22 DE MASCO DE 1947 961
despesas do Estado, e tanto a lavoura como os seus organismos corporativos não podem suportar essa encargo.
Por isso julgamos indispensável que a proposta seja da iniciativa do Governo e nesse sentido faço este apelo a V. Ex.ª e a S. Ex.ª o Ministro do Interior.
Posto isto, Sr. Presidente, vou entrar no assunto que me proponho tratar hoje.
Sr. Presidente: faz no dia 23 do corrente um ano que, deste mesmo lugar, fiz a S. Ex.ª o Ministro da Economia um angustioso apelo em nome dos senhorios e de alguns rendeiros sensatos para que V. Ex.ª se dignasse acabar com o regime iníquo, arbitrário e injusto do subsídio de cultura pago à custa dos senhorios.
Procurei demonstrar com grande soma de argumentos (Diário das Sessões n.º 57, de 25 de Março de 1946), que não reproduzirei aqui, para não alongar demasiadamente esta fala, que um tal regime, além de anti-constitucional, por ser contrário ao direito contratual e de propriedade, é perturbador das boas relações que é necessário e indispensável haver entre rendeiros e senhorios e em nada beneficia o consumidor.
Mas a minha débil voz não teve o condão nem a honra de ser ouvida por S. Ex.ª o Ministro e o regime cerealífero do passado ano (decreto-lei n.º 35:776, de 31 de Julho de 1946) reproduziu integralmente, comodamente, a disposição que, sem qualquer respeito pelos direitos dos senhorios, vem sendo reproduzida todos os anos, desde 1940, no decreto que regula o regime cerealífero e manda pagar a dinheiro pelo preço da tabela de 1933, ou seja ao preço médio de l$50 cada quilograma, as rendas e os foros legalmente estipulados a trigo.
Venho renovar este ano o meu apelo ao novo Ministro da Economia, na esperança de ser melhor sucedido e de que S. Exa., neste caso, como em outros que de há muito se arrastavam sem solução e desassombradamente já tem resolvido, se dignará estudá-lo e atendê-lo dentro do espírito de equidade e de justiça que lhe é peculiar.
Em resumo, Sr. Presidente, trata-se do seguinte: as rendas das propriedades rústicas, em geral, são estipuladas em géneros, pelo menos no Alentejo, e em trigo principalmente onde predomina a cultura cerealífera, fazendo por vezes parte da renda alguma porção de outros géneros, como porcos gordos, azeite, lenha, etc., chamados opitanças», isto quando se trata de explorações que produzem também estes géneros e o senhorio precisa deles para o seu consumo.
Principalmente nos períodos influenciados pelas últimas duas guerras mundiais, e sempre que se prevê ou se verifica a inflação da moeda, todos os senhorios, de acordo com os rendeiros, transformam em géneros, em geral o trigo, as rendas pagas a dinheiro, exactamente porque se presume que os géneros se irão valorizando à medida e na mesma proporção que a moeda baixar de valor. Assim, os rendeiros nada perdem, porque entregam aos senhorios a mesma quantidade de género de colheita da propriedade que em tempo normal tinham de vender para pagar a renda a dinheiro, e o senhorio, vendendo o género que recebe da renda, fica compensado, com os escudos que recebe a mais, da quebra do seu poder de compra, ou seja da sua desvalorização.
Isto é tudo quanto há de mais justo e legal, como se vê pelos artigos 1597.º e 1599.º do Código Civil: «Podem locar e aceitar a locação todos os que podem contratar». Portanto, os senhorios podem arrendar livremente as suas propriedades e, segundo o artigo 1603.º, estipular «o preço da locação ou renda, que pode consistir em certa soma de dinheiro ou em qualquer outra coisa que o valha (é o caso do trigo ou outros géneros), contanto que seja certa e determinada». Isto,
como bem se compreende, para não Haver dúvidas sobre a quantidade de género a pagar.
Portanto, se a lei geral -o Código Civil- reconhece aos senhorios o direito de propriedade (artigo 2167.º), com a faculdade de a arrendar, de estipular o valor da renda e a natureza do género em que ela deve ser paga, é ilegal toda a disposição posterior que altere o valor ou a natureza da renda sem prévio consentimento das partes contratantes ou sem que sejam revogados aqueles artigos do Código.
Por isso não é legal a disposição do § 2.º do artigo 1.º do decreto-lei n.º 30:579, de 10 de Junho de 1940, que tem sido mantida em todos os decretos posteriores que regulam o regime cerealífero, e que diz: e As rendas estipuladas em trigo serão liquidadas e pagas pelo seu equivalente em escudos, ao preço da tabela oficial (de 1938), sem o acréscimo do subsídio». Como se sabe, o subsídio é a taxa que anualmente é estipulada como acréscimo ao preço base médio de l$50 da tabela de 1938 e complemento do preço do trigo para compensação da desvalorização da moeda, que o mesmo é dizer para compensar o cultivador de trigo das maiores despesas de culturas (artigo 1.º do decreto-lei n.º 28:906, de 11 de Agosto de 1938). E como se reconhece que quem cultiva a terra corre todos os riscos que ameaçam a cultura e suporta todos os encargos que sobre ela pesam, deve ter uma compensação, e até aqui estamos todos de acordo; o autor da referida disposição de lei entendeu que devia dar aos rendeiros essa compensação à custa do que legitimamente pertence aos senhorios, e aqui é que já não estamos de acordo, por tê-lo feito à custa da diminuição do valor da renda, o que é ilegal, como vimos.
No regime cerealífero de 1946 (decreto-lei n.º 35:776, de 31 de Julho) o subsídio foi de l$15 (§ único do artigo 1.º), o que, somado ao preço médio de l $50 da tabela de 1938, deu para o trigo da colheita passada o preço também médio de 2$65 cada quilograma. Mas como o artigo 10.º do mesmo decreto-lei mantém em vigor o artigo 15.º do decreto-lei n.º 34:737, de 6 de Julho de 1945, que manda pagar as rendas a trigo pelo preço de 1938, ou seja a l$50 em média, o rendeiro só necessita vender pouco mais de metade (56,6 por cento) do trigo da renda que devia entregar ao senhorio, para fazer o pagamento integral da mesma, segundo esta disposição de lei draconiana.
Esta mesma disposição também aplicada ao pagamento dos foros e à parceria repete a mesma flagrante injustiça, ou ainda maior, porque as enfiteuses são, algumas delas, seculares, estipuladas a trigo ou em qualquer outro género, e tiveram precisamente por fim garantir aos senhorios, em todo o tempo, o valor actualizado do seu emprazamento, » por isso não há o direito de, de ânimo leve, modificar esse contrato, por ser um acto atentatório do direito de propriedade, sem que isso represente uma vantagem para a colectividade ou para a economia nacional.
Nem mesmo o consumidor é beneficiado com esse sacrifício dos senhorios, porque, quer os rendeiros paguem as rendas a trigo, descontando o subsídio, quer paguem a dinheiro, pela tabela de 1938, o consumidor paga sempre o pão pelo mesmo preço, visto que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e as moagens pagam todo o trigo, quer vendido pelos rendeiros, quer vendido pelos senhorios, pelo mesmo preço, isto é, com o subsídio de cultura.
Somente o rendeiro tem o privilégio de pagar o trigo da renda ao senhorio computado a l$50 e de o vender à Federação a 2$65, o que é tudo quanto há de mais arbitrário e injusto.
O que vale é que há muitos rendeiros honestos e de bom senso que respeitam os contratos e pagam integral-