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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 167
Por sua vez as cidades e as feiras passaram a ser mais visitadas, colhendo fartos benefícios da intensificação do respectivo comércio.
E até os caminhos de ferro beneficiaram do afluxo de passageiros e de mercadorias, mercê do novo sistema de transportes, e infinitamente maiores teriam sido as vantagens auferidas se uma série lamentável de circunstâncias não tivesse entravado a sua indispensável adaptação ao período de renovação que em boa hora nos visitara.
Repito: só quem correr o País através da nossa já importante rêde de estradas é que poderá avaliar a importância dos melhoramentos recentes, o desenvolvimento do trabalho nacional em todas as suas modalidades e o nosso crescente povoamento mercê do progresso do automobilismo, considerado nas suas múltiplas facêtas de transportes colectivos, tanto de passageiros como de mercadorias, de aluguer e ainda os particulares, quer ao serviço particular dos seus proprietários, quer como instrumentos de trabalho para valorização da lavoura, de múltiplas indústrias e do comércio em geral.
Mas, no que respeita aos camionistas, não deixarei êste tema sem prestar homenagem aos que, isoladamente e sem qualquer protecção, arriscaram todos os haveres do casal para explorarem uma modesta carreira que, iniciada geralmente com um simples veículo (quantas vezes hipotecado e suportando as exigências da usura), tendo por condutor o proprietário e constituindo emprêsas de cunho absolutamente familiar, proporcionaram aos seus conterrâneos comodidades e vantagens que, concorrendo para o progresso local, largamente contribuíram para o incontestável progresso que se vem registando nos dezanove anos de vigência do Estado Novo.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: a legislação carecia de adaptar-se àquela admirável realidade, não a contrariando, antes estimulando-a, mas procurando organizada e dotando-a com os preceitos indispensáveis para garantia do público e da Nação.
Já em Maio de 1911 se legislara sôbre tam importante assunto, mas o Estado Novo logo de início codificara e actualizara os preceitos reguladores da matéria.
Contudo, em 1930, competiu-me intervir no importante problema, e, depois de aturado estudo, em que tive a colaboração de competentes devotados, sobretudo de delegados da benemérita instituïção conhecida por Automóvel Clube de Portugal, foi publicado, em 31 de Maio do mesmo ano, o decreto n.º 18:406, conhecido por Código da Estrada.
Antes da minha entrada para o Govêrno fora criada uma taxa de salvação nacional sôbre gasolina. Mas foi em 30 de Dezembro de 1929 que o decreto n.º 17:813, criando novas taxas sôbre gasolina, óleos, câmaras de ar e protectores de borracha (pneus), terminou com a série interminável de encargos que oneravam e afrontavam com formalidades sem conta o automobilismo em geral, em que avultavam várias taxas municipais cobradas nas barreiras dos diferentes concelhos, obrigando a constantes e demoradas paragens e expondo a multas, processos e outras conseqüências entravantes e irritantes.
Esta feliz fórmula foi depois adoptada em diferentes países.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Pode afirmar-se que da sua promulgação, conjugada com a grande melhoria verificada nas estradas nacionais, municipais e vicinais, data o grande desenvolvimento do automobilismo em Portugal, como pode concluir-se da crescente importação de veículos, desde então realizada, dos registos das comissões técnicas e do contínuo estabelecimento de novas carreiras.
Citarei também o decreto n.º 18:479, que criou as conservatórias de registo de propriedade automóvel, que contribuíram para facilitar a aquisição de veículos para o estabelecimento de carreiras.
O decreto n.º 18:558 regulamentou a aplicação do imposto de camionagem, e o n.º 19:545 regulamentou o Código da Estrada.
Outros diplomas sôbre transportes foram publicados no triénio 1929-1932, mas como a respectiva enumeração demoraria, rematarei êste pormenor da minha intervenção neste debate informando V. Ex.as de que em 1932, se a memória me é fiel, nomeei uma comissão, presidida pelo nome prestigioso do falecido general Trindade e constituída por individualidades da maior competência, para estudar a coordenação dos transportes.
O relatório valioso daquela comissão foi entregue ao meu malogrado sucessor, o engenheiro Duarte Pacheco, e serviu de base ao decreto-lei n.º 23:499, de 24 de Janeiro de 1934, que, mantendo de uma maneira geral os princípios por mim introduzidos no Código da Estrada, regulamentou larga e pormenorizadamente os transportes de passageiros e mercadorias em carros pesados, legislação que, com ligeiras alterações, ainda está em vigor.
Sr. Presidente: ditas estas palavras de história da matéria da proposta de lei sôbre coordenação de transportes, permita V. Ex.ª que eu tome ainda algum tempo à Assemblea Nacional para apreciar aquele diploma na generalidade.
Julgo que ninguém contesta a oportunidade desta iniciativa do ilustre Ministro das Obras Públicas, Sr. engenheiro Cancela de Abreu, pois se a coordenação se me impusera, como venho de dizer, há cêrca de quinze anos, e o meu dinâmico sucessor desenvolvera o mesmo assunto no citado decreto de 1934, agora, e com muito mais razão, um novo e maior esfôrço nesse sentido é preciso, porque o fim da guerra nos veio encontrar com veículos automóveis e material ferroviário a pedir substituïção imediata, devido ao serviço violento a que fôra exposto durante o longo período de perturbação bélica, e porque a revolução que deve ter-se operado na técnica de todos os sistemas de transportes o exige; e, também, devido à tendência, bem manifesta, de toda a população para utilizar veículos nas suas deslocações, mercê da alta verificada, duma maneira geral, no poder de compra, sobretudo das classes operárias, que lhes permite evitar canseiras, ganhar tempo e poupar energias; e, finalmente, porque a produção se vai intensificando e o comércio cresce paralelamente.
Sr. Presidente: entre as dezassete bases da proposta de lei encontra-se uma que bastaria para justificação da proposta.
Refiro me à base XIII, que diz:
O Govêrno promoverá o aperfeiçoamento técnico e comercial das explorações ferroviárias, para o que poderá atenuar na medida conveniente os respectivos encargos e facilitar-lhes a obtenção dos capitais necessários para a realização em breve prazo de um adequado plano de melhoramentos materiais e de reforma de serviços.
Repito: esta base justificaria por si só a proposta.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E não só a justificaria como a sua plena execução constituïria título de glória para o ilustre Ministro que a redigiu.
Ainda mais: no vasto capítulo de realizações do Estado Novo ocuparia um dos primeiros lugares.