1 DE MARÇO DE 1947 699
homem de ciência procura dominar as forças naturais, pô-las ao serviço da humanidade, mas sabe que para tanto tem de obedecer às suas leis, e para isso precisa de as conhecer tais como elas são. A sua atitude perante a matéria que manuseia é passiva; é a de quem tem de aceitar 9 que vier; é a de quem obedece incondicionalmente. É uma atitude de humildade.
Tal é a diferença de hábitos intelectuais que separa os homens das ciências normativas dos das ciências explicativas ou de facto.
Qual destas atitudes é a mais adequada ao estudo dos fenómenos económicos ? Ou por outra: pertence a matéria da Economia Política à esfera do ser ou à do dever ser? É ciência explicativa ou normativa?
A esta pergunta podemos responder, como Horácio: Certant grammatici... Há opiniões.
Segundo Lionel Robins e a generalidade dos economistas modernos, o que caracteriza a actividade económica é a escolha de meios escassos e alternativos para realizar determinados fins. Ora uma escolha é um acto humano, isto é, consciente e livre. A actividade económica do indivíduo é, pois, uma sucessão de actos conscientes e livres, ao contrário do que sucede com os fenómenos naturais, que resultam da acção combinada das forças brutas da natureza. E é por isso mesmo que a actividade económica individual está sujeita legitimamente aos preceitos da Moral, como é doutrina da Igreja, ao contrário do que sucede à actividade dos agentes naturais.
As raízes da actividade económica não brotam da natureza, mas da razão humana, e é por isso que a economia política não pode ser considerada como uma ciência natural no sentido estrito. Mas uma coisa são as raízes e o atra é o tronco. O acto humano, e portanto responsável, que dá o ser à actividade económica, pode perder-se numa multidão de outros actos igualmente humanos, que o anulam ou invertem, deixando a resultante de ser consciente e livre, porque não deponde sensivelmente da vontade de ninguém. Assim se desenvolvem actividades resultantes de actos humanos, mas que não são actos humanos. São actividades sociais, e não individuais. Pertencem à esfera do ser, e não à do dever ser.
Estas actividades constituem o domínio das ciências sociais, que é por assim dizer misto, porque parte se situa na esfera do ser e parte na do dever ser.
Isto levou à divisão das ciências em morais e matemático-naturais, sendo as ciências morais as que estudam os actos humanos e as actividades deles resultantes.
Sr. Presidente: depois do Cálculo das Probabilidades, ó sem dúvida a Economia Política a ciência moral que mais se avizinha das ciências naturais, no sentido de ser aquela em que os fenómenos são dominados em mais alto grau por leis objectivas. E isto quer se trate duma economia livre, quer dirigida, contanto que seja de homens e para homens, e não para autómatos.
Com efeito, uma economia para ser eficiente precisa de obedecer a leis que dependem da natureza das coisas, e não do capricho dos homens, sejam eles príncipes ou milionários.
Para estudar e compreender essas leis há que tomar a atitude humilde do homem que observa, e não a do que comanda. Por isso mesmo os homens de cultura científica não estão em pior posição ou disposição de espírito para estudarem os fenómenos económicos básicos do que os homens de formação jurídica.
A formação científica é antes uma vantagem para o estudo dos fenómenos económicos, e a cultura matemática traz por acréscimo a posse de um formidável instrumento de investigação, que é o cálculo. Assim se explica a tendência moderna paru a integração dos estudos económicos nas Faculdades de Ciências ou institutos afins; a criação recente de uma nova ciência -a Econometria-,
cujo objectivo é a aplicação do cálculo ao estudo concreto dos fenómenos económicos, e o predomínio que estão tomando, não só na literatura económica contemporânea mas até nas conferências internacionais, os economistas de cultura matemática.
Não só a razão mas os próprios factos mostram que a cultura matemática, longe de ser um empecilho, é do grande vantagem para o estudo dos problemas económicos. Saibam os jovens matemáticos que este campo lhes não é vedado.
Outro defeito que me põem ó de ser um teórico.
As ciências dedutivas são eminentemente teóricas, e é por isso mesmo que têm a primazia entre as ciências. Ora, o que distingue o conhecimento científico do vulgar é que este só abrange os fenómenos, ao passo que aquele penetra também as causas, como já dizia Aristóteles. E é por isso mesmo que é muito mais profundo e muito mais útil, pois só poderá dominar os fenómenos quem conhecer as causas deles. É daqui que resulta a superioridade do médico sobre o enfermeiro, a do engenheiro sobre o mecânico e o mestre de obras, a do advogado sobre o solicitador; numa palavra, a primazia da cultura sobre a incultura.
E, se isto foi assim em todos os tempos, o que diremos hoje, em pleno século XX, em que não só os transportes, as comunicações e todas as indústrias são frutos admiráveis da ciência, mas até as próprias matérias-primas são já em boa parte obra sua?
Como se poderá ser alguém hoje em dia sem se ser um teórico, isto é, um homem culto, conhecendo cientificamente os ramos em que exerce a sua actividade?
Dir-se-á que, se isto assim é nas ciências naturais o nos ramos de actividade que delas dependem, o caso muda quando se trata das actividades económicas, políticas e sociais. Muda, sim, mas apenas de grau, que não de natureza. E muda de grau porque as ciências sociais estão muito atrasadas ainda, em comparação com a generalidade das ciências naturais. E esse atraso está em que, na maioria dos casos, as ciências sociais só limitam à descrição dos fenómenos, sem atingirem as causas, e o seu conhecimento fica por isso no mesmo nível do conhecimento vulgar.
Quando assim é, o prático pode ter superioridade sobro o teórico, sobre o homem que tem apenas a cultura livresca, porque a este falta a chamada vivência das coisas, sem a qual se não tem de muitas delas verdadeiro conhecimento. Mas poderá chamar-se teórico a quem apenas tem dos fenómenos um conhecimento de grau inferior ao conhecimento vulgar? Evidentemente que não. Há aqui uma grande confusão. É preciso distinguir o conhecimento teórico do conhecimento livresco.
Os fenómenos económicos são daqueles que, para serem compreendidos, exigem certa vivência, sem a qual nem sequer se podem entender os livros que os descrevem. Ora a vivência adquire-se pelo contacto directo com as coisas. Quanto mais variados forem esses contactos mais rica será a vivência adquirida.
Por outro lado, quanto mais atrasado estiver o conhecimento das causas dos fenómenos mais rica precisa do ser a vivência deles, para quem queira conhecê-los bem. Nas ciências da natureza a vivência adquire-se pela experiência laboratorial e pela observação dos fenómenos naturais. Nas ciências morais a vivência adquire-se pela observação e pela prática, e até pela experiência da vida, que é a grande riqueza da velhice.
Mas, se é verdade que a vivência das coisas é indispensável para ter delas conhecimento perfeito, não se vá daí concluir que basta por si só para formar os dirigentes da vida moderna, qualquer que seja o ramo de actividade humana que se considere. O cavador, por mais que cave, nunca chegará ao saber do agrónomo. O mecânico, por mais que ferranche toda a vida, não chegará