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10 DE JANEIRO DE 1947 251

estabelecido pelos §§ 1.º, 2.º e 3.º do artigo 1.º daquele Código o concedeu, pela primeira vez, aos pensionistas de preço do sangue o subsídio eventual de 30 por cento.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, se é certo que com tais providências do Governo alguma coisa ganharam já esses pensionistas, e consequentemente suas famílias, certo é também que nem por isso ficou o problema resolvido, uma vez que ainda se não pôs termo à injustiça, à imoralidade e à desumanidade a que fiz referência ao apresentar o meu aviso prévio, o qual não perdeu, por esse motivo, a sua oportunidade.

Vou, portanto, efectivá-lo, e o mais sucintamente que me for possível, não só porque, para o efeito, não será necessário um longo discurso -que eu, de resto, não seria capaz de fazer, mas também porque não quero nem devo maçar esta Assembleia com as minhas despretensiosas palavras.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Sr. Presidente: em todos os países civilizados do Mundo, quando um funcionário do Estado, civil ou militar, perde a vida ao serviço da Nação, é concedida às pessoas que estavam a cargo desse funcionário uma pensão de preço de sangue que as compense um pouco da perda que sofreram sob o aspecto material, já que sob o aspecto moral nada há infelizmente que as possa compensar de uma tão grande infelicidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim também se tem procedido no nosso País, onde, melhor ou pior, o assunto vem sendo regulado desde há mais de um século, desde a carta de lei, se não estou em erro, de 19 de Janeiro de 1827.

E, presentemente, as pensões de preço de sangue são reguladas entre nós pelo Código que faz parte integrante do decreto n.º 17:335, de 10 de Setembro de 1929, com as alterações que posteriormente lhe foram introduzidas.

É, pois, esse diploma, Sr. Presidente, que, salvo o devido respeito, me proponho atacar, porque, como já disse ao anunciar o meu aviso prévio, ele não merece a minha concordância, como não merece nem pode merecer, estou certo disso, a concordância de ninguém que tenha pela Família e pela Pátria verdadeiro culto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem mais preâmbulos, que não vale a pena fazer, passo a expor desde já as razões dessa minha discordância.

Nos termos dos §§ 1.º e 2.º do já citado Código, as pensões de preço de sangue só poderão ser abonadas, na sua totalidade, aos interessados que provem carência de alimentos ou que, tendo rendimentos próprios, estes, incluindo os dos montepios, não excedam a importância de 800$ mensais.

E, nos termos do § 3.º desse mesmo artigo, aos interessados que auferirem qualquer renda ou provento o Estado só pagará a importância necessária para com esse rendimento pessoal perfazer a totalidade da pensão a que os mesmos interessados tiverem direito.

Tais disposições, cuia redacção é manifestamente defeituosa e tem sido objecto de várias dúvidas, não é justo nem moral que se mantenham.

É que a pensão de preço de sangue representa, por assim dizer, uma indemnização que se deve pagar às famílias dos funcionários civis ou militares que morreram ao serviço do seu País. E, porque todas essas famílias sofrem as consequências dessa morte, é evidente que todas elas devem ter o direito de receber aquela indemnização, que, se nem de longe compensa tal sofrimento, é, em todo o caso, a única que o Estado pode pagar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso não se compreende que as pensões de preço de sangue só possam ser abonadas, na sua totalidade, às famílias nas condições que já referi, ou seja àquelas que provem carência de alimentos ou tenham rendimentos não excedentes a 800$ mensais, além de que essa restrição dá lugar, Sr. Presidente, a situações verdadeiramente revoltantes.

E, para prova de que assim é, aponto três exemplos:

a) Dois oficiais do exército de igual patente perderam a vida em defesa da Pátria, e tanto um como outro deixou uma filha menor.

A filha de um desses oficiais, que, por infelicidade, por má orientação ou má administração de seu pai, ficou, por morte deste, sem quaisquer rendimentos, recebe a pensão de 1.400$.

Mas a filha do outro oficial, que ficou com o rendimento de 1.200$, proveniente do Montepio em que seu pai teve o cuidado de inscrever-se e de alguns bens que do mesmo herdou e foram adquiridos à custa de muitas economias - essa filha, porque tem aquele rendimento, só recebe do Estado 200$ por mês, ou seja a diferença entre esta importância e a da pensão a que teria direito!

b) Dois guardas da polícia, ambos casados e sem filhos, foram mortos num conflito popular em que intervieram, como agentes da autoridade, para restabelecer a ordem, e as respectivas mulheres ficaram com alguns bens, cujo rendimento é de 300$ mensais e com a pensão de preço de sangue de 385$.

Uma das viúvas, que é saudável, mas não quer trabalhar, recebe do Estado a totalidade da referida pensão.

«Mas a outra, que é trabalhadora e consegue ocupar-se em um serviço que honradamente lhe rende 450$ por mês,, essa, por esse facto apenas, passa, em dado momento, a receber como pensão a diferença entre a soma dos seus proventos e o limite de 800$, ou seja simplesmente 50$!

c) Dois soldados da guarda nacional republicana morreram em resultado de um combate que, no desempenho das suas funções, foram forçados a travar com uma quadrilha de malfeitores, e cada um deles deixou uma filha solteira e sem quaisquer haveres.

Pois bem! A filha de um desses soldados, que, por culpa sua ou de seu pai, nunca trabalhou nem sabe, por essa circunstância, ganhar b pão de cada dia, recebe do Estado a totalidade da respectiva pensão, que é de 280$.

E a filha do outro soldado, que, à custa do seu próprio esforço e de sacrifícios sem conta de seu pai, tirou o curso e exerce a profissão de professora, pelo desempenho da qual percebe o vencimento de 800$, essa fica ... sem receber nada do Estado!

Podia, Sr. Presidente, citar mais alguns exemplos de situações como aquelas que exemplifiquei c existem, em grande número, por esse Pais fora, ao abrigo do Código que regula actualmente a concessão das pensões de preço de sangue.

Julgo, porém, que será inútil fazê-lo: o que já disse é mais do que suficiente, penso eu, para mostrar que o dito Código cria situações absolutamente insustentáveis