21 DE MARÇO DE 1944 275
cido na história portuguesa da assistência. No plano britânico acham-se todos os princípios que nós temos por fundamentais: a cooperação do Estado com as instituições chamadas voluntárias; a coordenação das instituições oficiais com as particulares; a responsabilidade das regiões pela assistência que lhes deve competir; a acção orientadora e de inspecção especializada como função superior do Estado. Aqui tem V. Ex.ªs como a experiência secular e o instinto social dêsse grande povo, que é o povo inglês, o não levou a directrizes diferentes das nossas. O mesmo pensamento nos conduz a esta conclusão comum: é que é indispensavel opor-se a todos os ensaios colectivistas em nome não só do passado, mas em nome também do senso comum e da necessidade de um justo equilíbrio social para cada povo.
Fiz propositadamente referencia particular ao Plano Beveridge porque, embora só em parte se ocupe de matéria assistencial, êle se converteu em autêntico paradigma de todas as quimeras sociais e no ideal de todos os reformadores. A verdade, porém, é que o plano não constitue uma dessas medidas isoladas que tudo pretendem remediar. Já vimos que providencias mais recentes são propostas na Inglaterra. Isto é: nenhum dos dois planos ingleses foi um simples acto de geometria, mas sim o produto de uma longa e lenta elaboração, ao qual se chegou por vias morosas e nem sempre fáceis. E no espirito dos legisladores não existiu nunca a convicção de que haviam feito obra definitiva.
Imagino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Govêrno, ao submeter-nos a proposta que ora apreciamos, também não pretende que o Estatuto da Assistência seja um bloco insusceptível das alterações que o tempo e as circunstâncias venham a aconselhar. A prova de que é diferente o conceito que o move está na própria letra do Estatuto, que em mais de um passo alude a necessidade de regulamentos e de disposições especiais que o completem ou, mais exactamente, o definam.
Apenas uma cousa desejamos nós: é que se mantenha o espirito do Estatuto, porque a êsse é que consideramos essencial, dentro da nossa tradição e das nossas aspirações; suficiente para, sem o abandono das normas clássicas e portuguesas, vir, mesmo no futuro, a dar satisfação às exigências do nosso País.
Sr. Presidente: da proposta do Govêrno de Salazar não queremos que ninguém possa dizer o que um critico exigente chegou a escrever, no Times, do Plano Beveridge: «por êste plano abre-se o caminho para a ruína moral da Nação, a via do enfraquecimento do espirito de iniciativa, do estimulo da concorrência, da coragem e da confiança que cada um tem em si; substitue a insistência nos deveres pela insistência nos direitos e a caridade pessoal pela caridade colectiva. E o caminho para a inacção e não um sistema de vitalidade da nossa civilização, mas antes do seu fim próximo».
Isto se não dirá do Estatuto; por isso queremos que ele viva e continuamente se acrescente com as aquisições parcelares e sucessivas que contra a vã geometria das reformas a experiência consagrar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que eu, por circunstancias que V. Ex.ª conhece, entre imediatamente no assunto sem qualquer exórdio ou preâmbulo.
Podia dispensar-me, na altura em que se encontra o debate, de subir a esta tribuna; no entanto, pensei que o devia fazer para marcar a minha posição sôbre o problema que e a linha mestra da proposta, problema que envolve outros graves problemas, problema de importância fundamental e que, por si só, compromete os grandes valores que servem de base à civilização - o valor da pessoa humana, o valor do trabalho, da família, o valor da propriedade, o valor do poder político. Tal problema senhoreia e domina toda a economia doutrinal da proposta.
Sôbre tal problema não podia nem devia eu ficar calado.
Refiro-me, Sr. Presidente, à questão de saber com exactidão a quem pertence a função da assistência. Tanto no parecer da Câmara Corporativa como na proposta atribuem-se, quer ao Estado, quer as pessoas particulares, actividades de ordem assistencial.
O problema, põe-se, porém, em outro plano, a saber: a quem pertence a prestação da assistência pròpriamente dita, ou seja a quem pertence a função de fazer assistência?
A base III responde que pertence às actividades particulares. E eu creio que esta opinião é a única que se harmoniza com os bons princípios, com a nossa tradição e com preceitos legais.
Para compreender esta doutrina, parece-me conveniente recordar e fixar com clareza o conceito da assistência. Em que consiste, pois, a assistência? Em distribuir casas higiénicas, vestuário decente, pão abundante? Em edificar creches, lactários para todas as crianças, asilos para todos os jovens, hospitais para todos os doentes, albergues para todos os velhos? É, porventura, a parte menos interessante de assistência.
A assistência resulta do direito que o homem tem à vida e dos meios necessários para a aperfeiçoar. Lendo a proposta, verificamos que na base I se afirma que a assistência social propõe-se valer aos males e deficiências dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições económicas, morais e sanitárias dos seus agrupamentos naturais.
E logo adiante, na base VI, encontra-se doutrina mais perfeita ainda: «a assistência terá em conta o aperfeiçoamento da pessoa a quem é prestada e da família ou agrupamento social a que pertencer».
E adiante: «a assistência tem de aproveitar todas as faculdades excepcionais e as vocações que venham a revelar-se entre os seus pupilos, para que êstes possam valorizar-se tanto quanto seja possível». A assistência é paralela da vida e deve exercer-se em todos os planos e exigências em que ela se exprime.
Quere dizer: a assistência tem de ser uma realidade complexa para que possa assegurar ao homem as condições de êle realizar o seu próprio destino. Assim: assistência consiste no condicionalismo que permita aos assistidos viver e realizar a plenitude ela sua personalidade.
Dois planos distintos verificamos na assistência: o plano a que podemos chamar económico e o plano moral ou espiritual.
Observemos êsses dois planos: a quem compete fazer assistência económica e a quem compete fazer assistência moral ou espiritual? Primeiro: a quem compete pagar a assistência?
Evidentemente que pagar a assistência compete àqueles que têm com que pagar. Apenas convém saber se aqueles que têm com que pagar devem pagar por doação ou por imposto, por vontade e com mérito ou por impostos constrangidos. Êste é o fulcro da questão, a base mesma do problema. E, posto assim o problema, uma única solução se apresenta: a assistência, em face da própria Constituição e em face dos próprios fins do Estado Novo, deve ser paga por doação, não por imposto.