14 DE DEZEMBRO DE 1946 147
que sobre ele recaiu, enviados por S. Ex.ª o Ministro as Colónias para conhecimento da Assembleia Nacional.
Porque fui um dos Deputados que na passada sessão legislativa se referiram aqui ao assunto e porque considero este de grande relevância, desejo sobre ele fazer umas breves considerações.
Longe de mim o propósito de tomar uma atitude que possa sequer parecer desprimorosa para com o ilustre titular da pasta das Colónias, pessoa a muitos respeitos digna de toda a nossa consideração e a quem me apraz renovar deste lugar as minhas mais sinceras homenagens.
Pela sua inteligência, pelo seu saber, pela integridade de carácter, pelo seu admirável bom senso e nítida visão política, ainda há dias reafirmados no memorável discurso de encerramento da Conferência da União Nacional, S. Ex.ª bem merece o nosso respeito e sincera admiração.
Mas, exactamente porque S. Ex.ª se mostra possuidor de tão nobres predicados, tenho a certeza de que será o primeiro a compreender e a desejar que nesta Assembleia as questões sejam livremente apreciadas, os assuntos abertamente discutidos, sem outros limites que não sejam os que derivam da Constituição da República e do nosso próprio Regimento.
Dessa independência e boa orientação tem a nossa Assembleia dado bastas provas, manifestando muita vez os Srs. Deputados a sua discordância de alguns actos da Administração, sem receio de ferir susceptibilidades ou melindres e apenas discutindo sempre os assuntos com elevação e dignidade, não por virtude de qualquer imposição, mas porque é pendor natural da nossa maneira de ser e da nossa educação.
Nem outra foi, por certo, a intenção de S. Ex.ª ao enviar-nos o referido parecer e o seu douto despacho.
Queria, sem dúvida, que esta Assembleia, a quem cabe constitucionalmente apreciar os actos do Governo, tomasse conhecimento dos princípios que vão orientar a legislação a publicar pelo seu Ministério e sobre eles abertamente se pronunciasse de forma a serem ponderadas e devidamente consideradas as reclamações, as queixas e as aspirações da Nação.
É por isso, Sr. Presidente, que uso da palavra para declarar, em nome de Cabo Verde, e poderia seguramente dizer em nome de todas as colónias, que os princípios enunciados no parecer e no despacho em questão, longe de resolverem, antes agravam uma situação injusta, que se me afigura altamente perigosa para os destinos do Império.
Não se veja nas minhas palavras a reacção de um indivíduo ferido nos seus direitos ou beliscado no seu amor-próprio: ainda que funcionário público e natural de uma das nossas colónias (facto que nunca tentei ocultar e, ao contrário, sempre proclamo com orgulho), sou beneficiado pelas aliciantes excepções que o parecer e o despacho estabelecem, pois tenho um curso superior, tive na metrópole uma permanência superior a oito anos e aqui residia à data da minha nomeação.
Quando outras razões não tivesse para me mostrar reconhecido pela minha inclusão em tais excepções, bastaria esta: colocaram-me inteiramente à vontade para tratar do assunto, sem que se me possa opor qualquer suspenção.
Não tenho, pois, o menor interesse pessoal no assunto.
Para mim, trata-se apenas de uma questão de doutrina, questão melindrosa, que alguns dos vogais do Conselho do Império foram os próprios a considerar grave.
Um antigo e ilustre Ministro das Colónias, o Sr. engenheiro Bacelar Bebiano, que conhece bem o nosso ultramar, onde viveu alguns anos, afirma que ao problema é de grande importância política», havendo que encará-lo com amplitude, e tendo em conta a época em que vivemos e a tradição e o sentimento portugueses».
E outro vogal do mesmo Conselho, o nosso ilustre colega tenente-coronel Álvaro da Fontoura, não votou o parecer, que julgou «contrário às declarações públicas oficiais de ausência de preconceitos raciais na legislação portuguesa».
Estou, portanto, em excelente companhia quando me insurjo contra uma, política que considero nociva aos interesses do País.
Afirma o despacho em referência que a tradição colonizadora portuguesa é contrária a discriminações raciais.
Nada mais exacto.
Afirma também que e bem se vê não abundarem ainda hoje na nossa legislação normas que possam parecer reflexo de orientação contrária».
Também é exacto.
Mas justamente o que não se compreende é que essas poucas que existem sejam agravadas ou o seu número aumentado.
É contra a tendência, algumas vezes esboçada e agora mais uma vez manifestada, de alargar as discriminações entre funcionários ou fazer reviver normas que a experiência demonstrou injustificáveis, e que o bom senso e uma sã política colonial repelem, que me declaro e me insurjo.
E, valha a verdade, Sr. Presidente, neste capítulo não é de louvar a actuação dos Governos da Revolução Nacional.
Efectivamente, enquanto pela legislação anterior a subvenção colonial era abonada aos funcionários naturais das colónias que estivessem prestando serviço em colónia diferente da sua, o decreto n.º 29:244, de 8 de Dezembro de 1938, tirou-lhes esse direito, mostrando claramente que se não tratava de uma compensação por deslocação, como agora se pretende fazer crer, mas de um verdadeiro privilégio de raça.
E o próprio despacho que estamos analisando também se não mostra mais liberal, manifestando, ao que parece, a intenção de restabelecer em todas as colónias a odiosa subvenção colonial, que actualmente, como ele mesmo afirma, só subsiste em três das mais pequenas, e, no tocante à licença graciosa, elevando para oito anos a permanência consecutiva na metrópole, que dantes se exigia ser de cinco anos apenas.
Se a Mãe-Pátria, em vez de alargar os direitos dos naturais das colónias, os restringe e anula, como poderá ela esperar que os mesmos lhe correspondam em dedicação e patriotismo, se são tratados como enteados, e não como filhos?
Temos de concordar que, para um país que se diz adepto da política de assimilação, esta progressiva diferenciação entre metropolitanos e naturais das colónias não constitui um índice de grande capacidade civilizadora.
Se os naturais das colónias estão cada vez mais distanciados da cultura e do nível de vida dos metropolitanos, a ponto de tais diferenças terem de condicionar situações jurídicas distintas, o que não sucedia anteriormente, como se poderá afirmar estar-se realizando uma acção civilizadora, único fundamento aceitável da manutenção de colónias?
A verdade, porém, é que não existe a pretendida disparidade de civilização e nível de vida ou de cultura que imponha as diferenças existentes.
Entre indivíduos que exerçam a mesma função não é de presumir diferença de cultura. E esta, quando exista, nada tem que ver, como é óbvio, com a raça ou a cor dos indivíduos.