22 DE MARÇO DE 1947 965
perigo que podem comportar de generalização imediata, baseou-se em relatórios parciais de extraordinário valor para o esclarecimento definitivo de factos.
Tentou, finalmente, definir os princípios fundamentais do corporativismo português, revelar os desvios cometidos e procurar a reintegração nos princípios primitivos.
Presto portanto as minhas homenagens à comissão. Não me interessa saber se o seu, método de trabalho conduz inevitavelmente a pagar o justo pelo pecador.
Dizia um imperador romano que a jurisprudência era a ciência do justo e do injusto. A formação do direito é o produto das exigências da coexistência e da cooperação social e na sua elaboração como produto sociológico cooperam todos os factores que num determinado momento histórico concorrem para dar forma à vida social.
Assim nos ensinam os nossos mestres.
Não tenho dúvidas em pensar que do trabalho da comissão deve tornar-se preciso esse direito corporativo, do qual ainda apenas possuímos as primeiras bases.
Contudo seja-me permitido afirmar que o brilhante espirito de jurista que presidiu à comissão não me pode pedir que dê o meu voto à última conclusão do seu notável relatório: «Para que seja autorizada a comissão a dissolver-se logo que tenha arrumado e dado destino à documentação que possui».
Na minha modesta opinião, ela tem a obrigação moral, embora reduzida no número dos seus vogais ou acrescida de outros elementos, de levar a cabo o inquérito económico-social que iniciou. Tem de ilustrar de forma mais precisa aquilo que afirmou acerca de alguns resultados benéficos da organização, dos resultados obtidos, dos próprios erros e defeitos de que sofreu como qualquer obra humana. É indispensável que o País conheça, porque em geral ignora, o muito que está realizado, até para medir as responsabilidades que tem nalguns dos erros e desvios cometidos.
É possível pensar que a força obrigatória de um sistema ou de uma série de princípios possa findar por um dos três processos seguintes:
1.º Desuso puro e simples, deixando o Estado de cumprir uma dada norma por já a não considerar obrigatória;
2.º Costume contrário pela criação de novos preceitos, incompatíveis com os existentes;
3.º Revogação por meio do um tratado normativo, quer a revogação seja expressa ou tácita.
Vou limitar a minha análise ao princípio da intervenção económica.
Por mais que tivesse procurado, nada encontrei na Constituição Política que defina de forma concreta a Índole e a extensão das funções económicas dos organismos corporativos.
Só por dedução será possível, analisando o Estatuto do Trabalho Nacional, concluir qualquer coisa de admissível.
Consultando os diplomas que se referem aos grémios (decretos n.08 23:049 e 24:715), parece bastante vaga e imprecisa essa função.
Têm os grémios obrigação de assegurar a execução dos regimes legais em vigor e de certo modo intervir na produção e no mercado.
Mas ó evidente que muitos grémios constituídos obrigatoriamente não tiveram outra razão de ser do que assegurar a execução de certa política económica. O que menos importante parecia, perante a gravidade do mal económico, era a representação das actividades. Foi aqui violado o princípio da liberdade de associação? Mas uma das duas: ou o Estado, fiel aos princípios, assistia passivamente à subversão da economia dum sector, afectando gravemente o interesse geral, ou tinha de intervir impondo
Uma obrigatoriedade de associação, princípios de disciplina e de ordem.
Houve aqui desuso puro e simples de uma norma que o Estado deixou de considerar obrigatória. Dadas as circunstâncias, que mais se agravaram com o conflito mundial, não há ninguém de bom senso que possa demonstrar que procedeu mal e até que podia proceder de forma diferente.
Nesta matéria há até, como já foi demonstrado, quem confunda a autodirecção da economia com o carácter facultativo dos grémios.
Tem esse primeiro princípio qualquer coisa de diverso que não seja a actividade e o ideal, as regras de vida e o espirito que devem animar os grémios? A forma de constituição parece que nada tem que ver com o principio?
Parece que mais pernicioso ainda foi criar duas categorias de grémios, uns com objectivos talvez perfeitamente de acordo com o espírito corporativo, mas tão distanciados das realidades da vida económica que por vezes as tornavam irreais, outros mergulhados tão profundamente nessas realidades que tinham de fatalmente perder todo o espírito corporativo.
Esta diferença de tratamento e de pensamento é perfeitamente compreensível em tempo de guerra, e, se podemos encontrar muitos argumentos contrários a essa orientação, basta a visão do que se passou nesta matéria no Mundo para ver que, mesmo aqui, se procedeu com muito menos violência do que em outras nações que fazem grande alarido das liberdades individuais e colectivas.
O decreto n.º 26:707, de 8 de Julho de 1936, que criou os chamados organismos de coordenação económica, teve, a meu ver, razões em parte diferentes daquelas que o relatório da nossa comissão indica.
Perante a desordem da economia em muitos sectores e na impossibilidade de lhe acudir através os serviços oficiais, o Estado pensou que devia criar serviços públicos económicos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª esquece-se do que se diz no relatório desse decreto, que é muito mais harmónico com o que a comissão afirma no seu relatório do que com aquilo que V. Ex.ª está a afirmar.
O Orador: - Já lá chego.
Esperava que tivessem espírito novo mais vivo e eficaz em tempos de crise. Não podia esperar que as actividades a enquadrar tivessem acabado as suas lutas intestinas, visto que algumas já duravam há anos, sem qualquer solução. Estabeleceu algumas regras de disciplina que lhe pareceram salutares e que permitissem criar o espirito corporativo essencial para a formação das corporações.
Mas é claro e evidente que se pretendeu estabelecer um serviço público, embora de natureza especial. Só assim se explica, por exemplo, o facto de reconhecer alguns destes organismos como órgãos oficiais de notação estatística, de lhe dar poderes de fiscalização muito semelhantes aos dos próprios serviços do Estado, de os submeter à rigorosa disciplina do Tribunal de Contas. Essa tendência manifestou-se a cada instante da sua vida.
Pouco a pouco foi-se exigindo maior identidade com os serviços do Estado, regras de contabilidade idênticas, quando se exigia deles uma mobilidade e rapidez de soluções incomparavelmente maior do que as dos serviços oficiais, normas referentes ao pessoal, esquecendo que não tinham as mesmas garantias do que o funcionalismo público.
Ao passo que o público reclamava dinamismo e celeridade na resolução, envolvia-se toda esta vasta máquina numa trama cada vez mais apertada de normas, muitas vezes nem sequer escritas, e que era, por assim dizer,