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5 DE FEVEREIRO DE 1947 461

que não teime em sobreviver na forma quando se apagou a chama do imperativo moral que a vivifica, de que não seja, numa palavra, o «sepulcro caiado» de que falam as Escrituras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Constrange-me também a circunstância de pleitear nesta emergência em defesa de interesses pessoais...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Pessoais...de outros.

O Orador: - ... mas a verdade é que sempre me impressionou como um flagrante, um eloquente testemunho da alta è divina ascendência do homem, a verificação de que o «caso humano» a todo o momento rompe as fronteiras com que pretendem limitá-lo quer as forças cegas da Natureza, quer as previsões de sábios legisladores fundadas numa experiência milenária da vida social.
Se estas prévias explicações lhe parecerem, Sr. Presidente, desproporcionadas com a singeleza do caso a que vou referir-me, peço-lhe que as entenda como expressão do escrúpulo que tenho sempre em tomar a V. Ex.ª e à Câmara o precioso tempo de que dispomos.
O caso a que pretendo referir-me é o daqueles três ilustres professores do Instituto Superior de Agronomia que, segundo publicaram os jornais, foram condenados a pagar ao Estudo a importante soma de setecentos e tal contos, .que será acrescida de juros de mora; a condenarão foi motivada pelo apuramento de irregularidades cometidas pelo conselho administrativo do Instituto Superior de Agronomia, de que eram membros, sendo que um deles, o Prof. Manuel Sousa da Câmara, foi ainda responsabilizado como director do Laboratório de Patologia Vegetal Veríssimo de Almeida, em cuja administração se apurou terem sido praticadas irregularidades semelhantes.
Com efeito, além de desfalques cometidos por empregados infiéis, de que não foi, nem podia ter sido, assacada qualquer responsabilidade aos referidos professores, verificou-se que se gastara muito dinheiro, em desarmonia com as regras da contabilidade pública, sem se terem previamente criado as respectivas dotações orçamentais, sem se terem feito as necessárias inscrições nos termos devidos, em face de propostas devidamente justificadas.
Mas igualmente e inequivocamente se verificou no inquérito que serviu de base ao processo, nos autos e na própria sentença do venerando tribunal que julgou o feito:
1.º Que não está em causa a honorabilidade pessoal dos responsáveis, Profs. Manuel Sousa da Câmara, Carlos Eugénio de Melo Geraldes e Eduardo Augusto Mendes Frazão;
2.º Que as irregularidades praticadas contra lei expressa o foram sem intuito de locupletamento, resultando o prejuízo do Estado da própria natureza das irregularidades;
3.º Que o material adquirido e o pessoal remunerado com as verbas irregularmente despendidas e irregularmente contabilizadas tornaram possível o funcionamento do Instituto e do Laboratório, evitando a paralisação do ensino.
Apesar disto, Sr. Presidente, os homens cuja honorabilidade não está em causa, a cujas mãos honradas se não agarrou um ceitil do dinheiro irregularmente despendido em benefício do ensino, foram condenados a embolsar o Estado desse dinheiro, tal qual como seriam condenados a restituí-lo se o tivessem furtado e com ele se houvessem locupletado!
Apoiados.
Teria o Tribunal de Contas julgado mal? Não creio, Sr. Presidente! Creio que julgou nos termos da lei. E não o digo por mera conformidade com a atitude de deferência e de respeito que os membros desta Assembleia dignamente adoptam sempre que consideram e comentam os veredictos da nossa honrada magistratura. Não! Creio sinceramente que julgou bem, em estrita obediência da disciplina legal vigente.
Mas o que também creio, Sr. Presidente, é que o caso humano sub Júdice excede a medida legal com que foi avaliado, ultrapassa a expectativa moral e jurídica expressa na lei: o caso humano sub Júdice é um caso de excepção. E o meu pensamento inteiro, Sr. Presidente, é solicitar de V. Ex.ª que transmita a quem de direito a sugestão que me apresso a formular - de que o Governo considere este caso com o mesmo espírito de justiça e de equidade que o levou a publicar os decretos n.ºs 26:005 de 1 de Novembro de 1935, 26:532, de 18 de Abril de 1936, 26:787, de 13 de Julho de 1936, e 28:183, de 16 de Março de 1937, nos quais relevou as irregularidades formais verificadas nas contas do Instituto de Oncologia, da Comissão Administrativa dos Novos Edifícios Universitários, da Emissora Nacional e da Escola de Regentes Agrícolas de Évora, considerando que tais irregularidades não correspondiam a nenhuma intenção de fraude contra o Estado ou os respectivos serviços.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Desejo, entretanto, convencer V. Ex.ª de que as afirmações com que fundamentei esta sugestão não podem ser contestadas.
Afirmando que a honorabilidade dos professores responsáveis não está em cansa e que o prejuízo do Estado resulta da própria natureza das irregularidades, limitei-me a citar textualmente as expressões usadas pela mesma sentença condenatória. A honorabilidade de todos os responsáveis está, com efeito, acima de toda a suspeita. Mas como a personalidade do Prof. Sousa da Câmara, pelo renome de que justamente goza nos meios científicos, sociais e políticos, domina o acontecimento...

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - ... é em referência a ela que no processo se acumulam as homenagens e os protestos de consideração. O funcionário inquiridor semeia o seu relatório de frases e apreciações como estas: «a bondade personificada», «sábio ilustre e distinto professor, «lotado de uma inconcebível boa-fé»; «foi a sua boa-fé, a sua muita bondade e a sua dedicação ao estudo que o colocaram na situação presente»; «as suas responsabilidades são unicamente de ordem moral e foram talvez impostas pela função do cargo desempenhado a mais do que o tempo lhe permitia e de que os outros seus afazeres lhe consentiam»; «não podendo, por amor muito sentido abandonar o seu cargo de professor e o seu trabalho de cientista, confiou noutros que não corresponderam lealmente à sua confiança».
O ilustre magistrado Sr. Dr. Armando Cancela de Abreu, digno representante do Ministério Público junto do Tribunal de Contas, opinando que as irregularidades deveriam ser relevadas, «por se provar nos autos que não houve fraude nem prejuízo para o Estado», fala assim do Sr. Dr. Sousa da Câmara: «professor e cientista eminente, cuja honorabilidade está acima da mais leve suspeita, manifesta neste processo mais uma das suas qualidades de carácter assumindo a responsabilidade de tudo o que se passou...».
A estes testemunhos de consideração e respeito não faltaria em todo o País, e particularmente nesta Assem-