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828 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 101

O Orador: - Na percentagem da palha e do trigo a percentagem é precisamente a mesma. A palha anda por 10 por cento em relação ao grão. Por consequência, tal como a lei de Elvino de Brito não se invoca para proteger a palha, também nós não podemos em nenhuma medida equiparar a lã com o trigo. Há, contudo, qualquer coisa que a lavoura deve reivindicar porque tem absoluto direito a que esse tratamento lhe seja dispensado.
Tal e qual como os produtores de trigo portugueses sabem que todo ele lhes será adquirido e rapidamente pago pelo organismo competente, é justo que a cada ovinicultor seja assegurado que a lã que colher lhe será adquirida e paga pelo organismo próprio, ao preço da concorrência internacional e sem delongas no pagamento.
Já não se exige pequeno sacrifício ao consumidor, porque aos preços da concorrência internacional talvez a indústria pudesse comprar matéria-prima em condições de baixar o preço dos tecidos. Forque, pelo que ouvi, a indústria tem de orientar-se decisivamente nessa política.
Acima de tudo e de todos prevalece o interesse da colectividade.
Significa isto que eu me associe à afirmação, que aqui se fez, de que a indústria e a lavoura especulam?
Cada uma dessas actividades tem feito o que tem podido no sentido dê servir o interesse nacional e mais do que seria lícito no de defender os seus interesses próprios.
Ouvi aqui eloquentes censuras acerca dos latifúndios do Alentejo, mas que, salvo o devido respeito, não correspondem à verdade. O Alentejo é modelar no seu amor à terra e no desenvolvimento agrícola de inúmeras lavouras.
Quanto à indústria, recordo-me de industriais que conheci a guiarem uma carrocita puxada por um cavalo e hoje fazem ... o sacrifício de se deixar conduzir em viaturas de 40 e 50 cavalos de força. Lembro-me dos que vi esmagriçados e pobres e hoje sofrem dos pantagruélicos engorgitamentos que lhes afectaram o fígado e debilitaram a saúde.
Curvo-me, por todas estas razões, emocionado de dor perante tantos e tão dolorosos sacrifícios.
E peço e espero que se cansem de tanto...sofrer por conta de quem se vê forçado a adquirir-lhes os produtos.
Faço sinceros votos por que lavoura e indústria se aproximem e conjuguem esforços; aquela, produzindo mais e melhor, esta produzindo mais e mais barato.
No respeito devido aos direitos de cada um, a indústria não pode deixar de ser obrigada a comprar até ao último grama de lã nacional aproveitável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A lavoura, por sua vez, que se satisfaça com um preço que justifique o não se recorrer ao mercado internacional. E que não se digladiem, para evitar ao consumidor o lastimável destino do mexilhão...
Nas rochas que se prolongam pelas costas de Portugal vive um pequeno molusco, instalado numa pequena casca, alimentado ao azar da sorte, pois só come o que lhe chegam bem perto. Umas vezes por outras o mar embravece, levanta-se em ondas espumantes e furiosas e trava com a terra uma batalha trágica e ruidosa. Roda o vento, volta a calma e mar e terra voltam à harmonia, sem danos de parte a parte.
Quem sofre é o mexilhão.
Nestes conflitos da lavoura e indústria o papel de mexilhão cabe ao consumidor.
Defendamo-lo na medida do possível. Ainda não há muito se aprovou nesta Assembleia, por unanimidade, uma moção para o Governo orientar a sua política no sentido do barateamento do custo da vida de todos os portugueses.
Não anulemos hoje o que afirmámos ontem. Deixemos ao Governo a liberdade de movimentos precisa para acudir onde e como for conveniente.
A acção do Sr. Ministro da Economia, revelada nestes últimos dias, denuncia que se está rasgando caminho para uma nova vida, onde não cabem os negócios à mercê de um número limitado de interessados.
Falou-se em que seria útil ressuscitar a comissão arbitral. Reclamou-se a restauração de um organismo inútil e contraproducente. A comissão arbitral existiu enquanto houve condicionamento no mercado das lãs. Reduzira-se ou limitara-se a um pequeno número de intermediários o direito de adquirir as lãs à lavoura. Não será preciso dizer mais para se aquilatar dos abusos que essa limitação facilitaria. Depois, a comissão arbitral fixava os preços pelos quais a Junta Nacional dos Produtos Pecuários ou, afinal, a indústria compravam essas lãs, não ao produtor, mas ... ao intermediário. Terminado o regime de condicionamento da venda das lãs, a comissão deu, como era lógico, a alma ao Criador.
E sabem V. Ex.ªs por quem era composta essa comissão arbitral? Por um representante da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, por um representante do comércio e por um representante da indústria. Do consumidor nem cheiro!
Ora a guerra acabou e as dificuldades a que deu causa vão desaparecendo, pelo que é propício o momento de dar a palavra a um dos principais interessados.
A política do Governo está definida. Não deverá haver mais privilegiados...
Os concursos fazem-se à porta aberta e por carta fechada. São preferidos os que oferecem melhores condições.
Orientados por esta regra de uma prudente, absoluta e gradual libertação das actividades individuais, chegaremos a um resultado prático, útil e de interesse geral.
Abstenhamo-nos de dificultar a concorrência e o abaixamento dos preços. Tudo que signifique prender os movimentos do Governo nesse sentido é antieconómico, antipatriótico, nitidamente contrário aos interesses nacionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma moção assinada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que vai ser lida à Assembleia.

Foi lida. É a seguinte:

«A Assembleia Nacional, reconhecendo que tem havido falta de coordenação entre as actividades de produção, comércio e transformação das lãs e que se não justificaria que a produção nacional não fosse aproveitada, na medida em que o pode ser, pela indústria nacional, mas se sacrificasse à estrangeira, confia em que o Governo assegure aquela coordenação e este aproveitamento».

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: vou penitenciar-me de uma falta que cometi, começando as minhas considerações de hoje por onde deveria ter terminado a minha intervenção no primeiro dia.