l DE MARÇO DE 1947 703
Aqui está, Sr. Presidente, em breves traços, a história e a teoria da política monetária usada para financiar a guerra. Vejamos agora o que se passou entre nós. Em fins de 1940 - pode mesmo dizer-se em Outubro de 1940 - era visível que estava em marcha um movimento de inflação monetária, como eu assinalei em artigo do Comércio do Porto publicado no dia de ano novo de 1941. E era igualmente evidente que esse movimento provinha dos saldos positivos da balança de pagamentos, como demonstrei com toda a clareza, no mesmo jornal, em artigo de Fevereiro do mesmo ano. Estávamos, portanto, em presença de um problema monetário de causas perfeitamente conhecidas.
Mas o nosso problema monetário era diferente do dos países beligerantes. Estes tinham de criar poder de compra para financiar a guerra. Nós tínhamos de nos defender dos efeitos de uma invasão de ouro e cambiais que nos vinham criar um problema monetário de consequências graves. Que fazer?
Para saber o que fazer, necessário seria começar por escolher uma política monetária e para tanto determinar os fins em vista. Que se pretendia? Pretendia-se manter a situação orçamental de antes da guerra e fazer, portanto, uma política de estabilidade de preços e salários ? Por outras palavras: pretendia-se manter o poder de compra interno da moeda? Ou, pelo contrário, pretendia-se manter a estabilidade cambial? Ambas estas finalidades eram defensáveis, mas havia que optar.
Também neste caso se não podia servir a dois senhores. A grande questão entre os partidários do plano Keynes e os do plano White surgiu precisamente neste ponto. Os ingleses preferiam a estabilidade do poder de compra interno da moeda, ao passo que os norte-americanos optavam pela estabilidade dos câmbios.
Em Bretton Woods foi preciso escolher, e levou tempo. Em Portugal também era preciso escolher nos fins de 1940. E que se fez? Fez-se uma política híbrida desde 1939 a 1942, pode mesmo dizer-se, ao verão de 1942, se a memória me não falha. Pelo Ministério da Economia ou por quem lhe fazia as vezes fez-se política de tabelamentos e não sei se já de racionamentos, isto é, de estabilização de preços. Pelo Ministério das Finanças fez-se política de estabilização de câmbios.
Pelo quadro n.° 9 do relatório do Sr. Ministro das Finanças se vê que durante os anos de 1939,1940,1941 e parte do de 1942, S. Ex.ª foi coerente com a política que escolhera, desinteressando-se completamente da inflação monetária. E assim, em 1940, em vez de reter poder de compra, libertou-o, no montante de 154:700 contos; no ano de 1941, libertou 14:500. Em 1942, já a inflação monetária ia em cerca de 100 por cento, o Sr. Ministro das Finanças mudou de rumo e passou a coadjuvar a política de estabilidade do poder de compra interno. Fez nesse ano um esforço vigoroso para aumentar as disponibilidades do Tesouro, dando-lhes um acréscimo de 1.606:000 contos. Mas esse impulso logo afrouxou no ano seguinte, e no fim de 1945 tinha-se chegado apenas a um aumento de 2.381:600 contos. Isto para fazer face a quê? A uma avalanche de mais de 18 milhões de contos de ouro e de cambiais! Parece-nos realmente pouco e tardio.
Além do recurso ao imposto e ao crédito, que deu o que acabamos de ver, recorreu o Sr. Ministro das Finanças à venda de ouro. Ato que ponto foi levada esta política não o diz S. Ex.ª nem é fácil de averiguar. É possível que o Banco de Portugal diga alguma coisa a esse respeito no seu relatório de 1946. Pela minha parte digo que me parecia muito mais útil seguir para o ouro exactamente a mesma política que se tem seguido para a prata. Salvo melhor opinião, o ouro que se tem gasto nesta política é muito mal aplicado. A quanto monta não sei, e por isso dou o caso por arrumado.
O que sei é que os contrabandistas têm tirado grandes lucros com a passagem do nosso ouro lá para fora.
Dissemos que o Sr. Ministro das Finanças mudou de política em 1942, e foi verdade, mas não totalmente, pois que manteve a estabilidade cambial que inicialmente escolhera. Salvo melhor opinião, parece-me que isto foi um gravo erro, além de ser contraditório, como já dissemos.
Se se tem feito uma política monetária coerente, abandonando a estabilidade cambial, a concorrência entre os beligerantes far-se-ia em preços - ouro e não em preços-escudo. O ouro e a moeda estrangeira desvalorizar-se-iam em relação ao escudo. Nós receberíamos o mesmo ouro e as mesmas cambiais, a Inglaterra receberia o mesmo volfrâmio e os mesmos produtos. Mas os escudos postos em circulação seriam em muito menor número. Os preços dos produtos importados teriam sido muito mais baixos, numa palavra, a inflação teria sido muito menor.
Desta política incoerente resultou uma inflação monetária maciça, acompanhada de uma política de compressão e distorção de preços, de que o Sr. Ministro das Finanças nenhuma culpa tem. Mas desta simbiose resultou qualquer coisa de parecido ao que sucedeu nos países beligerantes, porque, ainda que vagamente, pôs-se em marcha um sistema semelhante ao deles, de que derivaram, como era natural, consequências parecidas.
Como o papel-moeda em circulação aumentou em proporções muito superiores à subida geral dos preços, sucedeu que as notas emitidas regressaram, em parte, ao Banco de Portugal debaixo da forma de circulação potencial; outra parte imobilizou-se no pé-de-meia dos particulares; o resto passou a circular nos canais habitualmente ocupados pela circulação bancária.
Entrou em jogo o factor velocidade, em sentido negativo, e o mercado encharcou-se em dinheiro, As taxas do desconto e redesconto baixaram até 21/2 e 2 por cento respectivamente o os juros dos depósitos à ordem quase se anularam apesar dos esforços do Sr. Ministro das Finanças em sentido contrário. Até o juro dos depósitos a prazo ficou reduzido a muito pouco, apesar da progressiva carestia da vida, que o mesmo ó que dizer da desvalorização da moeda.
Para ver até que ponto chegou o encharcamento em notas, é elucidativa a evolução da carteira comercial do Banco de Portugal a partir de 1938:
Total dos efeitos entrados
(Contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Os efeitos descontados foram aumentando em capital até ao fim do ano de 1940, para em seguida começarem a baixar rapidamente, estabilizando-se em 1942 e 1943, para em seguida tornarem a subir, até que em 1945 atingiram o nível nominal de 1938.
Quer dizer, a partir de 1941, justamente quando a inflação monetária se intensificou, o recurso ao desconto e redesconto do banco emissor começou a diminuir, o que explica a baixa das respectivas taxas.
E note-se que o recurso ao desconto e redesconto só aparentemente começou a subir em 1944, porque ó preciso notar que a moeda se desvalorizou.