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930 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 107

porativismo em Portugal está longe de se estender de facto a todo o território e a todas as actividades em que deveria interferir.
Isto apesar dos notabilíssimos esforços desenvolvidos por algumas individualidades de grande mérito, a quem rendo daqui as devidas homenagens.
O nosso corporativismo é incompleto, é fragmentário, é, sob muitos aspectos, superficial. Pode dizer-se numa fase apenas incipiente.
Tenho pelo corporativismo a simpatia que me é dada por uma deformação profissional, pelo meu interesse pelas coisas históricas. O corporativismo tem velhas tradições no País.
Já no começo da Monarquia se tomaram providências económicas hoje em moda designadas por nomes estrangeiros. Os nossos primeiros monarcas decretaram, por exemplo, o clearing.
Mas eu sou avesso a um estrito, a um rigoroso dogmatismo em matéria política e económica.
Entendo que as soluções variam segundo os países e segundo as épocas e acho que nós devemos sempre reivindicar o mais possível o carácter nacional, o carácter próprio, o carácter original das nossas soluções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Recordo que na minha mocidade estava em voga a ciência social de Lê Play e Tourville. O ilustre Prof. Serras e Silva, o engenheiro Matos Braamcamp e outras individualidades portuguesas consagravam-se com entusiasmo ao estudo desse ramo de pesquisas sociais. Ele inspirou mesmo muitas outras ilustres personalidades que, na velha terminologia política, poderíamos chamar «figuras das direitas».
De acordo com as tendências dessa escola, ainda não renunciei desejar também uma autêntica liberdade de iniciativa privada. Para mim as corporações de hoje não podem ter a simplicidade das antigas, nesta época de industrialismo e de tecnicismo intensos e complexos. As corporações não devem ser asfixiantes das actividades económicas, reais, fecundas, legítimas, espontâneas naturais, como não se deve nunca perder de vista que acima do interesse de qualquer agremiação, de classe ou de profissões há os interesses nacionais, há os interesses do grande público, sobretudo do público consumidor, e, acima de tudo, ainda dos pobres, dos infelizes, dos deserdados da fortuna.
De todo este debate, e sobretudo do relatório da comissão, tirei esta conclusão, mais uma vez: os defeitos são menos dos sistemas e das instituições do que dos homens. Eis a razão pela qual tenho batalhado e continuarei a batalhar, no sentido do aperfeiçoamento do factor humano em Portugal. Eis a razão que me levou hoje a subir a esta tribuna.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: à interminável série de perguntas, dúvidas e até de acusações que de todos os sectores nacionais surgiam a propósito da organização corporativa a Assembleia Nacional, correspondendo a uma proposta da maior oportunidade do distinto Deputado Sr. Dr. Mário de Figueiredo, nomeou uma comissão para proceder a um inquérito, cujo inteligente e substancial relatório está em discussão.
Tive a satisfação de o ler, não com o vagar que um tal documento bem merecia, e como eu muito desejaria fazê-lo, porque a multiplicidade de temas para que a nossa atenção diariamente é solicitada não nos permite dispor do tempo que esse estudo requereria, mau, mesmo assim,
foi-me possível, além dos pontos já aqui inteligentemente desenvolvidos, destacar algumas passagens sobre as quais esboçarei considerações que V. Ex.ªs vão ter a paciência de escutar; mas, antes de o fazer, pronunciarei algumas palavras de apreciação geral.
No proficiente relatório foca-se, logo de entrada, a desvirtuação dos organismos corporativos, forçados como foram, durante a guerra, a exercer funções que lhes não cabiam e para que não estavam devidamente preparados, de forma que o público os confundiu, umas vezes com a Intendência Geral dos Abastecimentos e quase sempre com grandes casas de negócio, género concentração económico-capitalista. Este forçado desvio de funções quase ao nascer perturbou a vida da nova instituição.
Com uma coragem e imparcialidade dignas de registo, no capítulo intitulado «Desvios e vícios de funcionamento», o panorama é definido com mão de mestre, em linhas muito gerais, e, assim, depara-se com um longo sudário em que se fala de outros afastamentos das funções para que haviam sido criados os organismos corporativos, mas estes insusceptíveis de serem imputados à guerra, como o de passarem a constituir intermediários privilegiados, que se iam substituindo às entidades a que muitos anos de trabalho deram a precisa competência, e que por isso nunca deveriam deixar de exercer determinadas funções, ou as reduziam a situações insignificantes e caracterizadamente parasitárias.
Fala-se em injustiças e favoritismos de que nem sempre as próprias direcções se mostraram isentas.
E vai-se até à referência a operações realizadas por peita de funcionários e a preços do «mercado negro», como se alude também a mercadorias arrastadas para fora da área dos grémios.
Afirma-se que a organização corporativa marcou tendências manifestas para o monopólio.
E define-se a evolução do fenómeno que a tanto conduzira: partindo de concentrações voluntárias, e por vezes detentoras de poder público, iam negando o exercício da actividade aos que já a exerciam, aos que pretendiam voltar a exercê-la e, ainda, recusando a inscrição a todos os que, embora no seu pleno direito, quisessem dela fazer parte.
De tal recusa todo o apelo ou recurso resultava em pura perda.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-mo licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É só pura uma nota perfeitamente no mesmo terreno em que estão a ser feitas as considerações de V. Ex.ª
Houve muitos casos em que se sentiu a diferença de tratamento do patrão para o trabalhador consequente do facto de estar fechado ao trabalhador o estabelecer-se por conta própria.

O Orador: - Tem V. Ex.ª toda a razão. O que acaba de dizer, não só confirma, mas agrava as relações do patrão com o operário, em prejuízo do segundo.
Alude-se, com sobejos fundamentos, à complicada e perturbadora burocracia corporativa, onde se exacerbaram os males apontados à burocracia do Estado: papéis sem conta, deslocações por tudo e para tudo, sem se atender à vida de cada um, delongas intermináveis e despesas muitas vezes evitáveis.
É posta em evidência a euforia financeira, sobretudo dos organismos de coordenação e dos grémios obrigatórios, a qual se exprime em muitas centenas de milhares de contos.
E, como consequência de tanto dinheiro, fala-se no luxo das instalações e dos quadros.