992 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 110
militares, ou, antes, procurava-se definir a fronteira entre a política e a estratégia, para esclarecer as atribuições do principal responsável pelas operações militares e evitar os atritos resultantes de iniciativas restritas.
A actividade militar deverá subordinar-se aos grandes objectivos políticos, que são a causa do conflito armado. É isto hoje evidente, mas foi discutido durante um longo período e interessante é relembrá-lo.
A acção da política geral do Estado deve ter por fim dar expressão concreta as necessidades de conservação ou de incremento do património nacional, sendo um dos meios a guerra. Ela, assim, tem de lhe dar todos os elementos em extensão e em intensidade, quer no campo político e económico, quer no militar, para a poder tornar total. Dir-se-á que o grande filósofo da guerra, von Clausewitz, previu a guerra apocalíptica do século XX.
São esses dois esforços, que se devem combinar, que constituem a política da guerra, isto é um, o da direcção e conduta geral da guerra; outro, o da conduta das operações militares.
O primeiro orienta e coordena, oportunamente, a acção de todos os elementos que formam ou podem contribuir para o poder militar da Nação. Para isso tem desde o tempo de paz de prever e de prover todas as necessidades que possam dar-se no estado de guerra, preparando e impulsionando todas as actividades do País, de maneira a concorrerem num sentido único para a melhor eficiência dos organismos militares em terra, no mar e no ar, no conseguimento dos objectivos considerados, definidos pela política.
Canalizando a acção de todos esses meios para uma utilização futura no campo militar realiza-se a coordenação das operações no sentido de se alcançarem esses objectivos e adentro dos princípios e concepções da arte da guerra.
Ora é essa direcção e conduta geral da guerra que pertence aos governos, porque são estes os responsáveis pela realização da política do Estado, pois são eles que, dentro da Nação, não só têm de regular as relações dos indivíduos entre si e com o próprio Estado, como têm de dirigir a política do Estado na mais elevada concepção da política geral.
Se é um perigo a política de entregar aos comandos largas iniciativas, para depois declinar sobre eles, em caso de insucesso, as responsabilidades que lhes não deviam pertencer, também não menos grave é quando os governos começam a interferir nas operações militares, dando ordens que lhes não competem. A História nos dá vários exemplas, bem funestos.
Iniciadas as operações militares, estas devem ser conduzidas exclusivamente sob a responsabilidade do comando em chefe, conforme os planos já formulados o aprovados.
Fazendo o paralelo entre a lei n.º 1:905 e a actual proposta, aparece na base V a constituição do Conselho Superior da Mobilização Civil, em tempo de guerra. E a revelação da proposta em causa.
Sobre a sua necessidade faz a parte justificativa judiciosas considerações, que mostram a conveniência da existência de tal organismo.
A mobilização civil é parte importantíssima, nos seus múltiplos aspectos, da mobilização integral, que corresponde ao critério da guerra total, concorrendo para a eficiência dos organismos defensivos, que realizam a sua mobilização militar, hoje tão complexa, ambas, diga-se, com base na mobilização moral.
O actual conceito da guerra total empenha todos os recursos, constituindo em grupos de Estados verdadeiras autarquias, e até em cada Estado, quando neutros, uma independência de se bastarem a si próprios.
Sendo tão profunda a modificação da política da guerra, a antiga estrutura não pode ser invocada. Pode-se afirmar que os antigos sistemas corresponderam ao carácter da sua época e foram uma solução que se julgou conveniente.
A lei n.° 1:905 não atendeu a uma corrente já bem acentuada como lição da primeira grande guerra (1914-1918), quando nessa época já se previa o conceito da guerra total e a estreita dependência dos três organismos defensivos: exército, marinha e aeronáutica, para uma melhor eficiência das forças armadas.
O temeroso conflito de 1939-1945 constitui uma grande lição para mostrar não só a ligação permanente e íntima desses três organismos, como ainda a interdependência de todos os meios de acção.
A criação do Ministério da Mobilização Civil é uma verdadeira mobilização nacional, que interessa a todos os Ministérios no seu conjunto harmónico de concurso e no seu funcionamento próprio nas emergências de guerra.
Nada se diz na proposta sobre a constituição de tal Ministério. É natural, porém, que o critério da sua constituição seja o de coordenar todos os recursos nacionais da metrópole e das colónias.
O relatório que antecede a proposta prevê-o, mas só para o tempo de guerra, o que não se coaduna com a ideia da necessária e cuidada preparação da mobilização; porém, o texto da proposta não condiciona a sua existência somente a essa ocasião. Intuitivo parece ser o existir em tempo de paz, pois a mobilização só será capaz quando for rápida e não improvisada. A sua preparação deve ser metódica e constar de planos elaborados com perfeito conhecimento e coordenados com outros planos que, no seu complexo, constituem o plano de mobilização geral do Estado.
Mas, a propósito, seja-me permitido ainda expor a minha opinão pessoal de que desde o tempo de paz deveria existir em todos os Ministérios um organismo próprio (secção ou repartição) para a respectiva mobilização.
Cada Ministério devia ter o respectivo plano de mobilização administrativo, que assegure a continuidade do seu funcionamento em tempo de guerra (substituição imediata, já prevista, dos funcionários mobilizados) e a sua participação na mobilização geral, interferindo no capítulo ou capítulos que especialmente lhe interessem pela sua especialização.
Assim, se a mobilização moral é função do Ministério da Educação, depende igualmente de um subsecretário de informações ou de propaganda, a criar pelo próprio plano de mobilização, e que, durante a guerra, atenda àquilo que se denomina «guerra dos nervos», de tanta influência no (prosseguimento das operações militares.
É isto um exemplo, não me sendo possível indicar o plano ou esquema geral da participação dos diferentes departamentos ministeriais nos diversos, capítulos da mobilização, tomando como base a orgânica política do País.
Uma preparação técnica e intelectual facilitaria a unidade administrativa do novo Ministério.
Como disse, é esta uma minha opinião pessoal, não querendo alongar mais. as minhas considerações, dada a concordância da Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia à proposta de lei remodelando a actual lei n.° 1:905, de 22 de Maio de 1935, quanto à sua generalidade, pois a considera dentro das necessidades, vitais do País e, com algumas das alterações indicadas pela Câmara Corporativa, dentro dos princípios que, conforme a experiência colhida, devem reger actualmente a mobilização geral dos Estados.