830 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 101
Qual o objectivo do empreendimento da indústria espanhola?
Dar incentivo e ambiente ao melhoramento da ovinicultura do país vizinho - a pátria do merino -, para que produza os tipos de Ia habitualmente importados e procurar uma louvável emancipação económica.
A nossa indústria, ao invés, está mecanicamente mal apetrechada; vive há cinquenta anos com máquinas cansadas e antiquadas - conservadas na redoma da protecção pautal -, não podendo nem sabendo tirar todo o partido das «propriedades» das lãs nacionais, valorizando-as, nem tão-pouco tirar maior rendimento delas e das próprias lãs estrangeiras. Trabalha mal e caro e está longe da técnica moderna, como a própria indústria repetidamente confessa, com o objectivo de manter as elevadas taxas de laboração.
Não o digo eu, mas seus qualificados elementos, cujos conceitos citei e não renovo, para abreviar.
E se tem em vista reapetrechar-se, como apregoa, as possibilidades para tanto vêm-lhe do período de guerra, em que quase exclusivamente trabalhou, em ritmo reduzido, as lãs nacionais à custa de exageradas taxas.
Não é um alcorão certo documento em que o Sr. Dr. Alçada Guimarães se apoia para dizer que «durante cinco anos de guerra não se puderam dominar as dificuldades, nem diminuir a especulação, nem abastecer o mercado», não obstante as salutares medidas do Governo, como eu disse e relembro, para confirmar certa frase do Sr. Dr. França Vigon.
Quando interrompi aquele ilustre orador afirmei que essas circunstâncias tinham beneficiado alguns; muitos, digo- agora. E demonstro porquê:
1.° Muitos industriais iludiram os contingentes legais de laboração, fazendo-se concorrência desleal, comprando e vendendo à margem das tabelas, como atestam numerosas apreensões anuais;
2.° É edificante o caso das lãs espanholas, ou como tais baptizadas só porque eram despachadas num posto aduaneiro fronteiriço - como narram cartas que me foram endereçadas-, e, todavia, os industriais paga vara voluntàriamente essa matéria-prima a preços muito superiores à tabela, estabelecendo assim a confusão;
3.° No período anteguerra a indústria trabalhava em plena liberdade, largamente abastecida de lãs estrangeiras e proibida a exportação da lã nacional;
4.° Apesar de trabalhar em cheio e superabastecida, a sua situação económica era difícil, estando alguns no limiar da falência;
5.° Em contraposição, no período da guerra - com restrições no trabalho, quase só com as lãs nacionais e com os tecidos tabeladas - conquistou uma situação de largo desafogo financeiro.
Por minha vez pergunto: como é que nestas condições a indústria atingiu o grau de prosperidade que todos constatamos?
Não terá sido por via do condicionamento, com sacrifício dos consumidores e dos produtores?
Em defesa daqueles ainda não ouvi aqui atacar a indústria algodoeira, cuja situação também merece ser escalpelizada.
Sr. Presidente: na representação ida Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios e no discurso do Sr. Deputado Dr. Cerveira Pinto jogou-se com os números no intuito de contestar os meus e os conceitos neles firmados; deste facto resultou uma certa confusão.
Para completo esclarecimento da Câmara, do Governo e do público, importa verificar a exactidão desses números e interpretá-los.
Confirmo que a produção é de cerca de 7.500:000 quilogramas, que aquelas entidades rebaixaram para 6.300:000 quilogramas, alegando que em 1944 foi só este o volume adquirido pela indústria.
Em documento oficial da Junta Nacional dos Produtos Pecuários vê-se que na campanha lanar daquele ano foram adquiridos 7.100:000 quilogramas de lãs churras e não churras de tosquia e peladas, brancas e pretas, a que há que somar as negociadas clandestinamente.
Não só neste facto me apoio, mas também nos números dos arrolamentos gerais de gado a nos pesos médios dos velos, dos efectivos ovinos.
Quanto à importação, aventa-se que em 1946, segundo o Instituto Nacional de Estatística, só entraram 11.069:000 quilogramas.
Este número não invalida a veracidade dos meus, porque no Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística só estão referidas as quantidades saídas da Alfândega para as fábricas até àquela data, e não aquelas que estão ainda por despachar, embora já descarregadas e prontas para ser levantadas.
Parte dessa lá está nos armazéns e nos cais do porto de Lisboa a deteriorar-se, como disse o ilustre Deputado Sr. Melo Machado e eu corroborei. Hoje acrescento: há muitos fardos de lã à chuva nos cais, sobre, a lama e dentro de poças de água, em risco de total ou parcial inutilização.
Na fábrica de Alhandra houve que trabalhar, com prejuízo de outras, uma partida de lá, enviada para ali urgentemente para a salvar, pois estava em plena fermentação. No lavadouro de Torres Novas acudiram a outras partidas em péssimo estado, com as embalagens apodrecidas e com temperaturas no interior dos fardos superiores a 50°, devido a fermentações.
De facto saíram de barcos estrangeiros 14.056:000 quilogramas de lã na base de sujo, conforme os documentos que me foram enviados. Pode-se discriminar a sua origem, portos de embarque, nome do destinatário, bem como datas de carga e descarga, o número de fardos e os seus pesos, bruto e líquido.
Também é certo o número de cerca de 12.000:000 de quilogramas relativo às lãs que, até 31 de Dezembro de 1946, ficaram em condições de ser retiradas dos entrepostos aduaneiros, por terem sido pagas as taxas de importação devidas à Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
É ainda exacta a quantidade de 16.516:971 quilogramas como o total para que foram passadas licenças em 1946.
O Sr. Deputado Dr. Cerveira Pinto asseverou que muitas autorizações não serão utilizadas, por desistência dos interessados; não vejo bem como isso possa ser em relação aos 14.056:000 quilogramas já descarregados e pagos.
A esta afirmação contraponho a seguinte informação: só durante o mês de Fevereiro chegaram ao País quase duas centenas de milhares de quilogramas de lã sem prévia licença! Este inqualificável desregramento não pode continuar.
Aquele ilustre colega informou mais que a existência de lã na mão da indústria andava à, volta de 5.500:000 quilogramas, o que eu rectifiquei para 8.856:000 quilogramas, conforme dados oficiais em meu poder e que levaram o Dr. Cerveira Pinto a modificar os seus cálculos. A diferença está em que nestes só eram consideradas as lãs em rama, sujas e lavadas, a que tem de se somar os pesos na base de sujo referentes aos penteados e aos fios cardados e estambrados, visto ser nestes estados que se constituem os stocks naturais de uma indústria de lanifícios.
Sr. Presidente: para a Assembleia Nacional se aperceber da verdadeira situação, ofereço à sua esclarecida