22 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 59
a sua doutrina, que viola a liberdade dos portugueses da índia; é Portugal que viola a liberdade da Índia com a sua presença em Goa?
Viu-se jamais uma anormalidade psíquica de tamanho quilate?
Perante tamanha obcecação que invade as mentes das mais altas entidades responsáveis pela política indiana, é um erro pensar que poderemos conservar a nossa Índia à força de baionetas.
Uma acção diplomática calma e ponderada urge desde já exercer, a fim de libertar a nossa terra da vaga de demência interna, e sobretudo externa, que no presente momento tão gravemente a assola.
II. - É um erro descansarmos à sombra da teoria cómoda de que, enquanto por aí, na Índia Inglesa, andam às bulhas uns com os outros, a nossa soberania está segura. Não é certamente esse compasso de espera, de uma transitoriedade efémera, que devemos ofertar à Alma Nacional nem às almas dos antepassados que moldaram a nossa formosa Goa à imagem e semelhança das terras de Portugal.
III. - É o mais colossal dos erros o sonho que porventura quaisquer indo portugueses acalentem de que a integração de Goa na grande Índia representará a independência de Goa!
Populacionalmente atingindo apenas a metade do milhão que é exigido para um voto na Assembleia Legislativa Central, com a população hindu naturalmente regressada ao estatuto indiano, mercê das suas afinidades sociais e religiosas, com 50 por cento de cristãos de nível educacional mais modesto, podendo reverter ao hinduismo, senão religiosamente, pelo menos na sua estrutura social, o futuro que espera a culta minoria cristã ocidentalizada é o futuro de Israel chorando as ruínas de Sion! Por Deus! Tentemos salvar a personalidade criada pela cultura de cerca de cinco séculos que nos ligaram aos destinos da terra portuguesa, situações e proventos de relevo e postos de confiança, à sombra da qual tantos dos meus compatriotas usufruíram no passado e usufruem no presente, seja em Portugal, seja nos nossos grandes territórios africanos, e talvez em escala superior às que se lhes deparam, guardadas as devidas proporções, na Índia e Africas até hoje ligadas à bandeira inglesa.
IV. - Impõe-se que a Assembleia Nacional, o Governo e o povo -um por todos e todos por um!- proclamem alto e bom som, para o conhecimento de todos os povos e de todos os governos do Mundo, que a Índia Portuguesa é e continuará a ser portuguesa.
Uma declaração neste sentido, clara, terminante, insofismável, urbi et orbi, terá o condão de fortalecer a fé que já começa a vacilar em corações de tíbios e de timoratos, apavorados pela propaganda estrangeira, infelizmente não contraminada por uma contrapropaganda nacional.
V. - Impõe-se que se acabe para sempre a lenda de que a Índia Portuguesa precisa da Índia Inglesa para poder viver e subsistir. Mas para o fazer há necessidade de que um exército de técnicos conscienciosos e sabedores, e não simples burocratas parasitas, transforme aquele jardim natural em um pomar de riqueza, que os seus filhos possam fruir na paz dos seus lares abençoados, que oxalá nunca venham a ser manchados por essas orgias de sangue e de morte que são ojour àjour da Índia de hoje. Esses filhos de gente pobre e faminta, que são actualmente a matéria explosiva que dá pasto à revolta, serão o mais sólido esteio da nossa segurança nacional.
E se, por um fenómeno cósmico insólito -uma seca de morte, os campos a estiolarem abrasados, a cria a morrer nos estábulos-,.houver a ameaça da fome, qual o país que tenha o mar livre que corre o perigo de morrer de inanição ? E a vós, filhos de marinheiros que conquistastes o Mundo, que preciso de vos lembrar que é no mar que residiu e que ainda reside a soberania de Portugal?
Inunde-se, nesse ano de crise, a terra de Goa com arroz e açúcar vindos da Guiné, de Moçambique, de Timor, do Brasil, com trigo vindo da nossa grande Angola, em barcos nossos, com marinheiros nossos; distribua-se, gratuitamente, se necessário, pelos pobres e pelos famintos, e vereis se essa despesa de soberania não há-de reverter em benções para o povo e em riqueza para a Nação Portuguesa!
VI. - O problema de Goa deixou de ser um problema nacional para entrar no domínio da cobiça internacional. É necessário, pois, uma acção diplomática calma, ponderada, mas firme, perante o governo central vizinho, não em Bombaim, mas em Nova Dolhi, onde o contacto pessoal dos nossos diplomatas com as altas individualides políticas indianas lhes demonstre a elegância da nossa cultura e a grandeza da nossa acção, para eles desvirtuada ou, pelo menos, totalmente desconhecida! Porque na Índia ainda tem curso a máxima de Bnda de que o ódio se não combate com ódio, mas com amor, e os equívocos se não desfazem com argumentos, mas com tacto, diplomacia, conciliação e o espírito aberto para os pontos de vista alheios.
Mas com quem nos havemos de entender nessa atmosfera de paixão e de hostilidade que vos descrevi? Quem há-de ser o intermediário que infunda nas mentes exaltadas a calma necessária para se encararem com respeito as questões atinentes à justiça e ao direito alheio ?
No Times of Índia leio um telegrama de Londres de 20 de Setembro em que o partido trabalhista inglês afirma:
The belief is strongly held in ali political circles in England, irrespective of parties, that the ultimato moral responsibility for maintaining law and order in Índia dnring this transitional period, must rest with the British Government.
Tradvqâo. - É convicção firme em todos os círculos políticos ingleses, sem diferença de partidos, que a manutenção da lei e da ordem na índia, durante este período de transição, deve, em última análise, pertencer ao Governo Britânico.
Se esta declaração se refere aos distúrbios de Calcutá e Bombaim, a quem deve pertencer a responsabilidade dos distúrbios que súbditos britânicos (indianos britânicos) vêm causar no nosso País?
São esses leais aliados de há séculos que me parece deverem ser os mais indicados para os pourparlers dessa acção diplomática de que falei, tanto mais que vejo que na ocasião da cedência temporária das nossas bases nos Açores contraíram eles, juntamente com os norte-americanos, que hoje gozam de tão larga influência na índia, obrigações morais o internacionais com o Governo de Portugal para a garantia e integridade dos territórios pertencentes à nossa soberania.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E para concluir, como o pendão de revolta que agita a Índia livre é sob a base tentadora de que pretende ela extinguir o estatuto colonial dos povos, não será tempo de pensar a sério nas magníficas considerações do relator Dr. Vieira Machado ao projecto das alterações à Carta Orgânica, já discutido e aprovado por esta Assembleia, e elevar essas parcelas nossas engolfadas em terras estrangeiras à categoria de províncias de Portugal, não apenas em platonismos sonoros da ré-