694 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 94
si e se evitavam as flutuações anormais no poder de compra do ouro.
O sistema foi aplicado pelos Estados Unidos, que procuravam evitar que o ouro que entrava em abundância nesse país tivesse influência no crédito. Era uma espécie de esterilização do ouro.
A Inglaterra praticava ao mesmo tempo uma política de altos preços de custo. Impedindo o padrão-ouro de funcionar, não consentia que a sua balança de contas, diminuída de parte das divisas tiradas da exportação, se apresentasse deficitária. A saída de ouro que então se teria produzido provocaria alta de taxa no mercado londrino. Teria sido um remédio duro, imas salutar. Os pedidos de empréstimo em Londres teriam diminuído e iriam procurar outras praças. Mas o Banco de Inglaterra achou preferível substituir por compras de obrigações de Estado o metal que saía do país. Trabalhava em mercado aberto - open market.
Por outro lado, aplicando o sistema do Gold Exchang Standard, que a autorizava a contar na sua reserva monetária os créditos pagáveis em ouro e deixados em depósito nas praças de origem, dissimulava a realidade da situação.
A sensibilidade e eficiência de mecânica do padrão-ouro estavam comprometidas. Os movimentos do crédito do ouro deixam de estar solidários. Regressavam dos Estados Unidos os capitais exportados durante H guerra, mas sem modificar as reservas metálicas daquele país. A distribuição do ouro tornava-se, portanto, anormal.
Criava-se ao mesmo tempo terrível máquina de inflação. Os capitais que regressavam à Europa continuavam a estar disponíveis nos Estados Unidos. Tinham, por assim dizer, uma dupla existência.
A terceira recomendação dos peritos para maior cooperação entre bancos emissores traduziu-se na prática por créditos concedidos de um banco a outro, quando possivelmente mais valia realizar operações de desconto. A forma artificiosa como o Federal Reserve System acompanhou a evolução da taxa do Banco de Inglaterra está na base do período de intensa especulação que só termina em 1929.
Estavam suprimidos, por assim dizer, os freios automáticos que agiam na mecânica internacional.
E bom, Sr. Presidente, relembrar estes factos, hoje esquecidos, para se verificar as tremendas dificuldades que foi necessário vencer para sanear e equilibrar a moeda portuguesa. Tivemos a coragem de resistir a fórmulas fáceis verdadeiramente aliciantes. Quando o Banco Internacional se faz porta-voz das doutrinas sadias que séculos antes Centurione tão elegantemente expunha, repetia as normas da economia clássica que Portugal com prudentes alterações adoptava na sua tarefa de regeneração.
Se Portugal, pela força de circunstâncias estranhas à sua vontade - a crise inglesa -, se via forçado a seguir outro caminho, alinhando o escudo pelo esterlino quando acabava de atingir a meta que o Banco Internacional preconizava, nada provava que o escudo não possuía todas as condições próprias de uma moeda sadia. A nota de banco estava integrada na sua função económica, deixara de ser expediente para cobrir deficits.
As reservas do Banco podiam passar a ter composição mais apropriada com um aumento constante e progressivo das reservas metálicas.
Não havia qualquer restrição ao comércio dos câmbios. Acentua-se a tendência de entrada de capitais no País. A taxa de juro conhece uma baixa gradual. O câmbio mantém-se com inteira estabilidade.
Ao iniciar-se a segunda guerra mundial o nosso crédito no mercado internacional está firmemente assente.
Em toda a parte o escudo português é aceite como persona grata.
A seguir surge a guerra mundial o a moeda portuguesa tem de sofrer os embates inevitáveis da economia de guerra.
No período anterior à primeira guerra mundial a economia do Mundo parecia de facto razoavelmente organizada. Cada continente e cada país desenvolvia, sobretudo, os produtos mau próprios às suas condições naturais. Uns eram produtores de matérias-primas, outros de produtos manufacturados.
Mais ainda r mercê dos capitais postos largamente à disposição dos países novos, estes podiam desenvolver-se intensamente e tornar-se clientes dos grandes países industriais.
Em 1913 o comércio mundial podia ser avaliado em 37:790 milhões de dólares-ouro, sendo 19:460 para as importações e 18:330 para as exportações. A Europa tinha 61 por cento desse comércio.
Estes circuitos comerciais claramente definidos foram bruscamente interrompidos pela primeira guerra mundial. No regresso à paz o panorama era inteiramente diverso e a breve trecho foi impossível pôr em funcionamento esta mecânica tradicional. Indústrias novas criadas em plena guerra reclamavam a protecção dos Estados. Por toda a parte elevam-se verdadeiras muralhas da China de tarifas protectoras em redor das nações.
Sr. Presidente: compulsando as estatísticas ficamos admirados de verificar que, embora o comércio mundial continue a progredir, o seu eixo mudou.
O Japão passa a exportador de tecidos de algodão. O Canadá, em vez de exportar madeiras, exporta pasta de papel. Existe um franco progresso dos países produtores de matérias-primas a fazer concorrência aos países industriais.
A breve trecho a baixa de preço nas matérias-primas empobrece as balanças comerciais dos países produtores e torna impossível ou difícil a aquisição normal de produtos manufacturados.
Se examinarmos um gráfico do comércio mundial nesse período que se inicia em 1929 e se prolonga ate u. nova guerra mundial, sobretudo se for um gráfico polar, assusta pela sua espiral cada vez mais apertada, quase asfixiante. Um estudo dos balanços comerciais das diversas nações mostraria que antes do conflito quase todas as balanças se podem filiar num sistema geral de transacções que permitia a transferência dos juros, dividendos e outros pagamentos dos países devedores para os países credores europeus.
Este sistema, que se podia chamar mundial, é substituído gradualmente por um sistema de trocas bilaterais.
Assim, ao passo que a Europa insular exporta 190 milhões de dólares de mercadorias para os trópicos em 1928, dez anos depois, em 1938, importa 270 milhões.
Muitos dos raciocínios feitos sob o ponto de vista económico e monetário esquecem as profundas transformações que se foram dando e ainda estão em via de evolução no Mundo.
Os preços praticados em determinados mercados externos afiguram-se nitidamente especulativos. Se, de facto, a nossa excepcional situação financeira permite largo recurso à importação, será prudente, sobretudo enquanto as incógnitas internacionais são imensas, não descurar todas as possibilidades do fomento da produção nacional.
Feitas bem as contas, será possível verificar que muitas vezes a importação acaba por ser feita por preço muito mais alto do que aquele que se considerou justo