698 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 94
Parafraseando Churchill, já lá por fora se diz «que nunca tão poucos trabalharam para tantos».
Isto pode não ser inteiramente verdade, mas não se exagera se se disser que o nunca tão poucos trabalharam utilmente para tantos».
Há, na verdade, muitas formas de trabalhar; trabalha-se até para dificultar a vida dos outros.
Trabalhar mais e complicar menos deverá ser o lema.
Guerra a essa bacanal de papelada que sufoca a Nação. São milhares de toneladas de papel que se não consomem sem outro fim aparente que não seja o de complicar, irritar e fazer perder o tempo e a paciência.
Anima-me verificar que ramos entrar, finalmente, no bom caminho da valorização económica; atesta-o o plano grandioso iniciado já com as obras do aproveitamento hidroeléctrico.
Se se continuar neste caminho e se os capitais amealhados se não desviarem para o supérfluo e grandioso, poderemos todos confiar no futuro.
Quanto ao presente, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. engenheiro Daniel Barbosa é um novo, mas um novo com um passado que o impõe já à consideração de todos nos.
S. Exa. poderá, se quiser, ser o Ministro da Economia por quem o País suspira. Basta para tanto que, abrindo de par em par as portas do seu gabinete, dê saída dali à rajada salutar que varra todos esses tiranetes incompetentes que, propositada ou inconscientemente, teimam em divorciar a Nação do Governo de Salazar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: na resposta ao elegante e substancioso discurso em que o ilustre Deputado e meu velho amigo Sr. Dr. Águedo de Oliveira apreciou a minha crítica à lei de meios para o ano corrente, tive ocasião de dizer, embora o Diário das Sessões o não registe, que, se não fora o receio de que os vinhos viessem a ser tabelados muito em breve, teria reservado as minhas considerações sobre a questão monetária para um aviso prévio a realizar depois das férias do Natal. Não obstante, que o problema ficava posto e que me parecia da maior vantagem que a Assembleia Nacional o viesse a discutir com o cuidado que ele merece.
Cumpre-me, portanto, Sr. Presidente, agradecer a V. Ex.ª e aos Srs. Deputados, e de um modo muito especial ao Sr. Dr. Bustorff da Silva e aos demais oradores que tão brilhantemente intervieram no debate, não só a conta em que tiveram a minha sugestão, mas também a gentileza das referências tão penhorantes com que se dignaram distinguir-me.
Iguais agradecimentos faço ao Sr. Ministro das Finanças, por se ter dignado enriquecer este debate com o seu elegante e substancioso relatório, cheio de preciosas informações e importantes esclarecimentos. E peço a S. Ex.ª que não veja nas minhas apreciações à sua obra uma quebra da velha amizade e camaradagem de Coimbra e da antiga e velha admiração que sempre tive pelo seu talento, pelo seu saber e pelas suas qualidades pessoais. Os mesmos motivos que animam S. Ex.ª animam-me a mim e a todos os que tom a honra de fazer parte desta Assembleia: bem servir a Pátria que nos viu nascer.
Sr. Presidente: está em causa neste debate, não só a política monetária seguida desde o princípio da guerra, mas ainda a minha opinião pessoal sobre essa política. Permita-me portanto V. Ex.ª que comece pela refutação daqueles argumentos chamados ad hominem, sempre de grande efeito nestas discussões. Pelo facto de o ensino da Economia Política ter sido inicialmente entregue às Faculdades de Direito, pensam muitos que só a cultura jurídica dá capacidade para estudar os problemas que caem no âmbito daquela ciência.
E, o que é pior, não falta quem julgue que certas formas de cultura, designadamente a matemática, não só não favorecem, mas diminuem a capacidade para esses estudos. Vou procurar demonstrar que este ponto de vista é erróneo, quer se tenham em conta as semelhanças, quer as diferenças que há entre a cultura jurídica e a matemática.
Foi num pequeno compêndio de geometria dos princípios do século XVIII que vi pela primeira vez posta em evidência a semelhança entre a Matemática e o Direito. Não tenho presentes os diversos passos seguidos pelo autor, mas calculo que a linha geral da argumentação resulte de ambas estas ciências serem essencialmente dedutivas. Partem de certas verdades, que na Matemática se chamam axiomas e postulados e em Direito princípios gerais, e daí derivam, com o simples auxílio da Lógica, toda a sua doutrina.
E se é grande, neste aspecto, a semelhança do Direito com a Matemática pura, maior é ainda com as Matemáticas aplicadas - Mecânica, Física, Astronomia. Estas ciências partem igualmente de certas proposições, habitualmente chamadas leis ou princípios, das quais se deduzem, com auxílio da Lógica e da Matemática, todas as verdades nelas contidas, umas já descobertas pela experiência ou pela observação, outras deduzidas pelo cálculo e em seguida verificadas experimentalmente.
Por isso mesmo, a semelhança das ciências jurídicas com as Matemáticas aplicadas é ainda mais completa do que com as Matemáticas puras, porque, além de abranger toda a parte formal destas ciências, digamos, toda a arquitectura das suas construções, vai um pouco mais além. Nas Matemáticas paras, os princípios de que se parte são desprovidos de conteúdo, segundo a concepção mais moderna desta ciência; são formas sem matéria ou, melhor, cuja matéria é indeterminada a priori, ao passo que no Direito e nas Matemáticas aplicadas as verdades de que se parte têm de estar de acordo com os factos, o mesmo tendo de suceder a todas as consequências que logicamente se deduzem dos princípios admitidos. Isto tanto é verdade no Direito como nas Matemáticas aplicadas. Simplesmente, no caso destas, a verificação experimental é quase sempre fácil e sem contestação possível, ao passo que no Direito muitas vezes não sucede assim.
Não obstante, tanto o Direito como as Matemáticas são disciplinas eminentemente apropriadas para o exercício e desenvolvimento da inteligência e do raciocínio, que são o alicerce em que se apoia a cultura moderna.
Onde as divergências são profundas entre o Direito e as Matemáticas, tanto puras como aplicadas, é na matéria que manuseiam. As Matemáticas actuam na esfera do ser; o Direito trabalha no domínio do dever ser. Tal como a Moral, o Direito tem em vista um ideal: uma escala de valores para os actos humanos.
Mas ao passo que a Moral vai beber os seus princípios a uma Religião ou a uma Filosofia, e apela unicamente para a razão e sensibilidade dos homens, o Direito apela principalmente para a coacção, para a força, e tem sobretudo em vista a salvaguarda dos interesses materiais, tanto dos indivíduos como dos povos. Na melhor das hipóteses, o Direito procura pôr a Força ao serviço da Razão. O legislador é o homem que impõe a sua vontade aos outros. A sua atitude perante a matéria que manuseia é a de quem comanda.
Muito diferente é a atitude do homem de ciência, tomando esta palavra no sentido estrito de ciência do ser ou, mais precisamente, de ciência da natureza. O