248 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 72
imprevistas e grandiosas. Creio nos laços e afinidades que unem para todo o sempre os dois povos.
E, a propósito, recordo ama quadra do nosso Correia de Oliveira que pode fazer parte desta profissão de fé, que faz parte deste credo partilhado por portugueses e brasileiros:
Portugal é de nós todos,
Sendo forte, grande e honrado,
Elo que eu sou - A cadeia
Nunca partirá do meu lado.
Estou certo de que nunca partirá também do lado do Brasil.
Creio no valor das realizações desta comunidade, a que chamarei supernacional e a qual, no culto comum de supremos valores espirituais, à beira deste Oceano que foi rota de caravelas, de almas e de esperanças, que é um berço de água sob um docel luminoso de constelações, forjará nesta hora incerta do Mundo, na paz, na bondade e na justiça, com um sentido universal de vida dentro de um sentido nacional de acção, uma nova idade, a mais bela, a mais alta e a mais fecunda da história universal.
Concluo. Ao mesmo tempo que desfolho perante a memória querida de Afrânio Peixoto as flores da minha saudade imensa proponho que a Assembleia exprima a gratidão do Portugal para com o seu grande amigo e ao mesmo tempo signifique à gloriosa Nação Brasileira a solidariedade fraterna e comovida da Nação Portuguesa no amargo luto que acaba de atingir por igual as duas pátrias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Munias: - Sr. Presidente: serão apenas algumas palavras de adesão à homenagem que o Sr. Professor Mendes Correia acaba de prestar a um grande amigo de Portugal que morreu.
Faço-o com todo o coração, porque este amigo da nossa terra foi também um grande amigo que perdi. O polígrafo, a que pode dizer-se não ficou estranha nenhuma forma de expressão literária, ora, na realidade, um dos maiores escritores da língua portuguesa do nosso tempo.
Romancista, contista, folclorista e historiador, de todas as maneiras ele ora sempre um alto poeta, que sabia extrair dos seus temas toda a matéria lírica amorável que logo conquistava o espírito dos leitores. Mas tenho pensado, muitas vezos, ao meditar um pouco sobre a obra e figura de Afrânio Peixoto, desde que as notícias que de lá vinham aceitavam de um momento para o outro o desaparecimento do grande escritor, tenho pensado que, apesar de tudo, o coração, a alma, o espírito de Afrânio Peixoto, era na realidade muitíssimo maior do que a obra que nos legou.
Ele desperdiçava-se muitas vezes no cultivo do amizades, no adoçar de um certo número de arestas que dividiam os homens, no conquistar para os seus amores - que eram Portugal e Brasil - o pensamento, a vida, a capacidade de simpatia de todos os homens.
Nunca vi ninguém que tivesse maior empenho em diluir queixumes de portugueses quanto a alguns brasileiros e se preocupasse mais em conquistar entre os brasileiros as mais fortes e constantes amizades para Portugal.
Também, e muitas vezes, pude observar que Afrânio Peixoto, quando estava entre nós, palmilhando, devagar e saboreadamente, a terra portuguesa, atento a tudo que podia encontrar de mais expressivo na maneira de ser dos portugueses, na sua arte, na sua vida histórica total, vivia no entanto angustiado da saudade do seu Brasil.
Por outro lado, todas as vezes que embarcava aqui no Tejo, que ele considerava o grande rio criador de beleza, a grande fonte do portuguesismo - o rio lusíada por excelência para todo o Mundo -, já Afrânio Peixoto partia cheio, do coração, do saudado de Portugal.
Vivendo, desta maneira, perfeitamente trespassado por aquilo que algumas vezes dizíamos ser num brasileiro a saudade histórica do português que um dia partira a colaborar na transformação de uma terra deserta de vida civilizada no grande Império que um dia seria.
Recordo o nosso último encontro em Lisboa, descendo os dois as escadarias deste próprio edifício, ao sair de uma sessão da Academia da História, quando Afrânio Peixoto dizia a sua mágoa no insistir-se fazer do Brasil um conceito de nação jovem, apenas moderna, pois ele tinha a consciência de que a vida espiritual da sua Pátria não começara na hora em que Pedro Alvares Cabral aportou às terras de Santa Cruz - sentia, ao recolher-se a pensar na maravilhosa unidade -territorial, moral e espiritual do Brasil, que as raízes da sua vida se alongavam no tempo para além de 1000 o se confundiam com as raízes históricas o quase milenárias de Portugal.
Nunca um português, nunca um brasileiro, foi mais completamente consciente do marulhar dentro do si do sangue de muitos séculos, nem, como Afrânio Peixoto, deixou de sentir no seu amor a Portugal o Brasil o império espiritual de que a comunidade de língua o de religião constituem a maior garantia. De tal maneira se juntaram e se misturaram que são incapazes do diluição e por tal jeito que, sendo Portugal e Brasil, efectivamente, nações perfeitamente autónomas, podendo viver no orgulho perfeito da sua autonomia, nem por isso deixaram de ser incomparáveis os laços que os prendem, tão diferentes dos que para outros povos os chamam.
Sr. Presidente, todo o amor do Afrânio Peixoto a Portugal era assim, amor que vinha do tempo mais recuado, amor herdado. Não tinha ninguém que lhe agradecer. Dizia: "O meu amor a Portugal vem-me do meu amor pelo Brasil B. Ele próprio sentia e confessava ser, em si, uma forma natural e irredutível da vida. Agora que ele morreu, creio bem que melhor começaremos a entender, pensando melhor, que Afrânio Peixoto viverá mais do que nunca entre nós, mais profundamente, mais completamente recordado por aqueles que não souberam a tempo entender nesse homem um dos grandes forjadores de uma unidade moral intercontinental que nenhum homem, com os seus erros, será capaz de aniquilar.
Sr. Presidente: perdemos um grande amigo; perdemos um dos mais desinteressados amigos que Portugal encontrou jamais. Por isso me parece que se devia dizer isto nesta Casa, neste momento, para que, numa breve meditação, não parecesse diminuída a importância da nossa perda: - quando morre tal amigo Portugal fica mais pobre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A Câmara ouviu, com a atenção e a emoção que o assunto merecia, as palavras com que os Srs. Deputados Mendes Correia e Manuel Múrias prestaram homenagem à memória de Afrânio Peixoto.
O Sr. Deputado Mondes Correia, no final das suas considerações, propôs que a Câmara exprimisse por qualquer forma o seu reconhecimento à amizade com que Afrânio Peixoto sempre distinguiu Portugal, aos serviços que ele prestou à nossa Pátria, o à perda que enlutou o Brasil.
Creio traduzir o pensamento final das considerações do Sr. Deputado Mendes Correia propondo à Câmara que ela exare no Diário dos seus trabalhos um voto de