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190 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 67

O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente: tanto gosto de ouvir os meus ilustres colegas, tão pouco de me ouvir a mim próprio, que é a primeira vez que peço a palavra na presente legislatura.

Sou por isso dos últimos, senão o último, a prestar a V. Ex.ª. as homenagens devidas pela sua ascensão à Presidência da Assembleia, ma* V. Ex.ª. sabe que fui dos primeiros a congratular-me por o ver nesse lugar, para o qual o indicavam as suas raras qualidades de inteligência, prudência e tacto político.

Pelos valores fundamentais que defendemos, pelo fervor e pela boa vontade que pomos ao serviço da Pátria, pelo espírito de colaboração construtiva que nos anima em relação aos governantes, pelo interesse e seriedade com que nos dedicamos ao exame dos problemas nacionais, constituímos uma forte unidade de princípios e de desígnios. Mas, pela formação diversa, intelectual e profissional, pelos múltiplos sectores e múltiplas regiões em que se desenvolvem as nossas actividades, pelas preocupações que nos dominam e pelas reacções que nos distinguem e também pela independência com que exercemos a nossa livre crítica e pela sinceridade com que apresentamos as sugestões que se nos afiguram mais justas e oportunas, existe também aqui larga variedade de critérios, temperamentos e pontos de vista.

Não se trata, pois, de um coro monótono e uniforme, mas de um conjunto que bem cabe na clássica fórmula da filosofia tradicional: unidade na variedade.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A presidência de uma assembleia assim requer que não seja ignorada ou contrariada a benéfica variedade dos depoimentos e dos pareceres, mas seja sempre mantida e garantida a unidade do esforço em proveito do bem comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eis o que V. Exª. sempre tem sabido compreender e executar com singular lucidez, sem nunca impedir ou sequer tolher a qualquer de nós a normal expressão do seu pensamento, mas sem nunca deixar, quando o momento chega, de ser o intérprete seguro, esclarecido e vigilante da unidade superior que importa manter através e acima de tudo. JÜ isto que eu queria pôr no relevo merecido; é por isto que desejo dirigir a V. Ex.ª os protestos da minha estima, da minha admiração e da minha confiança.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aos Srs. Deputados, meus companheiros da anterior e actual legislaturas, aproveito o ensejo para mais uma vez manifestar os melhores sentimentos de consideração e de afectuosa camaradagem.

Sr. Presidente: é digna do maior louvor e do maior aplauso a recente iniciativa da Junta Central das Casas do Povo ao instituir uma série de prémios destinados a escritores que, através de romances ou novelas, procurem dar -a verídica imagem da vida portuguesa, especialmente da vida dos trabalhadores portugueses.

Torna-se, de facto, dever moral e nacional reagir contra uma literatura de ficção - e de triste ficção! - que nos últimos anos tem proliferado entre nós com abundância mais do que suspeita - a par de numerosas bibliotecas de divulgação pseudo-científica e de numerosíssimas traduções de obras estrangeiras portadoras das mais perigosas e nefastas doutrinas.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Ao aparecerem os primeiros livros desse género, quando revelavam novos autores de real talento, foram, de um modo geral, bem acolhidos. Eram, quase sempre, cenas da vida rústica de uma ou outra das nossas províncias - aqui e além talvez pintadas com cores um tanto sombrias, mas em que havia também certas notas de flagrante e sugestivo realismo. A mim próprio me aconteceu, como crítico literário, recebê-los com palavras de elogio e de incitamento. Embora lhes apontasse, com inteira boa fé, determinadas passagens insólitas e tendenciosas, nem por isso me negava a reconhecer-lhes e a festejar-lhes o vigor do estilo, a força dramática de alguns episódios, a beleza de algumas descrições; e procurava não ser demasiado severo para o romantismo e o primarismo dos conceitos acerca do homem, da sociedade, do mundo que nitidamente constituíam o fundo do quadro e lhe prejudicavam a harmonia e a verosimilhança.

Correu o tempo e multiplicaram-se excessivamente os casos semelhantes. Certos escritores que se haviam auspiciosamente estreado comprometiam os seus nomes e os seus créditos pela repetição sistemática da mesma receita, e, à medida que a repetiam, exageravam-na e agravavam-na.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outros, muitos outros, aliás de mais reduzido valor, surgiam e adoptavam, com estranha docilidade, a receita invariável. E tudo aquilo se carregava desmedidamente de intenções sociais, políticas, económicas; tudo aquilo começava a ter desmedido sabor a romance russo, depois, pouco a pouco, mais ainda: a romance marxista.

O Sr. Botelho Moniz: - Mais, não; menos, porque os russos já traíram os marxistas. Desculpe V. Ex.ª, porque esta é que é a verdade histórica.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão e estamos inteiramente de acordo. Mas, continuando:

Se, a princípio, o figurino dominante era o do patriarca Tolstoi, com sua vaga mística panteísta e rousseauista, não tardou a ser-lhe preferido outro figurino, mais agressivo, o de Grorki, já desmascarado em seus apelos revolucionários, até se chegar ao modelo perfeito do romancista de choque soviético, do tipo de Constantino Fedine, ou de Ilya Ehrenburg, ou de Boris Pilniak, ou de Yladimiro Maiakowski. A ligação com um mínimo de realidade perdeu-se gradualmente; os últimos escrúpulos cederam ante o zelo na observância da férrea disciplina da «linha geral»; e apresentou-se diante de nós uma desumanizada galeria de símbolos ein torno dos dois protagonistas fatais: o patrão, monstro de egoísmo, de rapacidade e de crueza, e o proletário da oficina ou do campo, sua vítima e mártir, esmagado sob tarefas exaustivas a troco de salários irrisórios..

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Nada disto era já aldeia portuguesa, povo português, vida portuguesa; em, sim, venenosa deformação marxista, baseada no ódio, no ressentimento, na inveja, na vingança, à luz sinistra e convencional da luta de classes, a terminar pelo convite, mais ou menos disfarçado, à revolta e pela nebulosa promessa da alvorada libertadora, que traria consigo o paraíso na terra ...