21 DE MARÇO DE 1944 279
cuja complexidade ou superior interêsse público aconselhassem manter em regime oficial. Com a minha alteração pretendo enriquecer, se assim V. Ex.ª permite que me expresse, esse mesmo condicionalismo e estabelecer quais as circunstâncias em que o Estado deve chamar a si o dever de cumprir a prestação da assistência, por forma «a zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que elas desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente».
Na política do Govêrno de valorizar em todos os sectores da actividade nacional o nosso património moral, económico e humano, todos nós sabemos que o Estado tem procurado estabelecer uma hierarquia de valores e de necessidades como tem procurado mobilizar aqueles em função da satisfação destas.
Os planos de acção do Govêrno têm sido numerosos, variados, e têm abrangido, pode dizer-se, toda a vida nacional, e nunca ninguém, creio eu, se lembrou de censurar o Governo por pôr em esquema e mobilizar todas as possibilidades para realizar as necessidades fundamentais da Nação, sobretudo no que toca ao aspecto económico.
Se assim tem sido, se nós ainda neste momento aguardamos com ansiedade a iniciativa do Governo quanto a novos planos noutros sectores onde ainda não chegou a bemdita iniciativa do Estado, 4porque havemos de tratar por forma diferente o problema da assistência social, que mais que nenhum outro tem preocupado sèriamente o mesmo Govêrno?
Quem me conhece - e peço licença para invocar a minha própria experiência pessoal, porque não sou o primeiro que o faço nesta tribuna - sabe que ao tomar esta posição respondo inteiramente à minha posição de sempre e em que a Revolução me veio encontrar.
Penso assim há vinte e cinco anos; porque não hei-de pensar assim, hoje mesmo?
Todos nós sabemos que há necessidades em matéria de assistência social que exigem do Govêrno uma actuação imediata e rápida, que exigem que o Govêrno mobilize os recursos, de que só êle é juiz, para satisfazer essas necessidades, e foi precisamente nesse sentido e apenas com esse significado que eu propus a alteração à base III, estabelecendo e discriminando quais os imperativos de interêsse nacional que deviam levar o Governo a, desde já, mobilizar a favor dêsses grandes problemas de assistência social a sua actividade e os seus recursos.
Demais a mais o próprio Govêrno já confessou esta mesma política, e quando se censura a posição de não se querer reservar para o Estado, em matéria de problemas vitais para a Nação, uma função, absolutamente supletiva, esquece-se que o Governo, no relatório que precede o decreto n.° 30:389, de 20 de Abril de 1940, já aí estabeleceu também doutrina a esse respeito: a acção do Estado é supletiva, menos quanto às despesas do que quanto à actuação directa.
Foi em obediência a êste imperativo do próprio Govêrno que entendi dever propor a base que está em discussão.
Disse.
O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: a importância da proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos à base m e a forma brilhante como o seu autor a defendeu impuseram me o dever de subir à tribuna para fazer umas ligeiras considerações sobre essa proposta de alteração.
Tanto quanto pude alcançar de um breve exame sôbre ela e do confronto com a base III da proposta de lei em discussão, parece-me que, fundamentalmente, a proposta do Sr. Deputado Oliveira Ramos diverge daquela no seguinte: emquanto que a proposta de lei em discussão, na base III, começa por afirmar o princípio de que a função do Estado em matéria de assistência é supletiva, na proposta do Sr. Deputado Oliveira Ramos altera-se essa ordem, começando por determinar-se, acentuando-a, a competência do Estado e das autarquias locais em matéria de assistência.
É certo que na proposta do Sr. Oliveira Ramos também se afirma que a função do Estado e das autarquias locais é, sob outros aspectos, supletiva.
Mas essa afirmação vem já em segundo lugar; e isso tem sua importância.
Efectivamente, parece que a proposta de alteração pretende reforçar e impor por esta maneira e ainda pelo condicionamento apertado que estabelece à acção do Estado a sua intervenção assistencial e dar maior vulto à idea de uma mais forte obrigação do Estado em matéria de assistência.
Invocou o Sr. Deputado Oliveira Ramos em favor da defesa da sua proposta a própria atitude que o Govêrno teria assumido já noutro diploma legislativo. Não tenho aqui êsse diploma, mas não ponho em duvidadas afirmações feitas pelo Sr. Deputado. Mas temos de partir do princípio de que a Assemblea está a legislar, e portanto tem de decidir se os princípios consignados na proposta de lei em discussão e a política de assistência que ela comporta merecem a aprovação da Assemblea ou se porventura é a orientação defendida pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos aquela que deve ser seguida.
Sr. Presidente: foi feita aqui durante a discussão na generalidade uma ampla e brilhante defesa do princípio, consignado na base III, de que a função do Estado em matéria de assistência é uma função supletiva das outras actividades. Não posso acrescentar mais nada àquilo que já tam eloquentemente aqui foi dito. E, de resto, seria isso desnecessário, dado o que o Sr. Deputado Oliveira Ramos, êle próprio o reconhece na sua proposta de emenda.
Mas então, além dessa alteração, que mais interessa?
A proposta de alteração condiciona a obrigação de o Estado intervir, em matéria de assistência, à complexidade, técnica de organização e funcionamento dos serviços ou seu gravoso custo, carácter do necessidade ou continuidade, indispensável uniformidade e extensão ou outras condições de superior interêsse público.
Da proposta de lei há aqui duas condições que são comuns a esta proposta de emenda, que são a da complexidade dos serviços e a do interêsse público. Quero dizer, reconheceu a proposta de lei que para serviços de grande complexidade, e sempre que o interêsse público o exija, deve o Governo intervir na assistência. Os serviços de assistência nesse caso pertenceriam ao Estado.
Ora eu suponho que dentro destas duas condições só contém tudo. Quando os serviços sejam duma grande complexidade e, portanto, a iniciativa particular não os possa realizar de uma maneira satisfatória, sempre que o interêsse público o exija o Estado intervirá.
E parece-me que das próprias palavras do Sr. Deputado Oliveira Ramos referentes à acção do Govêrno nós não temos que hesitar em deixar a acção do Estado amplamente condicionada, como está na proposta de lei em discussão. O Govêrno será o juiz da complexidade dos serviços e será o juiz da oportunidade de intervir no superior interêsse público. Condicionar excessivamente essa acção pode, em vez de favorecer uma maior intervenção, entravá-la.
Reconheço, aliás, que a proposta de alteração do Sr. Deputado Oliveira Ramos visa uma política que está no espírito da Câmara, quere dizer, uma política de uma realização cada vez mais intensa e mais forte no domínio da previdência e no domínio da assistência. Foi essa mesma política que a Assemblea acentuou durante o debato na generalidade.