobejo» e foi com essa riqueza que se organizou toda a nossa gloriosa assistência tradicional.
Quando os príncipes luteranos confiscaram esses bens que eram o património dos pobres, o Estado assumiu então as funções de assistência, criando pelo imposto a caridade legal. Qual foi o resultado? O resultado foi, em França, o escândalo dos milhões das congregações, confiscados aos pobres com Valdeck-Bousseau; foi o escândalo do milhão de Crispi na Itália. E entre nós não houve escândalo de milhões, porque os não tínhamos; mas tivemos outro escândalo, que se praticou com o esbanjamento do património dos pobres, reunido há longos séculos pela caridade particular, o escândalo de uma legislação funesta, em que avulta a desamortização dos bens das Misericórdias.
Entretanto, a Inglaterra, que ensaiava o regime de assistência como função do Estado, breve reconheceu o erro em que caíra e regressou à prática tradicional da assistência particular, levada ao extremo, em todas as suas manifestações e agora mesmo, que acaba de entregar aos técnicos o projecto de «assistência médica nacional»; nêle estabelece princípios e métodos de realização largamente coincidentes com os que consigna a proposta de lei que estamos discutindo. E com razão, nesta hora de profundas e bruscas transformações sociais, hora de incertezas e instabilidades, urge, antes de tudo, fixar o que há de estável e eterno, para sôbre êle construir as realizações assistenciais que as circunstâncias vierem a sugerir ou a impor.
A proposta, tal qual está redigida, pelo método doutrinal que segue, representa uma iniciativa da mais alta importância política e da mais clamorosa urgência social. E o pensamento que comanda a acção, mas a acção terá de acomodar-se às circunstâncias em que tiver de realizar-se.
Por todos as suas características, pelos métodos de trabalho quo emprega, pela projecção profunda que oferece, a proposta mereço o meu voto.
Dou-lho, portanto, Sr. Presidente, não só pelo que ela. vale objectivamente, mas por esta circunstância particular: o mundo bate-se num conflito apocalíptico; nessa luta gigantesca não se disputam interesses políticos ou económicos; está-se jogando o próprio destino da civilização, a soberania espiritual da Europa. Nós marcamos nesse duelo a nossa posição. O Estatuto da Assistência Social contém mais que as bases que servem ao seu ordenamento jurídico, porque são a afirmação dos grandes princípios da civilização, de que nós fomos portadores através do mundo. Como homem, como sacerdote, como português, por esta nova razão, dou o meu voto à proposta que está em discussão, esperando que ela possa concorrer para uma justa distribuição de bens, em que todos os pobres possam encontrar segurança e aperfeiçoamento de vida e o País possa continuar a sua missão gloriosa de assistir, com os valores do Evangelho, a todos os povos que dêles precisem para sua paz e glória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate na generalidade.
Suspendo a sessão por uns minutos.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, na especialidade, a base i da proposta de lei sôbre o Estatuto da Assistência Social.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém quere fazer aso da palavra, vai proceder-se à votação.

Submetida à votação, foi aprovada.
Seguidamente, submetida à votação a base II, foi também aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III.
Sôbre esta base está na Mesa uma proposta de alteração, assinada pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos, do seguinte teor:

«1. Compete ao Estado e às autarquias locais manter ou organizar, em regime oficial, a prestação da assistência, em matéria de sanidade geral e de outros serviços cuja complexidade, técnica de organização e funcionamento o a gravoso custo, carácter de necessidade e continuidade, indispensável uniformidade e extensão, ou outras condições de superior interêsse público, assim o aconselhem.
2. A função do Estado e das autarquias locais na prestação da assistência sob outros aspectos é normalmente supletiva das iniciativas particulares, que àquele incumbe orientar, tutelar e favorecer.
3. Devem o Estado e as autarquias locais suscitar e animar as instituïções particulares, promovendo e sustentando eles próprios, dentro das possibilidades económicas, as obras de assistência que as necessidades reclamarem e a que a iniciativa particular não ocorra, desoficializando-as logo que isso se torne possível, sem prejuízo da sua eficiência».

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: propus para apreciação desta Assemblea a substituição que V. Ex.ª acaba de ler.
Esta proposta de substituição não é mais do que a concretização do meu ponto de vista formulado aqui na discussão na generalidade da proposta do Estatuto da Assistência Social.
Pretendo tam somente com essa alteração deixar à iniciativa governamental o condicionamento das circunstâncias em que ao Govêrno, no cumprimento de um dever que lhe cabo e que se encontra expresso no n.° 3.° do artigo 6.° da Constituição, cumpro exercer a sua acção em matéria de assistência social.
Pela proposta do Govêrno ficavam ao Estado, além dos serviços do sanidade geral, todos aqueles outros