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18 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 59

Sr. Presidente: a agitação política indiana para a conquista da independência da índia data de uns sessenta anos. Limitada primitivamente a um grupo de patriotas austeros e idealistas, foi-se avolumando, com o andar dos tempos, por forma a recrutar os milhões que hoje conta no partido do Congresso Nacional Indiano.
Deus me livre de tentar sequer comentar, quanto menos interferir, com um conceito menos adequado, no que se passa na casa vizinha! Se tenho o máximo respeito pela liberdade alheia, exijo igual respeito pela minha própria liberdade. O que me interessa é o reflexo desse movimento na nossa gente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A comunidade indo-portuguesa, temporária ou definitivamente estabelecida na Índia vizinha, bastante diferenciada da massa geral, merco da sua cultura ocidental e do seu Standard de vida mais elevado, fruindo, ademais, os direitos de cidadãos portugueses, que política e socialmente lhes eram reconhecidos pelas próprias autoridades britânicas - e eram naturalmente superiores e mais proveitosos que os direitos de súbditos que eram os seus naturais -, achava-se aí indiferente e, por assim dizer, à margem do movimento revolucionário. A população indo-portuguesa vivendo em Goa, essa então há ainda uns quinze anos desconhecia totalmente o movimento cada vez mais triunfante, e, por falta de afinidades culturais com os seus vizinhos, a nossa gente educada estava talvez mais em dia com o que se passava na Rússia de Tolstoi e Gorki do que na índia de Tilak e Gokale.

Mudam-se os tempos. A índia semeia de escolas e Universidades os seus vastos territórios. Milhares de graduados em Ciências e Letras fazem agora uma terrível concorrência aos indo-portugueses, que até aí, graças ao elevado grau da sua cultura ocidental, ocupavam as altas carreiras burocráticas e educativas.
E, como era natural, não faltam medidas proteccionistas aos súbditos britânicos, vedando o acesso a alguns postos elevados - Indian Medical Service e Indian Civil Service - a forasteiros domiciliados, medidas que são acolhidas pelos naturais com tanto mais gáudio quanto havia um recalcado ressentimento contra esses forasteiros indo-portugueses, por haverem sido os colaboradores dedicados da administração inglesa e na revolta dos cipaios terem bandeado ostensivamente ao lado dos ingleses ameaçados e massacrados.
Foi então que a comunidade indo-portuguesa estabelecida na grande índia teve de rever a sua situação política. Por força de circunstâncias de ordem económica e - para que ocultá-lo? - ultimamente por despeito perante erros nossos, a que uma vez me referi nesta sala, muitos se naturalizaram súbditos britânicos. Mas no seu coração, sobretudo da grande maioria dos seus intelectuais, nunca se extinguiu, pelo menos nas duas primeiras gerações, a ternura e o culto pela velha e tradicional terra e cultura portuguesa.
Vem a grande guerra actual. Os exércitos tentónicos marcham de conquista em conquista! Mas a altiva Inglaterra não quer deixar-se sucumbir e impõe-se a missão de ser o último reduto das liberdades humanas ameaçadas. Precisa, porém, da colaboração dos seus domínios. O povo indiano está cada vez mais cônscio da sua força e os exércitos indianos correm em defesa da Inglaterra e obram prodígios de valor nos diversos teatros da guerra. E os diplomatas indianos espantam o Mundo, batendo-se sabiamente, galhardamente, nos tablados das conferências internacionais.
Desde esse momento a independência da índia está virtualmente garantida!
Sr. Presidente: foi então que, relativamente à nossa terra, surdiram dois eventos que passarei a destrinçar.
Um evento de ordem interna, pois que diz respeito à nossa população indo-portuguesa, dentro e fora de fronteiras: no seio da comunidade indo-portuguesa estabelecida em Bombaim ,e já hoje integrada no movimento de emancipação da índia surge uma pequena fauna de quinta-colunistas. Quem são eles que propagandeiam a doutrina da absorção do nosso território na grande índia, fazendo tábua rasa do nosso passado, da nossa cultura, da nossa tradição, da nossa individualidade? São duas classes de propagandistas: a primeira constituída por meia dúzia - se tanto - de intelectuais, que, educados na Europa Central, nazistas por educação, alguns deles «Haw-Haws», locutores em marata e hindustani das emissoras nazis para a índia, indesejáveis que não sei mesmo se chegaram, alguns, a regressar à índia por benevolência do Governo Português, passaram todos a socialistas e comunistas e servem de elo de ligação com os políticos indianos obcecados pela paixão dessa absorção. Um livro recente do Prof. Friederick Hayek (The Road of Serfdom), com exemplos colhidos na História, explica bem estas mutações de nazistas para comunistas e vice-versa - não as podemos pois estranhar!
A segunda - dúzia e meia ou duas, se tanto- constituída na sua maior parte pelos fainéants, falidos na vida, ora maus estudantes que se arrastaram por longo tempo pelos bancos escolares ou mesmo não chegaram a concluir os cursos, ora profissionais que faliram nas suas empresas e que, infelizmente, em vez de se relegarem ao desprezo a que se devem votar os parasitas, são guindados à categoria de social workers (servidores do povo foi o título que se deu a si mesmo, em tradução portuguesa, um desses infelizes irresponsáveis), à sombra do qual esperam tirar o pé do lodo, em prémio da sua traição à Pátria dos seus avós.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Q Orador: - São esses os elementos mais perigosos que fomentam o ódio à Nação Portuguesa no seio da grande massa dos humildes emigrantes indo-portugueses e tentam mesmo abalar a ternura por coisas nossas nas famílias indo-portuguesas de há longo tempo estabelecidas na vizinha índia. Informações falsas, interpretações corrosivas, propagandas subversivas, que envenenam as mentes honestas e servem de esteio à campanha de descrédito que se move contra nós! No seio dessas famílias já hoje se pergunta em tom de sincero alarme: que horror de coisas se está passando na nossa terra de Goa?
E em face dessa propaganda não me é lícito perguntar que contrapropaganda houve da nossa parte para lhe opor o desmentido tão simples que é a explanação da Verdade? No Times of índia, à menor referência menos primorosa que apareça a qualquer governo estrangeiro -polaco, grego, norueguês-, vejo que não faltam explicações e desmentidos de fonte autorizada que reponham o seu governo no pedestal de respeito que a um estranho deva merecer esse governo, senão por simpatia, pelo menos por dever de elegância e cortesia com que os diversos mutuamente se devem tratar.
Da nossa parte limitamo-nos a descansar na inacção e na rotina, à sombra de uma soi-disant superioridade de um silêncio desprezador. Oxalá a reacção oficial em contrário que já hoje começa em Bombaim e em Goa chegue ainda a tempo de repor as coisas no seu devido pé!
Nos tempos que correm, é preciso batalhar para a conquista da Verdade, de que a aleivosia e a mentira tentam manchar a face augusta e luminosa.
Sr. Presidente: vejamos quais foram os resultados dessa propaganda.